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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Empreender também é saber parar: com a crise, fechei restaurante, desisti!

Pandemia levou Cris a encerrar as atividades do negócio criado pela mãe, Eleni, há 18 anos - Arquivo pessoal
Pandemia levou Cris a encerrar as atividades do negócio criado pela mãe, Eleni, há 18 anos Imagem: Arquivo pessoal

Colunista de Universa

24/03/2021 04h00

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Há exatos seis meses usei este espaço para contar um pouco mais sobre minha rotina como empreendedora pandêmica autodestrutiva (termo que cunhei para designar os empreendedores que estão sofrendo com perdas ao longo da pandemia de coronavírus). O termo autodestrutiva fica pelo fato de sermos uma bomba-relógio prestes a explodir a qualquer instante por estresse.

Naquele momento, já não aguentava mais ouvir a palavra "reinventar" e me via como um zumbi na frente do espelho, com olheiras gigantes, uma lista de tarefas infindáveis, uma pilha de dívidas que começavam a amargar o sabor do café na boca e uma equipe de quase 20 colaboradores completamente desmotivada esperando que eu, justamente o zumbi da história, tirasse força do âmago para impulsioná-los.

Passados mais de seis meses volto aqui para dizer que desisti. Sim, digo sem medo e fazendo questão de pronunciar cada sílaba deste verbo que está me proporcionando um sentimento de desapego e leveza nas costas. Senhoras e senhores, eu de-sis-ti!

Quando a pandemia de coronavirus nos atingiu em cheio em março do ano passado eu tinha uma vontade imensa de transpor este desafio. Aliás, sou uma empreendedora de carteirinha. Vencer desafios é uma ação que me move. Chego a pagar para enfrentar um que me permita sentir emoções que provoquem a minha criatividade.

Naquele mês de março, estava certa de que seria difícil, mas enfrentar a realidade me proporcionaria aprendizado e eu poderia exercitar minha resiliência fazendo com que a pressão trabalhasse a meu favor.

Muitos aprendizados depois, saio de cena certa de que sou capaz de enfrentar riscos que são muito maiores do que eu, mas que é impossível transcender as barreiras que foram erguidas exatamente para nos derrubar. Saber o momento de parar também é uma atitude valiosa para um empreendedor.

Não dá mais para insistir em continuar num país que só criou possibilidades para salvar as empresas de grande porte. Trabalhadores informais, autônomos, pequenos, micro e médios empresários do setor de serviço, como eu, fomos escolhidos pelo governo federal e estadual para pagarmos a conta.

Ficou para nós a conta tributária da folha de pagamento que já tanto nos onera, ficou para os restaurantes a conta das festas clandestinas e dos bares lotados nas esquinas, ficou a conta da inflação cada vez maior dos alimentos; ficou para todos nós brasileiros, empresários ou não, a caríssima conta de um governo incompetente que recusou vacinas, não comprou remédios e tirou de nós o oxigênio, primeiro em Manaus, e agora em todo o país.

Segundo o Ministério da Economia, cerca de 1,04 milhão de empresas fecharam no Brasil ao longo do ano de 2020. Estamos batendo recordes nos piores indicadores mundiais, são quase três mil mortes por coronavirus diariamente e o país com uma das piores administrações de crise do planeta.

Dia 27 de março de 2021 termina a história do @atriumrestaurante como uma empresa que vende comida. Foram 18 anos de muita tradição e de um sonho sendo realizado. Minha mãe, Eleni, que na infância sonhava fazer uma comida que curasse as pessoas, se uniu por 30 anos com meu pai, Seu Manu, juntaram o dinheiro de uma vida inteira e investiram. Transformaram a vida de centenas de milhares de pessoas ao longo de todos estes anos. Morreram trabalhando e deixaram pra mim a possibilidade de continuar esta bela história.

Estou longe de me sentir uma fracassada por estar desistindo. Muito pelo contrário, me sinto ainda mais forte por ter decidido parar enquanto ainda temos fôlego para reconhecer financeiramente nossas dívidas e agradecer a cada um dos nossos amados clientes, fornecedores e colaboradores.

Assim como as pessoas, negócios também têm seu fim. Toda história tem um fim. E, neste exato momento, o único sentimento que quero que as pessoas tenham com o fim do Atrium é a saudade de uma comida que um dia o fez pisar em nuvens. Nosso fim será celebrado ainda que isolado, cada um na sua casa, cada casa com seu prato.

Afinal de contas negócios não são sobre números, negócios são sobre pessoas. Quando você chegar ao fim é mais importante saber quantas pessoas você impactou do que quantos produtos vendeu.