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'Meteoro verde' vira barraco entre astrônomos: lixo ou bola de fogo?

Marcella Duarte

De Tilt, em São Paulo

29/06/2023 04h00Atualizada em 29/06/2023 13h11

Um meteoro muito brilhante e esverdeado cruzou o céu dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e Paraná na semana passada. O fenômeno surpreendeu moradores, que publicaram diversos vídeos nas redes sociais.

Ele também virou motivo de climão entre astrônomos brasileiros. De um lado, estão os que garantem que as luzes foram geradas pela passagem de uma rocha espacial, queimando na atmosfera terrestre. De outro, estão os que defendem que tudo não passou de lixo espacial caindo de volta à Terra e se desintegrando.

A discussão ganhou ares de barraco quando uma importante associação realizou uma live de duas horas e meia para contestar as conclusões de um youtuber astrônomo amador.

O que rolou

Na terça-feira (20), dia seguinte ao fenômeno ter sido observado, o divulgador científico Richard Cardial, do canal Galeria do Meteorito no YouTube, publicou um breve vídeo dizendo que o meteoro na verdade se tratava de lixo espacial, até então não identificado. Ele chegou a brincar que apostava um milhão de dólares nessa hipótese.

A velocidade do objeto é muito lenta, e o tempo em que ele permanece queimando na atmosfera é muito longo. Sua fragmentação é contínua, e não houve nenhum pico de brilho. Tudo bate com lixo espacial
Richard Cardial

Em resposta, a Bramon (Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros) postou um vídeo em que quatro de seus integrantes reagiam às conclusões de Cardial. O quarteto refutou, trecho por trecho e com tom jocoso em alguns momentos, as falas do rapaz, que é colaborador do Exoss (outro projeto de monitoramento de meteoros, ligado ao Observatório Nacional).

O vídeo acumula mais de 700 comentários, a grande maioria criticando a rede pela maneira como expôs Cardial.

Não entendi a necessidade de exporem um canal e uma pessoa de forma direta e ostensiva (...) Por vezes me pareceram irônicos, com sorrisos, interjeições, curtos comentários depreciativos. Se certo, errado, meio certo, não cabia e exposição inadequada e desrespeitosa. Além de arrogante, infelizmente.
Peter Zimmermann

Não se faz correção de dados sendo arrogante, desrespeitoso e soberbo. Bastava apenas apresentar fatos. Que fique bem claro que em momento algum disse quem é o certo ou errado, mas nesse momento eu estendo a minha mão para a Galeria do Meteorito que merece respeito!
usuário identificado como jhoeferreira

A ciência é um campo que se baseia na busca incansável pela verdade, na análise cuidadosa dos dados e na disposição para questionar e reavaliar nossas suposições. É um campo que deve ser caracterizado pelo respeito mútuo, pela colaboração e pela troca aberta de ideias. Em vez de ridicularizar Richard, o Canal Bramon poderia ter usado essa oportunidade para um debate científico construtivo e respeitoso
Hermes Ferreira

Seria muito elegante vocês pedirem desculpas. Errar todo mundo erra.
Greice Bornschlegell

Chuva de meteoros inventada?

No dia seguinte, Cardial subiu o tom. Publicou um novo vídeo, apenas para peitar a Bramon.

Não vou admitir que façam uma live de chacota, contestando algo que agora está comprovado. Não era um bólido [meteoro muito brilhante], era um lixo espacial. Eu dei meu ponto de vista do que era, mas em nenhum momento citei a rede no meu vídeo ou tentei tirar a credibilidade deles, apesar de terem divulgado para a mídia uma informação precipitada. Opiniões diferentes são interessantes e construtivas. Eu gostaria muito de um pedido de desculpas

Desta vez, o rapaz aproveitou para dar alfinetadas.

Fizeram até live me expondo, como se fosse eu que criasse chuvas de meteoros que não existem. Essa rede noticiou isso pro Brasil inteiro e eu nunca contestei, só que essas chuvas de meteoros que eles dizem ter descoberto simplesmente não existem. Das 127, nenhuma existe

Ele se refere a chuvas de meteoros de baixa intensidade que, nos últimos anos, a Bramon anunciou ter descoberto. Nenhuma delas, porém, foi oficializada por órgãos internacionais até agora. O vídeo já acumula mais de 95 mil visualizações e 1400 comentários, quase todos em apoio ao canal.

Bólido x lixo espacial

O objeto percorreu cerca de 300 km, entre a Serra da Piedade (MG) e o município de Elias Fausto, na região de Campinas (SP). Um caminho bem longo.

Durante esta passagem, foi possível observá-lo se desfazendo enquanto cruzava o céu. Em alguns locais, as luzes esverdeadas foram visíveis por mais de 20 segundos.

Foi a interpretação dessas características que dividiu a opinião dos especialistas.

Abaixo o que dizem os lados:

Exoss e Saipher, empresa aeroespacial de São José dos Campos (SP) concluíram que o fenômeno luminoso é resultado da entrada do segundo estágio de um foguete chinês Long March 2C, lançado em março de 2022.

"É bem complicado quando você analisa um meteoro deste tipo, muito longo e rasante. Você tem de analisar com muito cuidado, selecionar as melhores imagens e levar em conta todas as especificidades. Ele não se encaixa nos modelos padrão de análise de trajetória e velocidade", disse Marcelo de Cicco, astrônomo do Exoss, a Tilt.

"Nossa posição é que era lixo espacial" Exoss

Já a Bramon acredita ser um bólido, um grande meteoro mais brilhante e explosivo, causado pela passagem de uma rocha espacial por nossa atmosfera.

"Chegamos a considerar a possibilidade de uma reentrada de lixo espacial. Mas análises feitas a partir da triangulação das imagens nos permitiram determinar a trajetória do objeto pela atmosfera e calcular sua velocidade em cerca de 53 mil km/h. Isso é quase o dobro da velocidade esperada para um objeto em órbita da Terra. (...) Nos vimos forçados a contestar as afirmações contrárias para defender o nosso trabalho e de todos os membros que se esforçaram no levantamento de dados e nas análises desse bólido", afirmou Marcelo Zurita, diretor da Bramon, a Tilt.

Não temos nenhuma dúvida de que esta bola de fogo que cruzou os céus do Brasil foi causada por uma rocha espacial que atingiu a Terra em um ângulo muito raso e, por isso, parecia lenta e demorou a se extinguir. Estimamos a massa do objeto em cerca de 100 kg, seria uma rocha com uns 40 cm de largura. Bramon

A caótica órbita da Terra

A órbita da Terra é caótica. De acordo com a ESA (agência espacial europeia), há cerca de 36,5 mil fragmentos de lixo espacial de pelo menos 10 centímetros ao redor do nosso planeta. Mas não existe um sistema unificado de rastreamento desses objetos.

Algumas instituições internacionais, empresas privadas e até astrônomos que viraram "polícias orbitais" fazem esse serviço. Identificado como CZ-2C R/B, o segundo estágio de um foguete Longa Marcha 2C estava previsto para cair na Terra no dia 20/6 — mas essa data é sujeita a mudanças, de acordo com o processo de perda da órbita.

A Bramon usou dados de alguns sistemas de monitoramento para concluir que o objeto em questão queimou na atmosfera na data prevista, e bem longe do Brasil.

Já a Saipher realizou simulações em um software próprio, chamado Horus Reentry. Elas indicaram que o fragmento do foguete teve um decaimento mais acentuado e pode ter reentrado em nossa atmosfera um dia antes.