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Chega de ser cota em festa. Lugar de negro são todos os lugares

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Sah Oliveira

Colaboração para UNIVERSA

11/10/2019 04h00Atualizada em 11/10/2019 19h34

Sabe quando você chega em um local e recebe olhares de reprovação, como se você não pudesse estar ali? Sabe?

Lembro do dia em que estive em um evento onde eu era a única negra. Era óbvio que eu era cota no ambiente "só para não dizer que não tinha negros no local".

Diante de todas as experiências que eu tenho vivido, era de ser esperar que isso acontecesse, mas o que me deixou com vontade de ir embora foram os olhares das pessoas que, naquele local, o tempo todo, me mediam dos pés à cabeça. Sabe?

Eu não estava mal vestida -pelo contrário, usava looks da marca assim como outros convidados do evento. A impressão que tive era que as outras pessoas não aceitavam a minha presença. Era como se aquele lugar não fosse para mim.

Sah Oliveira - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
Sai de lá me sentindo pra baixo e, ao mesmo tempo, com aquela vontade de mostrar para aquelas pessoas que elas não podem me dizer ou me impor qual é o local em que eu devo estar. Não podem.

Tudo que tenho feito nas minhas redes sociais é dar empoderamento para as mulheres negras que me acompanham. Mostrando para elas que elas são capazes de estar em locais que muitos acham que não é nosso espaço. Você pode ir, você consegue, nós somos mulheres fortes e poderosas. Não viemos para pouco!

Posso contar sobre uma outra situação muito constrangedora? Foi dentro de uma loja de perfumaria. Só para constar, eu estava muito bem vestida naquele dia, com o cabelo preso (geralmente o meu crespo incomoda).

Então, na minha cabeça, nada poderia me fazer sofrer uma situação de racismo. Ao entrar na loja todos os olhares se voltaram para mim, até mesmo o do segurança negro.

Quando ameacei pegar algo na prateleira, todos ficaram atentos como se eu fosse roubar algo. Ao pegar no produto, já muito constrangida, o segurança veio até mim e me encarou com os braços cruzados me intimando. Saí da loja muito nervosa, tremendo sem saber o que fazer. Na minha cabeça me perguntava várias vezes por que daquilo. Mesmo o racismo sendo óbvio, eu me perguntava o porquê.

O racismo é tão estruturado que até o próprio negro comete atos como esses.

Quero propor uma reflexão sobre as mulheres negras. Elas têm sido a coluna de suas famílias, muitas vezes em condição de inferioridade, muitas vezes escravizadas ou trabalhando muito mais.

Somos mulheres fortes, mulheres que com suas mãos ajudaram a construir este Brasil. Nós devemos lutar pelo nosso espaço, que é nosso por direito. Mesmo com tantas dificuldades temos negras ocupando lugares importantes e nos mostrando que não devemos abaixar nossas cabeças.

Nós não iremos tolerar "Não este não é o seu lugar". O nosso lugar é onde quisermos que seja. Chega de aceitar ser cotas nos ambientes, quero ver mais de nossas irmãs pretas ocupando os lugares

Estamos lutando há um bom tempo para reparar esse racismo estrutural. As mulheres negras lutam contra a discriminação e contra o machismo. Sempre tivemos os menores salários, os piores cargos, as piores condições -isso quando temos a oportunidade de ter um emprego.

Dentro da porcentagem de desempregados somos nós a maior parte.

Estou otimista, caminhamos para um futuro melhor. Temos negras cheia de ousadia, tendo o poder de discordar, contestar e lutar. A nossa história não pode ser só de dor e sofrimento, não vamos deixar.

Mulher sem Vergonha é um espaço em que mulheres poderosas expressam suas ideias, desejos e confiança sem nenhum tipo de constrangimento. Para inspirar uma vida livre de padrões e julgamentos.