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Tinder dos remédios: app faz doação de medicamentos que seriam incinerados

Projeto 100% brasileiro faz o "match" entre produtos próximos ao vencimento e instituições filantrópicas - iStock
Projeto 100% brasileiro faz o "match" entre produtos próximos ao vencimento e instituições filantrópicas Imagem: iStock

Marcella Duarte

De Tilt

06/09/2022 14h08Atualizada em 06/09/2022 19h37

No Brasil, fabricantes só conseguem vender remédios aos distribuidores quando há pelo menos seis meses até o vencimento — algumas redes de farmácias exigem um prazo de um ano para comprar. Assim, muitos produtos em perfeitas condições, que ainda podem ser usados por um tempo considerável, acabam sendo descartados.

Para contornar este cenário, um novo app, chamado PegMed, organiza a doação de produtos com prazo de validade reduzido, que seriam destruídos, para instituições sociais. É como se fosse um Tinder, em que doador e receptor precisam dar 'match' de acordo com suas necessidades. Tilt teve acesso ao projeto em primeira mão.

"A ideia surgiu de uma necessidade da sociedade: prover acesso a medicamentos para um maior número de pessoas que necessitam. Mas haviam várias barreiras para que isso acontecesse", disse Antonio Lacerda, vice-presidente sênior de químicos da Basf América do Sul, empresa que lançou o aplicativo.

"Além de não existir um sistema ágil, que cumpra com as conformidades legais e dê transparência do percurso até a entidade, temos ainda a alta carga tributária incidente sobre as doações de medicamentos no Brasil. Assim, a incineração acabava sendo o destino mais fácil, legal e menos custoso para as indústrias farmacêuticas", explica Fernanda Furlan, head de inovação de nutrição e saúde da Basf América do Sul.

Ou seja, há um problema duplo: a produção destes medicamentos já consume recursos financeiros, água, energia e outros insumos — e acabam literalmente virando fumaça, aumentando ainda mais a emissão de poluentes e os gastos.

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Site da PegMed destaca os benefícios sociais e ambientais do projeto
Imagem: Reprodução

De acordo com a fundação Access to Medicine, cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo não possuem acesso a medicamentos essenciais. Por outro lado, toneladas de remédios são incineradas todos os anos.

Como funciona

O app foi desenvolvido em parceria com as startups brasileiras PegMed e Loomi. Ele conecta indústrias farmacêuticas a instituições, com a agilidade e confiabilidade necessárias, monitorando todo o processo até o consumo do produto — e seu eventual descarte, caso não seja usado até o vencimento.

É realmente inspirado no Tinder: a fabricante cadastra os remédios disponíveis e quantidades, e as instituições dizem o que e quanto precisam, de acordo com seu porte. Há filtros por localidade e tipo de transporte (algumas empresas oferecem, outras pedem para buscar). O 'match' deve ser aprovado pela doadora, e só então o processo é iniciado.

Tudo acontece dentro da lei e com nota fiscal: para se cadastrar na plataforma, a instituição precisa ser classificada como "de utilidade pública" pela Anvisa, estar com licenças em dia e ter um responsável técnico, para cuidar da destinação correta do medicamento dentro do prazo de validade.

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Imagem: PegMed/Reprodução

Por enquanto, o app funciona como um piloto, com apenas cinco empresas farmacêuticas (todas clientes da Basf, que não comercializa remédios, mas sim insumos para produção). Mas já são mais de 200 instituições cadastradas para receber os medicamentos. "A necessidade é imensa", lamenta Furlan.

Até o ano que vem, a plataforma deve receber mais melhorias e finalmente será aberta para mais empresas doadoras. Como incentivo adicional, a Basf cobre as taxas de uso do sistema e oferece descontos para a compra de seus produtos, como excipientes e ativos farmacêuticos.

Itens de higiene e cuidado pessoal também podem ser doados. Para participar, a instituição filantrópica precisa se cadastrar no site da PegMed.

Do Brasil para o mundo

"Nosso maior objetivo é zerar a incineração de medicamentos que ainda estejam em excelente condição de uso, salvando vidas de pessoas com acesso limitado a medicamentos", acredita a Lacerda.

O projeto começou a ser desenhado em 2020, quando a Basf estava definindo negócios para os próximos dez anos, incluindo pilares de sustentabilidade. O desafio de desenvolvimento do app foi lançado com apoio da Câmara Brasil Alemanha (AHK).

"Conversamos com nossos clientes para entender por que não doavam tanto, quais eram as dificuldades e como podíamos ajudar", lembra Furlan.

De tão pioneiro, o app, que é um projeto 100% brasileiro, deve ser levado para outros países. "Na América do Sul, estamos estudando implantar na Colômbia, no Chile e no Peru. A Turquia e a equipe do continente africano também já mostraram interesse. Queremos levar até outros locais subdesenvolvidos, como o sul da Ásia", conta a executiva.