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Por que internet via satélite conecta aviões mas não nossos celulares?

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Imagem: Getty Images

Marcella Duarte

De Tilt, em São Paulo (SP)

25/04/2023 04h00Atualizada em 25/04/2023 08h53

Apesar de a rede Starlink, da SpaceX de Elon Musk, ter ganhado os holofotes nos últimos anos, empresas já oferecem internet via satélite pelo mundo todo há duas décadas. Os serviços mais conhecidos são aqueles voltados para residências, mas conexões para aviões voando e navios em rotas marítimas também são um grande mercado.

Com a exceção de experiências bem limitadas, a indústria de telecomunicação não conseguiu ainda conectar um celular comum diretamente a uma rede de satélite. Como é possível fornecer internet a uma aeronave se movendo a mais de 800 km/h e a um barco no meio do oceano, mas não a um aparelho na palma da nossa mão em terra firme?

Antes de tudo, é bom saber que estamos falando de tecnologias diferentes. No caso do avião e do barco, a internet via satélite é oferecida em forma de banda larga, similar ao sistema que temos em casa. Mas sai a fibra óptica e entra uma antena, para fazer a conexão com o equipamento no espaço. Com o auxílio de um modem, cria-se uma rede wi-fi.

Da mesma forma que não podemos conectar um celular direto na fibra, não é possível fazer uma ligação direta de qualidade com um satélite... ainda.

Desafios que vêm do espaço

O serviço chamado "satellite-to-cellular" (ou "sat-to-cell") pode ser o próximo grande avanço da telefonia móvel. Mas ainda há barreiras tecnológicas para seu pleno funcionamento.

Assim como apenas aparelhos preparados conseguem acessar as redes móveis 5G, smartphones precisam de antenas, chips e sistemas operacionais mais potentes para serem capazes de captar e enviar os sinais para o espaço. Além de estarem bem distantes, satélites operam em frequências mais altas.

"A antena de um celular é omnidirecional, ou seja, aponta para todos os lados, e é feita para pegar sinal de uma rádio base próxima. Mas sua capacidade de gerar potência é muito limitada", explica Waldo Russo, ex-engenheiro da Embratel e consultor de redes satelitais.

"Se fosse amplificar este sinal, sua bateria duraria segundos", ressalta. "Para concentrar energia com eficiência, é preciso uma antena maior e/ou um circuito eletrônico sofisticado."

Segundo Russo, a recepção não é tão complicada, tanto que recebemos sinal de GPS com facilidade. "O maior problema é a transmissão. Para o terminal [o celular] ser igual, [o satélite] teria de estar muito perto."

Para funcionar bem, a redes de satélites dedicadas a estes serviços também precisam ter mais potência e antenas maiores. Um exemplo é Bluewalker 3, da AST SpaceMobile, com um sistema de antenas e painéis solares de 64 metros quadrados — o maior já levado à órbita baixa da Terra, motivo de grande preocupação para os astrônomos.

Lançado em setembro do ano passado, o equipamento é o primeiro de uma constelação de mais de cem satélites, chamada de BlueBird, com objetivo de oferecer conexão 5G diretamente a smartphones no mundo todo — serão verdadeiras "torres de celular no espaço", que permitiriam plena navegação na internet.

Celular do futuro

Tudo isso já está em desenvolvimento, mas ainda engatinha.

Antes, se usava satélite apenas quando não havia outra opção. Mas, com as tecnologias avançando e os custos caindo, isso vem mudando. Vivemos um novo boom da comunicação satelital. O uso no celular vai ser realidade em breve
Waldo Russo, ex-engenheiro da Embratel e consultor de redes satelitais

A Apple inovou recentemente ao integrar conectividade com satélite em todos os modelos da linha iPhone 14. Mas é algo bem básico e de uma via só: apenas para enviar um pedido de socorro padrão em situações de emergência em locais remotos.

Sem poder receber uma resposta ou mandar mensagens pessoais, a iniciativa é fruto de uma parceria com a Globalstar, que tem 24 satélites na órbita baixa da Terra. Por enquanto, está disponível apenas em alguns países e não há previsão para o Brasil.

É um serviço de comunicação, focado em geolocalização, não tem velocidade suficiente para mais que isso
Leandro Gaunszer, diretor geral da Viasat no Brasil

A primeira empresa a anunciar um serviço deste tipo, na verdade, foi a Huawei, que incluiu a conectividade por satélite em seu smartphone Mate 50, usando a rede BeiDou (uma espécie de GPS chinês), mas apenas na China.

A Qualcomm também tem apostado no desenvolvimento de chips e processadores que alcancem maiores frequências de conexão sem a necessidade de grandes antenas. Durante a CES 2023 (Consumer Electronics Show), a empresa revelou a tecnologia Snapdragon Satellite, em parceria com satélites da Iridium, que permitirá que smartphones Android enviem e recebam mensagens, também focado em situações de emergência.

Até satélites como os da Thuraya, Iridium ou Inmarsat não conseguem navegar na internet, mesmo com suas grandes antenas e corpo robusto.

Celular via satélite da Iridium - Divulgação - Divulgação
Celular via satélite da Iridium
Imagem: Divulgação

Deixando de ser a última opção

Para consultor Waldo Russo, o futuro das telecomunicações será convergência terrestre e satelital e até entre satélites. Isso está prestes a acontecer.

A SpaceX já anunciou uma parceria com a operadora norte-americana T-Mobile para oferecer cobertura para celulares para os EUA ainda em 2023. Inicialmente, o foco é o SMS, mas a ideia é expandir para serviços de voz e dados completos.

O sucesso dessa empreitada depende da futura geração dos satélites da Starlink, que será bem maior: sete metros de comprimento, mais de uma tonelada e com uma antena de cinco metros.

A ViaSat, uma das mais tradicionais operadoras de banda larga via satélite do mundo, também anunciou uma parceria com as empresas Ligado Networks e Skylo Technologies, para oferecer serviços para diversos dispositivos, como smartphones e automóveis.

"Satélite não é mais a última opção. Tem gente que opta por ele por ser mais confiável ou até ter velocidade maior que a rede terrestre disponível. Nos Estados Unidos, por exemplo, a maioria dos clientes residenciais não é de áreas rurais, mas sim dos subúrbios das grandes cidades", finaliza Russso.