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Por que, apesar da matança, tem tanta gente sem medo da covid?

Por mais letal que seja a covid seja, as mortes causadas por ela parecem insuficientes para que boa parte da população se isole - undefined undefined/Getty Images/iStockphoto
Por mais letal que seja a covid seja, as mortes causadas por ela parecem insuficientes para que boa parte da população se isole Imagem: undefined undefined/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

13/03/2021 04h00

Estou no centro de São Paulo, dentro do meu carro, a caminho do interior, para onde fujo de vez em quando. Vejo muita gente aglomerada, sem máscara, enquanto, no rádio, ouço notícias apavoradas e apavorantes sobre a transmissão do vírus. Batemos o recorde de mortes diárias. Somos o país mais perigoso do mundo.

Penso no motivo que me faz acreditar que o planeta em que vivo está ameaçado por essa doença, enquanto as pessoas ao meu redor parecem viver em um planeta imune. Eu sou a esperta, eles são burros? Eu sou burra, eles são espertos?

Sei que temos em comum o cansaço e a vontade de que nosso futuro não seja feito só de dias iguais aos de 2020 e desse começo de 2021. Quanto às nossas diferenças de ponto de vista, tento entender de onde vêm.

Faz um ano que ouvimos, pelos meios de comunicação, notícias assustadoras sobre o vírus. Ele pode matar. Ele pode fazer os hospitais entrarem em colapso. Não existe vacina para todo mundo. Não sabemos se as vacinas vão servir para as mutações? Por causa dele, fechamos nossas lojinhas e deixamos de ir ao shopping, às missas, ao culto e às festas.

Isso é o que nos orientam e mandam fazer. Mas onde está esse vírus que não vemos? A morte causada por ele se esconde nos hospitais e nas casas das pessoas adoentadas. Como disse meu cunhado:

Quando ouvimos as notícias sobre a pandemia temos a impressão de que as pessoas vão começar a cair nas ruas, mortas, como moscas. Mas, ao contrário, as pessoas estão em pé, conversando, tomando cerveja, dançando, empacotando as compras do mercado. E nada parece acontecer.

A grande tragédia do nosso século, a mais letal delas, a que mais matou em menor período, não se reflete na vida da maior parte das pessoas. E é por isso que sentimos essa dicotomia entre o que se comunica e o que se vê. O que se fala e o que se vive. É um caso gritante em que o áudio não corresponde ao vídeo.

Minha hipótese é que a covid só se torna real quando mata. Perto de você. Caso contrário, ela não combina com o que vivemos. Porque, na nossa maioria, não vivemos o drama terrível de não conseguir internar um parente, de ver o pai morrer por falta de oxigênio, de ver a avó falecer antes de chegar à UTI ou - o que tem acontecido mais recentemente - perder vários membros de uma família de uma só vez.

Por mais letal que seja a covid - e é -, por mais arrepiantes que sejam suas mutações - e são -, as mortes causadas por ela parecem insuficientes para que nos cuidemos ou acreditemos em sua existência. Com 270 mil mortes, o vírus foi responsável pela perda equivalente à população de uma cidade como Juazeiro do Norte, no Ceará. Em São Paulo, é como se, em um ano apenas, o bairro da Barra Funda desaparecesse.

Mesmo assim, ele mata "apenas" entre 1 e 2 pessoas por 1 mil brasileiros. Se considerarmos os familiares enlutados, podemos estimar alguns milhões de pessoas que sofreram diretamente com a tragédia (cada núcleo familiar tem, em média, 3 pessoas, segundo o IBGE). Isso significa que quase a totalidade de nossa população, cerca de 210 milhões de pessoas, incluindo as 11 milhões que já foram contaminadas, não lidaram com a face mortal do coronavírus. Estão sendo alertadas sobre uma ameaça que não compreendem, não internalizam.

Para esse montão de gente o vírus só dói porque suspende seu trabalho, tira comida da mesa e as crianças da escola (onde, além de aprenderem, de passarem um bom tempo em segurança, elas também se alimentam, não vamos esquecer).

Não é por acaso que tanta gente repete os discursos que negam a doença ou negam o perigo da doença. Não por acaso, também, ficamos passivos diante dos crimes de saúde pública cometidos por autoridades máximas do país. "Nesse momento, alguma liderança teria que ajudar a população a acreditar na gravidade do cenário", disse um amigo médico. Não é o que está acontecendo.

É muito frustrante pensar que nós, comunicadores, estamos falhando na nossa missão. Adianta noticiar estatísticas? Não. Adianta mostrar horrores em corredor de hospital? Não. Adianta pedir que as pessoas usem máscaras? Não muito. Adianta mostrar pessoas chorando, desesperadas, na busca de tanques de oxigênio? Parece que não.

Nós, jornalistas, comentaristas, formadores de opinião, influentes, não estamos conseguindo fazer o que este vírus faz de melhor: penetrar nas células, modificar um padrão, provocar uma mudança no ambiente. Ficamos assombrados, lendo e repetindo notícias, para um público cada vez mais amortecido e paralisado. Não estou dizendo que a responsabilidade sobre o futuro dos brasileiros é nossa. Mas também é nossa. Precisamos achar um meio melhor de contar essa história de horror.

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