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De Chernobyl para o espaço: conheça os fungos que comem radiação

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt*, em São Paulo

13/02/2022 04h04

Na madrugada de 26 de abril de 1986, o mundo foi abalado pela notícia do desastre de Chernobyl, quando um reator de urânio-235 da Usina V. I. Lenin, na então União Soviética, explodiu. É o maior acidente nuclear de nossa história. A cidade ucraniana de Pripyat e seus arredores foram evacuados; até hoje, é uma área fantasma, que ainda emana altos níveis de radiação.

Mas Chernobyl não está exatamente sem vida. Nas ruínas da antiga usina, cientistas já registraram cerca de 200 espécies de 98 gêneros de fungos especiais, que conseguem suportar o ambiente extremamente radioativo. Alguns deles, mais resistentes, também são capazes de se alimentar dessa energia.

São os chamados fungos radiotróficos ou fungos negros — pois têm como diferencial a presença do pigmento melanina (o mesmo que escurece a pele humana, ajudando a proteger da radiação ultravioleta). É justamente através dessa proteína que eles realizam a radiossíntese, capaz de converter a radiação gama do ambiente em energia química, obtendo o alimento necessário para seu metabolismo.

É um processo similar à fotossíntese das plantas, mas a fonte de energia não é a luz solar, e sim ondas eletromagnéticas de altas frequências, liberadas por átomos radioativos, conforme decaem para estados mais estáveis.

Os fungos crescem mais rapidamente na presença da radiação e, inclusive, apontam os seus esporos e hifas para a fonte dela, como se estivessem à procura de comida - de mesma forma que vegetais buscam o Sol.

A ação dos fungos radiotróficos contra a radiação tem despertado o interesse da comunidade científica, podendo apresentar soluções biológicas para problemas da física e engenharia. As propriedades destas espécies poderiam auxiliar no desenvolvimento de novas tecnologias, como:

  • Auxiliar pessoas expostas à radiação, como pacientes de radioterapia e profissionais de serviços médicos e de usinas nucleares
  • Desenvolver um suprimento biológico de energia, por meio da conversão de radiação em diferentes moléculas
  • Criar escudos biológicos de proteção contra radiação, principalmente no espaço

O último uso já foi testado, em algumas ocasiões, na Estação Espacial Internacional (ISS). Vale lembrar que, sem a proteção da atmosfera, os astronautas são expostos à alta radiação espacial — um entrave para a colonização da Lua ou em Marte, por exemplo.

Em 2016, oito espécies de fungos colhidos de Chernobyl viajaram para a ISS, para ver se eles sobreviveriam por lá: a resposta foi sim.

Em 2018, dois estudantes do ensino fundamental ganharam um concurso de inovação e mandaram para a ISS uma placa de Petri com fungos Cladosporium sphaerospermum. A camada era relativamente fina, com menos de 2mm de espessura, mas bloqueou cerca de 2% da radiação incidente.

Os fungos também cresceram a um ritmo 21% mais rápido. Ou seja, durante o processo de absorção da radiação, se tornaram ainda mais efetivos para sua tarefa. A partir dos resultados, estima-se que um escudo de 21cm seria ideal para proteger pessoas da radiação gama da órbita da Terra.

Porém, para criar um ambiente similar ao terrestre em Marte, precisaríamos de uma camada de fungos de mais de dois metros de profundidade. Algo difícil de ser cultivado e mantido. Por isso, medidas comuns de bloqueio de radiação são mais viáveis neste caso, com trajes espaciais. Eles também poderiam ganhar camadas de fungos para uma proteção extra.

Em 2019, pesquisadores da Universidade Johns Hopkins (EUA) enviaram ao espaço um material feito de plástico e melanina extraída de outro fungo radiotrófico, o Cryptococcus neoformans. Esse material poderia ser usado para recobrir equipamentos e estruturas.

Aqui na Terra, o mais tradicional protetor contra radiação é o chumbo (como os coletes usados em exames de raio-X). Porém, é um material muito pesado; a Nasa, estima que custaria US$ 20 mil para levar um quilo de material ao espaço. Os fungos têm a vantagem de se serem leves e se multiplicarem, mesmo em condições adversas.

Cientistas acreditam que, em outras partes do universo, possam existir mais formas de vida como eles, com a capacidade de se desenvolver em ambientes cheios de radiação.

*Com informações do site Iflscience