SXSW: o que esperar do festival que prevê o futuro há quase 40 anos

É praticamente um movimento migratório. Todo fim de inverno no hemisfério norte desde 1987, publicitários, jornalistas, influenciadores, criadores e quem trabalha com tecnologia e educação rumam para o sudoeste do Texas.

Eles se dirigem ao South by Southwest, maior festival do mundo de inovação e que acontece na cidade de Austin. Ali, o pessoal se reúne para falar uma só língua: a do futuro.

O SXSW mistura palestras de educação com as de tecnologia. Mas entenda que aqui tecnologia são desde discussões sobre inteligência artificial combatendo a solidão até a ligação da geração Z com os "green jobs", empregos relacionados à preservação do meio ambiente. Tem até reflexões sobre o aquecimento global mudando os rumos do mercado de trabalho.

Paralelamente aos painéis que prometem fazer sair fumacinha do cérebro, há diversos conteúdo de entretenimento e diversão.

Além da ala cinematográfica - "Guerra Civil", que tem Wagner Moura como protagonista, promete agitar o público em uma première mundial - há o SXSW Music, com uma vasta agenda de shows. Marcelo D2, por exemplo, fará uma roda de samba na terça (12). E ainda há espaço para barbecue e cerveja nos diversos bares espalhados pela região central.

Um pouquinho de Brasil iá iá

Brasileiros, aliás, podem se gabar de ter um lugar importante. Em 2023, a delegação do país foi a segunda maior. Ficou atrás apenas dos anfitriões. Neste ano, a aposta é que seja ainda maior. O banco Itaú é um dos patrocinadores do evento. A diretora de parcerias do SXSW, Tracy Mann, fala português fluentemente e é o que pode se chamar de "jeitinho brasileiro" do SXSW - no melhor sentido da expressão.

O brasileiro é visto no contexto do ecossistema do festival como criativo e inovador. Mas há representantes do país falando de saúde, de mudanças climáticas, de diversidade. O festival para nós, furou a bolha do marketing e expandiu para outros mercados
José Saad Neto, dono da Goad

Frequentadora do evento há 10 anos, a empresa de Saad Neto faz curadoria da área de inovação e marketing e é parceira do UOL desde 2018.

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Txai Surui, coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental, é uma das palestrantes conterrâneas. Ela discutirá como a bioeconomia pode salvar a floresta a partir de hoje e falará sobre a relação entre conhecimento ancestral dos povos da floresta e ecossistema.

O governo do estado de São Paulo tem um espaço ao lado do burburinho das apresentações, às margens do rio Colorado. Em parceria com a ONG Gerando Falcões, os enviados do governo paulista mostrarão como São Paulo é o principal polo de inovação e economia criativa da América Latina. Com isso, pretendem prospectar oportunidades de negócios e atrair investimentos estrangeiros em quatro eixos temáticos: tecnologia e inovação; impacto social; economia criativa, jogos e audiovisual; e artes e festivais. As conversas ocorrerão na Casa São Paulo, um local de 1 mil m² que comporta 5 mil pessoas.

Futurismo que se comprova

Saad Neto explica que se espera do festival inovações pautadas em tecnologia, mas a programação tem absorvido uma agenda multidisciplinar. Foi lá por exemplo que se ouviu primeira vez falar de cannabis ser usada como remédio.

Eles estavam falando de maconha no palco, eu não acreditava! Hoje, o assunto canabidiol é tão popular mundialmente, que a trilha até deixou de ter esse nome. O que se discute agora são psicodélicos em geral como cura e como negócio
Vanessa Mathias, fundadora da White Rabbit, agência de pesquisa de narrativas emergentes

Saad explica que o SXSW trata cadeias produtivas como as da cannabis e dos psicodélicos no eixo da "undergrond economy", segmentos não-regulados que sofrem preconceitos e resistência cultural.

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Mas há espaço para assuntos que são a bola da vez, como a inteligência artificial.

