Topo

Ana Canosa

Já parou para pensar por que você é o objeto do ciúmes de alguém?

O que lhe fez alguém se relacionar com uma pessoa ciumenta? -
O que lhe fez alguém se relacionar com uma pessoa ciumenta?

Ana Cristina Canosa Gonçalves

Colunista do UOL

12/01/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Olá, tenho 29 anos, minha esposa 25 e temos um filho de 5. Estamos juntos a uns 9 anos, mas morando juntos como casal desde que ela engravidou. Tivemos um problema na nossa relação, uma "separação" momentânea no ano passado e acabei me relacionando com uma mulher muito mais nova. Mas voltamos e está "tudo bem". O problema é que minha esposa que era ciumenta fora da medida antes agora ficou insuportável. Não posso excluir uma mensagem que ela inventa na cabeça dela uma história e nós discutimos, não posso me arrumar, usar um perfume, ter um amigo em comum com a outra... Estou implorando para que ela faça terapia, estou certo ou me falta visão da nossa situação?

Olha só. Se tudo que você conta é exatamente assim, você está com razão ao pedir-lhe que vá em busca de ajuda psicológica. É uma verdadeira prisão se relacionar com pessoas ciumentas. Eu não estou falando de qualquer ciuminho, um certo incômodo quando quem amamos está a usufruir do prazer com outras pessoas e situações. Mas esse sentimento é facilmente identificável e com frequência passa logo. Está mais para a origem da palavra ciúme, que no português deriva do grego "zelus", transformada em zelumen no latim, que significa zelo. Porém, há quem transforme situações corriqueiras em ameaças reais, acionando o medo do abandono, da traição, fazendo a pessoa mergulhar no seu mundo interno, diluindo-se na própria dor.

Um ciumento normalmente passa a controlar o outro, como o precisando possuir, privando-lhe egoisticamente da companhia de outras pessoas. Não são poucos os que abandonam amizades antigas, hobbies, prazeres, estudos e até empregos, por imposição de suas parcerias ciumentas, que justificam-se estar zelando pela relação. Ter sua individualidade roubada, seus bolsos revirados, celulares invadidos, carros monitorados...

Antes mesmo que o sentimento amoroso se instale, a desconfiança de perder um suposto lugar privilegiado, o da unanimidade, já existe, é uma questão emocional do sujeito, que o impele a uma atitude controladora

Em algum momento da história, o ciúme foi entendido como prova de amor, o que é um engano atroz. O medo de ser substituído faz parte de uma dinâmica emocional anterior à formação de vínculo afetivo com o par. Se o amor deveria ser um manifesto de afeto e querer bem, aceitando a alteridade do outro, em uma relação ciumenta, ele não consegue se desenvolver assim.

Na tentativa de garantir que o outro seja a pessoa-objeto para controlar e possuir, um ciumento pode até matar, a fim de guardar a imagem do objeto "amado" para si, antes que ele se vá. Podemos chamar isso de amor?

O que eu quero dizer é: a pessoa não tem ciúme exatamente de você, mas ela tem ciúme, inclusive de você. Infelizmente talvez você tenha caído no engodo romântico de achar "bonitinho" o ciúme dela no início do relacionamento. E é aí que eu quero chegar a parte que lhe toca (a que talvez lhe falte visão, como você escreveu). O que lhe fez estar com uma pessoa ciumenta? Como tem sustentado essa relação durante 9 anos? Sim, porque a parte que ela fica obsessiva, imaginando situações, porque você ficou com uma moça mais jovem durante o rápido afastamento, eu posso entender. Mas você afirma que ela já era muito ciumenta, agora só enlouqueceu de vez.

Pergunte-se qual o ganho emocional que você tem, por ter uma pessoa ciumenta ao seu lado. Provavelmente você vai torcer o nariz e dizer que nenhum. Mas eu insisto que faça essa reflexão. Muitas pessoas têm um sentimento interno de temor diante da vida. Unir-se a alguém que exerça um "poder" na relação, controlando tudo, pode servir como um alívio da insegurança existencial.

Outras tem receio do próprio desejo, de serem inadequadas sexualmente, julgadas, - estar ao lado de um ciumento é ter uma polícia constante, alguém que diz o que está adequado ou não, que faz as escolhas por você. Existem também os inseguros, com autoestima rebaixada, que tem a falsa percepção de que o ciúme das parcerias representa a garantia de que elas estão voltadas para si.

Por fim os ciumentos, que adoram estimular o ciúme, alimentando essa relação doentia e projetando o problema no outro, como num espelho. Chamando a atenção para si, mantém seus pares enciumados sob controle.

Fiquei aqui pensando que a experiência com a moça mais nova possa ter lhe rendido alguma confiança extra e por você estar se expandindo emocionalmente, tenha decidido pedir ajuda. Por outro lado, teria sido o seu medo de se lançar na vida que tenha feito você retornar para a "segurança" da esposa ciumenta? Quem sabe era ela - a sua esposa - que andava menos ciumenta, voltada para outras coisas, pessoas e prazeres, (talvez a maternidade) e daí essa história de breve separação e do affair, foi uma maneira que você arrumou de chamar a atenção para si e acionar o velho mecanismo? Talvez um pouco de cada coisa?

Repare nas crianças: há momentos em que a ameaça do terceiro é atroz. A vinda de um irmão, por exemplo, normalmente gera ciúme. Mas ao longo do processo, a criança vai percebendo que não perde o amor da família, caso se afaste provisoriamente deles, e que cabe também o amor do irmão. No entanto, existem as que não conseguem se afastar. Algumas gritam e esperneiam quando sentem que estão perdendo o controle, outras adoecem. Existem as que paralisam e as que evitam contato social. Mas é na reação dos pais que mora o perigo: já notou que alguns falseiam a reclamação de que os filhos são ciumentos, mas no fundo, no fundo, morrem de felicidade? Já vi acontecer até com cachorro: "Cuidado, morde, morre de ciúme de mim" - sorrisinho no canto da boca.

Pois então, faça essa observação sobre você mesmo. Talvez não seja só a sua esposa que precise de ajuda psicológica, mas você, para também entender-se a partir dela.