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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Bater em criança ensina que agressão é uma linguagem de amor'

Existe um julgamento distorcido de que bater em outro adulto é errado e bater em crianças é educativo - ridvan_celik/iStock
Existe um julgamento distorcido de que bater em outro adulto é errado e bater em crianças é educativo Imagem: ridvan_celik/iStock
Maya Eigenmann

Colaboração para Universa

05/02/2022 15h01

Esta semana vimos, no "BBB", o surfista Pedro Scooby relatando sem constrangimento como bateu na boca de seu filho para fazê-lo parar de responder. Esta fala gerou uma mobilização por parte de pediatras, psicólogos e educadores parentais, como eu, para conscientizar o público de quão nocivas as agressões físicas são para crianças. Aliás: só para crianças?

Se a história fosse a seguinte: um casal está conversando e um dos dois fica chateado pela forma como seu parceiro/sua parceira lhe respondeu, e por isso lhe dá um tapa da boca. Olhando assim, percebemos a naturalização da violência contra a criança. Em nenhum outro contexto é permitida a agressão física.

Bater em mulheres ou idosos é crime. Bater em crianças também, mas existe um julgamento distorcido de que bater em outro adulto é errado e bater em crianças é educativo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente criminaliza a agressão contra crianças.

"Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:
I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
a) sofrimento físico; ou
b) lesão;
II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize."

A Organização Mundial da Saúde (OMS) descreveu em um documento de 2018 vários cuidados primordiais para um desenvolvimento saudável na infância, dentre eles a ausência de violência familiar e por parceiro íntimo, e ausência da aplicação de castigos físicos ou humilhantes às crianças.

Algumas pessoas pontuam existir uma diferença entre palmadas e espancamento, no caso uma palmada não podendo ser considerada uma agressão.

A questão que se levanta é: como fazemos para medir quando termina a palmada e quando começa o espancamento? Todo espancamento em crianças começou com palmadas.

Quando uma palmada leve já não resolve, a mão começa a pesar mais um pouco. Em 2020, 6 mil crianças e adolescentes morreram de forma violenta no Brasil.

Bater não educa, mas ensina. Ensina que a agressão é uma linguagem de amor. Ensina que quando estamos com raiva, tudo bem descontar em quem amamos.

Autores como o médico Gabor Maté e a psicóloga Alice Miller dedicaram suas carreiras para pesquisar sobre traumas. Ambos confirmam: um adulto que acredita merecer apanhar é uma criança que precisou desenvolver um mecanismo de defesa, uma falsa crença, de que ela era merecedora de receber agressão. Afinal, reconhecer que os próprios pais a machucaram seria uma traição contra eles.

Por isso que quando fazemos algo de ruim com as crianças, elas não deixam de nos amar. Elas deixam de amar a si mesmas.

A pergunta final que deixo para a leitora é: você gosta de bater nas suas crianças? Porque é absolutamente possível criar filhos responsáveis, pensantes e respeitosos sem bater, por meio da conexão e do diálogo. Mais de 40 anos de pesquisa comprovam isso. Muitos pesquisadores, como Nadine Burke Harris, Isabelle Filliozat, Peter Levin e Bruce Perry escrevem sobre os benefícios de se educar com respeito, sem palmadas.

Como diz Jane Nelsen, criadora da Disciplina Positiva: "De onde tiramos a absurda ideia de que para fazer uma criança se comportar melhor, temos que fazê-la sentir-se pior primeiro?"