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Ex-capitã da seleção afegã faz apelo a jogadoras: "Excluam suas fotos"

Khalida Popal foi capitão da seleção afegã de futebol feminino - Reprodução/Twitter
Khalida Popal foi capitão da seleção afegã de futebol feminino Imagem: Reprodução/Twitter

Fabiana Uchinaka

De Tilt, em São Paulo

22/08/2021 08h20

Já não é fácil para qualquer mulher virar jogadora de futebol, um esporte ainda tão machista, então imagine o que significa ser uma esportista afegã. Agora que o país voltou a ser comandado pelo Talibã, a ex-capitã da seleção do Afeganistão Khalida Popal tem pedido para que as garotas apaguem das redes sociais qualquer vestígio de prática de esportes.

Pioneira no futebol feminino do país e grande defensora dos direitos de outras mulheres seguirem no esporte, agora Popal teme pela vida das afegãs. "Estou ligando para elas e dizendo: apaguem suas identidades, retirem suas fotos para sua segurança. Até estou dizendo que coloquem fogo ou se livrem do uniforme da seleção nacional", disse ela à Reuters. "E isso é doloroso para mim, para alguém como ativista que se levantou e fez todo o possível para conquistar essa identidade como jogadora da seleção feminina."

A última vez que o Talibã governou o Afeganistão foi em 2001, antes de os Estados Unidos enviarem tropas ao país. Naquela época, as redes sociais não tinham a força que têm hoje. Agora, qualquer vestígio deixado na internet pode ser utilizado para punir um cidadão do país.

Entre 1996 e 2001, o Talibã proibiu que mulheres afegãs trabalhassem, estudassem e praticassem esportes. As mulheres tinham de usar burcas para sair de casa e precisam estar acompanhadas por um parente do sexo masculino.

Popal, por exemplo, já foi alvo de diversos ataques, ameaças de morte e tentativas de repreensão quando morava no Afeganistão, mesmo que na fase da ocupação norte-americana, por isso pediu asilo político e mora desde 2011 na Dinamarca.

Shabnam Mobarez, atual capitã da seleção feminina do Afeganistão, também fez um apelo à Fifa (Federação Internacional de Futebol) para que suas companheiras sejam resgatadas do país. A jogadora de 26 anos, mora nos Estados Unidos, publicou o pedido no Twitter. "Precisamos agir para salvar minhas colegas de time. Elas são minhas irmãs", escreveu, citando o desespero de uma colega: "Eu sei que eles virão atrás de mim logo, você pode me ajudar?"

Ao mesmo tempo, as "Sonhadoras Afegãs", uma equipe de 25 meninas de 12 a 18 anos que participa de competições internacionais de robótica, conseguiram sair do Afeganistão e estão em Doha (Qatar). Não se sabe ao certo quantas garotas escaparam, mas havia um enorme temor de que elas fossem impedidas de estudar e virassem noivas.

Rastros perigosos

De acordo com o reportagem da Wired, há um grande movimento no país para apagar evidências da vida online para evitar punições feitas pelos ultraconservadores. Ao mesmo tempo, alguns cidadãos tentam de alguma forma apenas esconder essas informações para que possam utilizá-las para conseguir sair do país.

Os celulares podem guardar informações fundamentais, como contatos salvos de familiares e conhecidos, ou registros das ligações realizadas. Apesar de preciosos, os dados podem deixar clara uma relação considerada indesejada pelo Talibã.

Nas redes sociais, por mais que os usuários apaguem suas contas, fotos ou vídeos, as pessoas podem ser encontradas nas fotos de outros.

De acordo com a Wired, a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), um braço humanitário norte-americano, teria enviado um email para parceiros que vivem no Afeganistão pedindo que fizessem uma espécie de pente-fino em suas redes sociais para remover fotos e informações que poderiam tornar os indivíduos vulneráveis.

