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OPINIÃO

Regulação das redes: democracia deve regular plataformas, não o contrário

Redes sociais e plataformas conectadas estão no centro do debate sobre regulação no Brasil - Reprodução
Redes sociais e plataformas conectadas estão no centro do debate sobre regulação no Brasil Imagem: Reprodução

Sérgio Amadeu da Silveira*

Especial para Tilt

21/03/2023 12h25

Existem três campos que se formaram no debate brasileiro sobre a regulamentação das plataformas digitais, as chamadas redes sociais online e os clientes de mensagens instantâneas. O primeiro campo é contrário a qualquer regulação das plataformas. O segundo é favorável a autorregulação e o terceiro quer que as plataformas sejam reguladas por instituições democráticas conforme as definições da lei.

A importância da regulação das plataformas é evidente quando se discutem os efeitos socialmente lesivos da desinformação e do discurso de ódio que envolvem o negacionismo científico, os ataques às instituições democráticas e a estratégia de anular o debate racional baseado em fatos pela construção de realidades paralelas e inexistentes.

O modelo de negócios das plataformas digitais é baseado na propaganda segmentada, microssegmentada e personalizada. Para tal, elas querem que os usuários de seus serviços fiquem a maior parte do tempo navegando em suas estruturas digitais e interagindo com os diversos conteúdos produzidos pelos próprios utilizadores das plataformas. Assim, os algoritmos que gerenciam a distribuição dos conteúdos nessas redes fechadas incentivam a espetacularização, uma vez que aquilo que é espalhafatoso, exagerado, chamativo, teatral pode atrair mais as atenções.

amadeu - Reprodução/YouTube/PUC-SP - Reprodução/YouTube/PUC-SP
Sérgio Amadeu da Silveira é Professor da UFABC e pesquisador produtividade CNPq-2. Ele integrou o Comitê Gestor da Internet no Brasil e foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.
Imagem: Reprodução/YouTube/PUC-SP

Os sistemas algorítmicos que gerenciam as plataformas coletam dados dos comportamentos online das pessoas com a finalidade de formar os perfis de cada indivíduo para que possam ser agrupados em amostras para ser vendidas para o departamento de marketing das empresas ou para quem tiver dinheiro para atingir extratos específicos dos usuários das plataformas. Essas empresas são o maior destino das verbas publicitárias do planeta. No Brasil, segundo a pesquisa do Cetic.br, enquanto 60% da população conectada utilizam e-mails, 81% usam redes sociais e 93% operam mensageiros instantâneos como Whatsapp.

A gestão das plataformas é algorítmica e visa a modular as atenções. A condução da atenção é fundamental para o sucesso do modelo de negócios dessas big techs. Assim, a informação de qualidade perde espaço para os conteúdos espetacularizados e imprecisos. A democracia perde espaço na luta pela informação. O modelo de negócios em questão, tóxico e psicopolítico, deu tão certo que o faturamento das plataformas ultrapassa o PIB de inúmeros países. Em 2022, a Alphabet, holding das empresas que pertenciam ao Google, valia no mercado de ações US$ 1,5 trilhão, segundo a consultoria Statista. No mesmo período, o grupo Meta obteve US$ 499,8 bilhões, mesmo estando sob investigações e submetida a vários escândalos.

Uma questão importante precisa ser ressaltada. O Marco Civil da Internet no Brasil nunca impediu a moderação de conteúdos pelas plataformas. Apenas determinava a obrigatoriedade dessas redes fechadas retirarem conteúdos quando isso fosse solicitado pela Justiça, conforme regras que definissem com precisão o que deveria ser bloqueado. Desde a aprovação do Marco Civil, diversos conteúdos foram retirados pelas plataformas conforme seus termos de uso ou de acordo com os interesses de seus controladores. Ocorre que as plataformas são opacas, seus algoritmos e suas dinâmicas não são conhecidas pela sociedade. Elas nunca quiseram atuar de forma devida porque monetizam até a desinformação.

Regular as plataformas é indispensável. Todavia, a autorregulação dará mais poder ao modelo de negócios que privilegia o espetáculo, organiza uma massiva coleta de dados e reduz tudo ao que pode ser monetizado. Dizer simplesmente que cabe às plataformas bloquear a desinformação implicará em dar a elas o poder de definir o que deve e o que não deve ser bloqueado. Trata-se de acreditar que essas empresas são neutras e que seu modelo de negócios é isento e desinteressado.

O caminho da regulação pública e democrática das plataformas passa por uma lei, socialmente debatida, baseada em regras nítidas e compreensíveis de transparências, explicação, responsabilização da operação e gerenciamento dos conteúdos, dos dados e dos sistemas algorítmicos das plataformas.

A existência dessa lei não impedirá a moderação de conteúdos realizada pelas próprias plataformas, mas evitará que elas pratiquem discriminações vetadas em nossa Constituição. Devido à complexidade dessa lei, um dos componentes fundamentais da sua aplicação passa pela definição de uma comissão multissetorial que possa auditar, ajustar e acompanhar permanentemente a implementação e aplicação do regulamento. São as democracias que devem regular as plataformas e não as plataformas que devem definir o que é ou o que deve ser a democracia.

*Professor da UFABC e pesquisador produtividade CNPq-2. Integrou o Comitê Gestor da Internet no Brasil e foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.