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De enfeite de mesa a relíquia: meteorito de 27kg ficou anos esquecido na PB

Meteorito passou mais de cinco anos esquecido como objeto de decoração - André Moutinho
Meteorito passou mais de cinco anos esquecido como objeto de decoração Imagem: André Moutinho

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt, em São Paulo

23/03/2022 09h36

Em 2014, dois irmãos encontraram uma estranha rocha metálica, de quase 27 kg, no sertão da Paraíba. Por anos, ela serviu como peça de decoração, em uma mesa com santos e outros enfeites, na casa da família. Esta semana, porém, chegou a confirmação de uma suspeita: trata-se de um meteorito, que remonta à formação do Sistema Solar.

Este é o 86° meteorito localizado no Brasil e o primeiro em solo paraibano. A rocha espacial já foi analisada, classificada e oficializada no sábado (19), pela organização internacional Meteoritical Society, que deu a ela o nome de "Nova Olinda", em referência à cidade onde foi encontrada.

Será ouro?

Os irmãos Edsom Oliveira da Silva e João Jarba Oliveira da Silva, que trabalham com joalheria, costumam usar um detector de metais para procurar ouro na zona rural do município. Em novembro de 2014, o instrumento apitou, próximo a um lago — parecia que algo grande estava embaixo da terra.

"O detector disparou muito forte, fora do comum", disse Edsom, conhecido como Roma, a Tilt. "Pegamos uma picareta e começamos a cavar na lama, depois de uns 60 centímetros bateu em algo". Eles então desenterraram a rocha, que pesa exatos 26,93 kg.

Irmãos - Edsom Roma - Edsom Roma
Irmãos Edsom e João Jarba desenterraram a rocha espacial em 2014
Imagem: Edsom Roma

"Lavamos para tirar a terra, e não parecia nada com outras rochas que já vimos. Tinha um aspecto brilhante, mas meio enferrujado, com uma camada escura, e era estranhamente pesada para o seu tamanho. Mas não tínhamos noção do que era", lembra.

Com seu formato peculiar, virou um simples enfeite da mesa de jantar de Roma por mais de cinco anos. "As pessoas vinham em casa e me perguntavam o que era, eu dizia que podia ser uma marcassita ou um chumbo, algo sem valor."

Tudo mudou em agosto de 2020, graças a uma outra rocha espacial encontrada no Brasil, que ganhou grande repercussão: o meteorito de Santa Filomena, em Pernambuco. "Eu estava vendo um telejornal e vi a matéria, aconteceu próximo daqui, aí pensei que o nosso poderia ser também", conta.

Roma, então, buscou na internet especialistas que pudessem ajudá-lo a confirmar a suspeita. Foi aí que encontrou André Moutinho, pesquisador e colecionador de meteoritos. "Ele me mandou fotos e o orientei a fazer alguns testes básicos, por exemplo com imãs. Era realmente muito interessante, então pedi para que ele me mandasse uma amostra de 100 gramas para podermos fazer testes", disse Moutinho a Tilt.

Segundo ele, 99,9% das suspeitas de meteoritos não dão em nada; são apenas pedras comuns ou refugos metálicos de siderurgia.

Como cortar um meteorito?

O que os irmãos encontraram era um siderito: um meteorito metálico, composto basicamente por ferro, além de níquel e outros metais em pequena concentração, como ouro e irídio. Cortá-lo com os instrumentos disponíveis "na roça" foi um desafio.

Roma estragou as facas de um faqueiro, quebrou um arco e um disco de serra, queimou uma serra circular, viu faíscas saindo e nada de a rocha ser cortada. Até que encontrou um torneiro para fazer o trabalho.

meteorito - André Moutinho - André Moutinho
Corte do meteorito, enviado para avaliação dos especialistas
Imagem: André Moutinho

A amostra, então, foi enviada para Moutinho, em SP, que fez as primeiras análises físico-químicas, que confirmaram tratar-se de um meteorito. Depois, ela foi encaminhada para outros pesquisadores, da Universidade de Alberta (Canadá), da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para uma análise petrográfica completa, que permitiu a classificação e oficialização do meteorito pela Meteoritical Society.

Bilhões de anos no espaço

A rocha espacial foi classificada como um octaedrito IIAB — um tipo relativamente comum. "Meteoritos como o Nova Olinda se formam no núcleo metálico de seu corpo parental que, provavelmente, origina-se de um protoplaneta destruído por um violento impacto", diz Marcelo Zurita, presidente da Associação Paraibana de Astronomia (APA) e diretor técnico da Bramon (Brazilian Meteor Observation Network).

"De acordo com análise dos isótopos de meteoritos semelhantes, o impacto que teria lançado no espaço fragmentos deste núcleo teria ocorrido há cerca de 4,5 bilhões de anos, no período de formação do Sistema Solar. Desde então, estes fragmentos vagam pelo espaço na forma de pequenos asteroides e meteoroides e, eventualmente, alguns deles atingem a Terra", explica.

Não se sabe quando este caiu em nosso planeta. Como estava totalmente enterrado, muito oxidado, com ferrugem penetrando por pelo menos 2 centímetros adentro, e outras marcas de intemperismo pela ação do tempo, pode ser que tenha aterrissado em Nova Olinda há milhares de anos.

Pelo estado de conservação e o tipo pouco raro, ele não vale muito, financeiramente falando. "As pessoas costumam pensar que podem ficar ricas com um meteorito", diz Moutinho. Mas este, apesar de grande, não é raro e nem tem uma estrutura bonita, por isso, é pouco interessante para colecionadores internacionais.

"Eles buscam meteoritos marcianos, lunares, e outros tipos mais raros. Também preferem aqueles mais frescos, que acabaram de sair. Este está bem oxidado, pois caiu há muito tempo em um local com água. Ele sofreu bastante."

Destino incerto

Como tem pouco valor comercial, a APA e os próprios descobridores querem que o primeiro meteorito encontrado na Paraíba continue lá. A ideia é vendê-lo para o governo do estado, para que seja exposto no Planetário do Espaço Cultural José Lins do Rêgo, em João Pessoa, um importante equipamento para o ensino e a popularização da ciência.

A Associação avalia que a compra da rocha e a montagem da exposição custaria cerca de R$ 50 mil aos cofres públicos. "Seria uma experiência única para os visitantes. Mas infelizmente, mesmo depois de cobrar retorno tanto por e-mail quanto por telefone, passaram-se 4 meses e até hoje não houve nenhuma resposta", lamentou a associação.

Por enquanto, a rocha está guardada dentro de um cofre, em um apartamento de Roma no Rio de Janeiro. Mas pode acabar saindo do país. "Já recebi propostas do Japão, China, Alemanha, Rússia", disse o joalheiro, sem revelar valores. "Mas eu gostaria mesmo que ficasse aqui, como um legado. Não era ouro como imaginávamos, mas é algo mais importante: a história do Universo."