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'Sempre há tempo': é possível se reconciliar com um pai que foi ausente?

Antes de completar 18 anos, Vanderléia só viu o pai uma vez, durante uma audiência sobre pensão. Hoje tem boa relação com ele - Acervo pessoal
Antes de completar 18 anos, Vanderléia só viu o pai uma vez, durante uma audiência sobre pensão. Hoje tem boa relação com ele Imagem: Acervo pessoal

Ana Bardella

De Universa

24/01/2022 04h00

Recentemente, um post de Manuela Seiblitz, filha do ator André Gonçalves, chamou a atenção do público. Ela, que tem 22 anos e uma relação conturbada com o pai, desabafou sobre como a ausência dele teve impacto em sua infância —e como sente as consequências disso na vida adulta. "Não há nada que ele possa me ensinar sobre como amar meus filhos futuros", escreveu.

Ao final do desabafo, a jovem fez um pedido: "Aos pais do mundo, sempre há tempo. Enquanto se está vivo, há tempo. Não percam a gigante oportunidade de conhecer os filhos de vocês", disse.

A frase gera reflexão. Somente no ano passado, mais de 100 mil crianças foram registradas sem o nome do pai na documentação. Na prática, mesmo entre aquelas cujo pai opta pelo registro, muitas são educadas —e sustentadas— apenas pela mãe. Diante de um cenário como esse, será possível criar ou resgatar os laços com a figura paterna ao chegar na fase adulta?

Antes de pensar em retomar a relação, é preciso entender quais benefícios ela vai trazer

A psicóloga Daniele Sita alerta para as consequências que um afastamento físico e emocional do pai traz a uma criança. "Os resultados são muito negativos: essa ausência desperta sentimentos de desvalorização, abandono, insegurança e baixa autoestima", lista.

"A criança pode desenvolver crenças de que ela não merece ser amada, cuidada e ter dificuldades em se relacionar com outras pessoas da família ou colegas de escola", completa.

Muitas vezes, essas questões se tornam tão complicadas que, ao chegar na fase da adolescência, o filho não gosta nem que a figura do pai seja mencionada. "Tocar no assunto desperta sensações tão ruins que a pessoa começa a evitar", pontua.

No entanto, com a vida adulta e a maturidade, pode existir o desejo de reconstruir os laços. "Nesses casos, a iniciativa sempre vai partir de um dos lados, mas a vontade precisa ser recíproca", ressalta a psicóloga. Além disso, é necessário avaliar quais sentimentos o contato entre as duas partes traz à tona para saber se vale a pena construir uma nova relação.

Se tudo o que o filho consegue sentir pelo pai é mágoa, por exemplo, manter distância pode ser a melhor opção. "Por outro lado, se ambos se esforçarem, estiverem abertos para ressignificar os fatos do passado, existe a possibilidade de dar certo", comenta. É necessário, no entanto, manter as expectativas dentro da realidade. "Não será uma relação perfeita, mas pode ser reconstruída aos poucos", finaliza.

'Perdoar meu pai foi o melhor que eu podia ter feito'

As postagens da influencer e empresária Vanderléia Marquex sobre a saga com o seu pai ganharam destaque no Instagram e no TikTok.

A Universa, a jovem de 20 anos, que mora em Governador Valadares (MG), conta que a partir dos seis meses de vida, perdeu o contato com ele. "Fui criada pelos meus avós e até os seis anos não tinha convivido sequer com a minha mãe. Mais tarde, quando ela voltou a fazer parte da minha rotina, dizia que 'eu só tinha pai no papel', porque ele não participava e nem dividia as contas", relata.

Ela tinha 12 anos quando o viu pela primeira vez. "Nos encontramos durante uma audiência sobre a pensão alimentícia. Depois disso, ele pagou por cerca de três meses e sumiu novamente", relembra. O processo continuou em andamento até que Vanderléia completasse 18 anos. "Uma das primeiras coisas que fiz ao atingir a maioridade foi pedir o encerramento da dívida", diz.

Ela afirma que, durante todo seu desenvolvimento, tinha sentimentos conflituosos. "Eu tinha muita raiva dele, porque todas as crianças tinham pai e eu não. Criei uma frustração, mas com o tempo consegui perdoar. Até que cheguei ao ponto de querer conhecê-lo, mas não sabia sequer se ele estava vivo", relembra.

Foi por causa de um tio que ela conseguiu o contato dele. "Descobri que ele trabalhava como jardineiro em um condomínio. Assim que recebi seu número, não pensei duas vezes. Quando ele atendeu, eu disse: 'Oi pai', com a voz tremendo", conta. Na conversa, combinaram de se encontrar. Então, ela viajou de ônibus por seis horas e ficou aguardando que ele a buscasse na rodoviária.

E como foi se hospedar na casa de alguém com quem ela nunca conviveu? "Eu fiquei com medo porque não o conhecia. Não sabia se era uma pessoa boa", responde. Mas lá, ele cedeu a cama e foi dormir no sofá. "No começo foi estranho porque ele é muito tímido, mas eu insistia em puxar os assuntos e conseguimos nos entender", diz.

A participação como filha na vida dele, no entanto, não parou por aí. Percebendo que a situação de vida do pai era precária, ela mobilizou seus seguidores para ajudá-lo. "O salário dele era muito baixo e não havia sequer geladeira em sua casa. Então pedi que, quem pudesse, me ajudasse fazendo um Pix", recorda.

Juntando dinheiro do próprio bolso e arrecadado no Instagram, onde acumula mais de 400 mil seguidores, comprou refrigerador, cama, fogão, sofá, televisão, armários, itens de cozinha, toalhas e um celular novo para ele. Hoje, os dois têm uma relação de proximidade. "Descobri que tenho um irmãozinho e nos falamos por telefone. Não tem abraço, nem beijo, mas entendi que ele tem outras formas de demonstrar amor por mim", reflete.

Apesar de admitir ser julgada por perdoar o pai, ela garante que se sente mais feliz agora que o reencontrou.