A entidade também aconselhou os parceiros que ainda operam na região a excluir e limpar todas as informações de identificação pessoal daqueles com quem trabalharam no local, para evitar que caiam em mãos erradas.

"O Talibã certamente sabe como usar a tecnologia. A única maneira sensata de abordar isso é presumir o pior e planejar para isso. Seria tolice pensar que não há risco", afirmou Brian Dooley, consultor sênior da Human Rights First.

A organização internacional de direitos humanos elaborou um guia sobre como excluir seu histórico digital — o problema é que ele está em inglês, o que não o deixa acessível para todos afegãos.

Taleban já usou tecnologia para encontrar opositores

Os temores com relação ao Talibã e a tecnologia são justificados por ações já realizadas pelo grupo. Em 2016, os extremistas mataram 12 passageiros de um ônibus após exigir que todos digitalizassem suas impressões digitais em uma máquina de biometria.

Com o dado colhido dos passageiros, verificou um banco de dados para identificar trabalhadores da força de segurança do país, considerada prejudicial ao modo de vida que pregam.

"A maioria dos passageiros não estava familiarizada com a máquina, mas sabíamos que era um dispositivo biométrico que poderia identificar membros da força de segurança entre civis", disse um comandante do exército afegão na época.

Facebook bane Taleban

Acredita-se também que o Talibã já tenha usado dados do Facebook para identificar indivíduos com relacionamentos de longa data com militares ou ONGs dos EUA. Essa técnica foi utilizada pelo Estado Islâmico, no Iraque, que vasculhava as redes sociais para encontrar aqueles que considerava como oponentes.

Sabendo dessa possibilidade, o Facebook já anunciou que banirá, na medida do possível, o conteúdo relacionado ao grupo de todas as suas plataformas. De acordo com o gigante da tecnologia, conteúdos postados por usuários extremistas ou que contenham informações do Talibã não serão permitidos no Facebook, Instagram e WhatsApp.

"O Talibã foi sancionado como organização terrorista pela lei dos EUA e nós os banimos de nossos serviços de acordo com as nossas políticas de Organização Perigosa", afirmou um porta-voz da empresa à rede CNBC.

Grupo estaria usando o WhatsApp

Contudo, banir esse tipo de conteúdo do WhatsApp não é tão simples como em plataformas como Facebook e Instagram. Isso porque as mensagens são criptografadas de ponta a ponta, o que significa somente as pessoas envolvidas na troca de textos, fotos e vídeos é que conseguem ter acesso a eles.

Segundo reportagem da Vice, o Talibã sabendo disso estaria utilizando o aplicativo para espalhar mensagens para os cidadãos enquanto eles tomam conta do país. De acordo com um texto compartilhado pela revista, o uso do WhatsApp foi um dos pontos que fez o grupo tomar conta tão rápido do Afeganistão.

Enquanto os Estados Unidos admitiram que pensavam que demoraria pelo menos 90 dias para que o grupo retomasse o poder no país, isso ocorreu em apenas 10 dias após o anúncio da retirada das tropas. Ao que parece, ao invés de enfrentar o exército afegão, o Talibã apenas espalhou informações no WhatsApp de que estaria no controle de determinadas cidades e assim foi ganhando espaço no país.

Reportagem do Washington Post mostra que o grupo enviou mensagens via WhatsApp para residentes da capital Cabul na qual apenas proclamou: "nós somos responsáveis pela segurança de Cabul".

As mensagens listavam números de telefone em vários bairros para os quais os cidadãos deveriam ligar se observassem problemas como saques ou comportamento "irresponsável" por parte de pessoas armadas.

Em entrevista à revista Vice, um porta-voz do Facebook se recusou a responder se os talibãs usaram o app mensageiro. "Como serviço de mensagens privadas, não temos acesso ao conteúdo dos chats pessoais das pessoas; no entanto, se tomarmos conhecimento de que um indivíduo ou organização sancionada pode estar presente no WhatsApp, entramos em ação ", disse o porta-voz