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"Um dia após perder minha avó com covid, vacinei idosos como voluntária"

Odára Matias foi voluntária em vacinação depois que avó materna morreu de covid, no RJ - Divulgação/Helga Pitta
Odára Matias foi voluntária em vacinação depois que avó materna morreu de covid, no RJ Imagem: Divulgação/Helga Pitta

Odára Matias em depoimento a Nathália Geraldo

De Universa

25/02/2021 04h00

"Sou estudante de Enfermagem do quinto semestre do Centro Universitário IBMR, no Rio de Janeiro, e me voluntariei para participar da vacinação no Parque Olímpico e nos postos de saúde no começo de fevereiro [a vacinação está prevista para ser reiniciada nesta quinta-feira]. Fui selecionada para a ação, e no dia 7 de fevereiro, um domingo, a professora da faculdade nos avisou que tudo ia acontecer de segunda a sábado. Eu não sabia que já seria naquela segunda. Às 7 horas da manhã, uma amiga me ligou avisando.

Pouco depois, a ligação do número do hospital: minha avó materna Célia morreu às 2h50 de domingo para a segunda. Ela teve covid. À noitinha, a pressão dela foi diminuindo. Ela estava tomando noradrenalina para manter o corpo, e a equipe de médicos fez uma reunião e decidiu que não ia aumentar a dosagem...

Tudo começou em novembro do ano passado. Ela teve um segundo AVC — o primeiro havia acontecido uns quatro anos antes — e precisou ficar internada no hospital por 21 dias. A família estava apreensiva para saber se íamos passar o Natal em casa, eu e minha mãe dormíamos a madrugada com ela lá. Saímos no dia 18 de dezembro.

"Toda a família pegou Covid"

Naquela madrugada, eu já estava tossindo e ela também. Depois, tive febre, não sentia mais o gosto e o cheiro das coisas. O mesmo aconteceu com meus pais.

Até que minha avó apresentou outros sintomas: diarreia e conjuntivite. Ela tinha 76 anos, uma síndrome rara na medula, já não andava há uns seis anos e morava com a gente porque caiu algumas vezes antes.

Minha mãe dizia: "Se a sua avó pegar isso, ela não resiste". Isso porque ela ainda tinha problema no rim, era hipertensa e diabética. Até por isso eu sempre quis fazer enfermagem, minha mãe fez um técnico na área, minha irmã também começou o curso. Por conta dela, nossa família ficou mais unida e cuidadora.

Na pandemia, a gente se cuidou muito. Não saímos. Fizemos de tudo para não corrermos risco. Mas, acho que pegamos no hospital. Minha irmã e minha avó fizeram o teste e deu positivo. Ficamos todos isolados, e inclusive minha irmã mais velha não veio passar as festas com a gente.

"Foi a pior virada do ano da minha vida"

No dia 31, precisávamos de uma ajuda para descer minha avó do segundo andar da nossa casa, e precisei chamar o Samu. E foi quando vimos que a saturação dela estava muito baixa, com o oxímetro que meu pai tinha comprado. Tínhamos que levá-la ao hospital. Era 1º de janeiro, e eu fiquei no telefone com eles... Foi a pior virada de ano da vida.

Eu me senti impotente, não podia fazer nada com ela estando no hospital. Das outras vezes, a gente tinha como cuidar dela, passava a sonda, trocava fralda, cuidava das feridas. A última vez que vi minha avó foi no dia 31. Fizemos vídeo, mas ela estava entubada, não tinha reação. Ela ficou mais de dois meses internada.

Odara - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A estudante comemorou seu último aniversário, de 20 anos, ao lado da avó
Imagem: Arquivo pessoal

Do meu lado, eu fiquei com medo da doença, porque os professores falavam o que o vírus faz com o corpo. Como graduanda em Enfermagem, e me sentia ainda mais cobrada a dar o exemplo e não sair de casa. E o que eu vejo são pessoas que até fazem Enfermagem também e estão lá, em boates. A hipocrisia é a pior coisa que existe, ver pessoas que estão levando a doença na brincadeira, independentemente do número de mortes aumentando.

Eu tenho as aulas à distância e sou confeiteira, ou seja, trabalho de casa. Minha mãe também faz home office, e meu pai é taxista e tem que sair de casa para trabalhar. E só. Quando eu recebi convites para ir à praia, me disseram: "Mas, ela está vazia". E eu respondo: "Sim, mas aí você posta foto de que ela está vazia e todo mundo vai para lá."

"A despedida foi sem flores"

Odara e a avó - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Odára Matias e sua avó, Célia, que morreu por conta de complicações da covid-19
Imagem: Arquivo pessoal

A perda já e ruim, e com o sepultamento sem ver flores, sem poder ir pessoas que gostavam dela, porque as amigas também eram idosas... Foi ainda mais triste. Quando o médico ligou, a gente separou um vestido bonito, porque ela era vaidosa, adorava um batom.

Imaginamos que ia ter flores lá também. Mas como teve que colocar covid no atestado de óbito, foi tudo lacrado. Sem roupa, só com um lençol. Isso mexe muito com a gente. É até mais difícil de cair a ficha, porque a gente não vê o rosto da pessoa ali. Se não fosse a covid, a despedida seria muito mais tranquila.

"Tudo na vida é uma missão"

odara - Divulgação/Helga Pitta - Divulgação/Helga Pitta
Jovem participou de vacinação em drive-thru realizada por força-tarefa conjunta da Secretaria Municipal de Saúde com o Centro Universitário IBMR, no Rio
Imagem: Divulgação/Helga Pitta

Para mim, tudo na vida são missões, e a dela foi cumprida. Eu penso na minha avó com saudade, mas não com tristeza.

Foi gratificante quando eu fui vacinar os idosos. Eu cheguei lá radiante, sabendo que estaria fazendo parte da história.

Sou apaixonada por eles. As pessoas não têm muita paciência com os mais velhos, porque eles são mais lentos; e na vacinação, tinha idoso que não queria tomar porque achava que ia virar jacaré. Eu expliquei para eles e para os familiares sobre a vacina, e durante um tempo fui escriba, anotando tudo, a dose tomada, a data.

Na verdade, fiquei muito nervosa, porque era a primeira vez que eu entrava em contato com paciente — tirando a minha avó. Mas minha colega mais experiente também me ajudou. No final, vacinei umas 15 pessoas. E expliquei que eles precisam acreditar na Ciência, não era só injetar a vacina e acabou. Se não falar assim, essa pessoa não vai se isolar, não vai se cuidar depois."