Essa já foi compreendida como uma tecnologia presente na vida das pessoas e nos negócios. Ela encurta o tempo de pesquisa de medicamento, ou facilita a vida dos creators em edição de vídeo, por exemplo
Saad Neto, da GoAd

Também ganharão os holofotes debates sobre neurodiversidade, que coloca a diversidade de pensamentos como pré-requisito da inovação e do futuro. "No ambiente de trabalho, é uma disciplina que mostra que a mente pode funcionar de diferentes maneiras e que isso é muito benéfico para o ambiente de trabalho", diz Saad Neto.

Outro dos pontos favoritos do empresário é como tornar espaços urbanos mais inclusivos. "O aumento das populações de rua é um problema global. Aqui se defende que não é só iniciativa pública e de governo: empresas precisam se sentar para atuar sobre o problema. Para construir cidades inclusivas, há governos que estão trabalhando em parceria com construtoras com a promessa de moradia populares", diz. A ideia, ele afirma, é atuar de forma mais ativa nos desafios dos centros urbanos.

Outro ponto de atenção é a computação quântica, um tema complexo que aparece em algumas sessões sobre a aplicabilidade da tecnologia.

Grandes nomes e cérebro explodindo

A escritora Brené Brown e a atriz Jane Fonda são algumas das celebridades presentes. A futurista Amy Webb abre o sábado (9) com uma das palestras mais concorridas do festival. Nomões como Ryan Gosling e Jake Gyllenhaal já disseram que aprecem por lá. Tem até membro da família real britânica, com a presença de Meghan Markle.

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Por mais que o "ouro" esteja no imprevisível, não tem como fugir dos grandes palestrantes. A cientista Lisa Su, CEO da empresa de chips AMD, dividirá o palco com Ryan Patel, futurista e pesquisador da área de tecnologia.

Chelsea Collier, fundadora do fórum para cidades inteligentes Digicity, fala sobre cidades do futuro. O criador do conceito de singularidade tecnológica, Ray Kurzweil, trará uma perspectiva de evolução do mundo e como ela afeta nosso planeta.

Joy Buolamwini, autor de "Unmasking IA" ("Desmascarando a Inteligência Artificial: minha missão para proteger o que é humano em um mundo de máquinas"), é outra atração esperada.

Ela tem uma perspectiva interessante de IA, que é uma visão sistêmica: quem são os players, o que está por trás de tudo isso? No livro dela, há um experimento que mostra que a IA não é neutra, tem muitos códigos e vieses
Vanessa Mathias, da White Rabbit

A empresária diz que a IA pode seguir o mesmo caminho das redes sociais. Quando essas plataformas foram criadas, ninguém sabia qual impacto teriam em nossas vidas. Hoje, não conseguimos ver um filme sem que nossa atenção seja desviada assim que chega a primeira notificação.

A dona da White Rabbit vai levar um grupo de 50 executivos de grandes empresas para Austin. Entre as atividades programadas fora das salas lotadas, está uma experiência de pijama e um piquenique.

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Mas nem tudo são elogios: a empresária critica a perspectiva norte-americanocêntrica do festival.

Os psicodélicos são amplamente conhecidos pelos povos originários. No entanto, no palco só tem pesquisadores americanos discutindo o assunto. Há anos vejo americanos falando como vamos resolver o problema do lixo, mas há tantos países que estão mais avançados nesse tema. Nós, no Brasil, temos muita capacidade de agregar valorizando outras possibilidades
Vanessa Mathias, da White Rabbit

Nem tudo, porém, acontece nos palcos dos SXSW. "Ao longo da semana, entram em pauta novos assuntos, movimentos que emergem e vão ganhando corpo nas conversas nos bares. É um desafio enorme encontrar um fio condutor entre eles", comenta Saad Neto.

Para isso, é preciso se juntar ao movimento migratório dos descolados. O SXSW até transmite alguns dos painéis em seu canal no YouTube. Mas, para ver, ser visto e comer barbecue tendo insights coletivos, é preciso estar em Austin mesmo.

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