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O Facebook acessa a nossa conta bancária? Não, mas troca de dados assusta

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Gabriel Toueg

Colaboração para Tilt

15/06/2021 04h00Atualizada em 15/06/2021 17h16

"O Facebook tem acesso a todos os seus aplicativos. Toda transferência (bancária) que você faz", diz uma mulher não identificada em um vídeo que circula em conversas no WhatsApp. Em seguida, ela ensina a bloquear o acesso da rede social aos apps instalados no celular, mexendo nas configurações da plataforma. Em uma das telas exibidas, é possível ver uma lista grande de ícones de apps. O que é real ou invenção nesse vídeo, afinal? O Facebook nos espiona? Ele tem acesso detalhado ao que fazemos no celular?

A conclusão da mulher do vídeo viral sobre o Facebook ter acesso total a operações como transações bancárias e financeiras não é verdadeira. Mas o espanto dela com o número de aplicativos conectados via rede social não é em vão. Muitos internautas nunca perceberam que dados gerados na plataforma são sim compartilhados com outras empresas.

Por isso é tão importante que nós tomemos consciência de o quanto os nossos dados são valiosos e de que muitas companhias lutam tanto por ele. Para a nossa proteção, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) entrou em vigor. Entre suas regras, está a obrigação de qualquer empresa ou órgão público solicitem explicitamente o consentimento dos usuários para realizar uma livre troca de dados.

Por que o Facebook acessa os apps do celular?

As configurações do Facebook apresentam uma área chamada "Atividade Fora do Facebook" desde 2019, e ela é o foco do vídeo que circula no WhatsApp. Ela é, nas palavras da big tech, um "resumo da atividade que empresas e organizações compartilham conosco sobre as interações que você faz com elas, como visitas aos sites ou aos aplicativos".

Essa troca de dados entre Facebook e demais companhias, serviços e apps ocorre por meio de ferramentas para empresas disponibilizadas pela própria rede social. Uma delas é bem conhecida: sabe quando você usa um app pela primeira vez e em vez de criar uma conta nova nele com seu email, há a opção de usar seu login e senha do Facebook? Apps como Spotify e TikTok, por exemplo, permitem isso.

Quando fazemos isso, damos ao Facebook e ao aplicativo em questão a permissão para que troquem dados entre si. E o que acontece na prática? A plataforma ganha dinheiro com "retargeting", um tipo de publicidade direcionada. Um exemplo disso é mostrado nas configurações da rede social:

  • Jane compra um par de sapatos de uma loja de roupas e calçados online.
  • A loja compartilha a atividade de Jane com o Facebook usando nossas ferramentas de negócios.
  • O Facebook recebe as informações sobre essa ação de Jane e as salvam na conta dela na rede social. A atividade é salva como "visitou o site de roupas e sapatos" e "fez uma compra".
  • Jane vê um anúncio no Facebook com um cupom de 10% de desconto em sua próxima compra de sapatos ou roupas na loja online.

Agora multiplique isso por todos os apps, comércio e serviços com os quais você interage e que adotaram as ferramentas do Facebook para empresas. A reportagem, por exemplo, encontrou mais de 900 parceiros listados, entre os quais aplicativos e sites de bancos e de cartões de crédito, serviços de proteção de crédito e até de saúde.

Daí vem a sensação em algumas pessoas de que elas recebem anúncios invasivos o tempo todo. É culpa dessa engenharia. Alguns internautas gostam. Outros não. Em qualquer um dos casos é fundamental saber exatamente o que acontece por trás das engrenagens da rede social (e não é só o Facebook que funciona dessa forma).

É importante reforçar também que muita gente nem se dá conta de que concordou com isso. Ao criar um perfil na rede social e começar a utilizá-lo, a pessoa aceitou os termos de serviços da empresa. Eles são as regras de como determinada companhia irá usar os nossos dados. E a troca deles com empresas para fins de publicidade consta no documento. É fundamental ler todas as políticas de funcionamento das plataformas online.

Tanto o Facebook quanto bancos negam que haja troca de dados sensíveis, como transações bancárias, detalhes da conta corrente, da poupança, entre outros.

Uma das empresas que aparece na lista consultada pela reportagem é o Nubank. Questionada, a companhia confirmou a informação acima dizendo que "não compartilha informações financeiras e nem dados sensíveis com o Facebook". Ainda de acordo com o banco, o uso das ferramentas do Facebook é para entender métricas —isto é, dados comportamentais dos usuários— para convertê-los em anúncios.

E como desativa o acesso do Facebook?

  • No app do Facebook, acesse o menu de Configurações (menu com três barras no topo direito da tela principal do app);
  • Role para baixo até "Configurações e Privacidade" e clique nessa opção;
  • Escolha "Configurações";
  • No 4º bloco, "Suas informações no Facebook", selecione "Atividade fora do Facebook". Você poderá então ver a quantidade e lista de aplicativos e sites que compartilham dados com a rede social. Basta clicar nos ícones que aparecem e colocar a sua senha para ver a lista completa;
  • Dentro desse menu, clique em "Desconectar Histórico", que eliminará toda a sua interação passada com os aplicativos;
  • Se você prefere bloquear o compartilhamento de parceiros específicos ou ver detalhes sobre o que é compartilhado, basta acessar qualquer item e escolher "Desligar atividades futuras de (nome do parceiro)";
  • Há ainda a opção de barrar o compartilhamento futuro de informações. Para isso, no menu "Atividade fora do Facebook" escolha "Mais Opções" e vá em "Gerenciar Atividade Futura". Basta seguir as instruções da tela e desligar a opção de compartilhamento.

O Facebook pode trocar dados sem eu saber?

Especialistas em direito digital ouvidos por Tilt elogiam o fato de haver uma ferramenta de desligamento da troca de dados, mas o problema é que se você não optar ativamente por desligá-lo, seus dados ficam acessíveis para o Facebook até você mudar as configurações.

Segundo a advogada Maria Gabriela Grings, pesquisadora do Instituto LGPD em direito digital e processual, o comportamento do Facebook fica em desacordo com várias questões da lei. De acordo com as regras, o tratamento de dados só pode ocorrer após consentimento livre e informado do usuário, tirando algumas exceções. "Não é o que parece ocorrer quando as empresas compartilham e o Facebook aceita", diz ela.

Para Grings, a funcionalidade que desliga essa troca de dados está longe de proteger a privacidade, embora o Facebook destaque como tal. "Você precisa entender [a ferramenta], desabilitar [o compartilhamento] e tomar outros passos para que seus dados não continuem sendo partilhados", critica a advogada.

O coordenador de direito e tecnologia do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) Rio, Christian Perrone, explica que é mais uma ferramenta que ajuda a dar controle sobre quais dados você compartilha. Mas alerta que é preciso haver mais transparência. "Poderia existir, por exemplo, um aviso de que tal propaganda é exibida porque você acessou tal site ou teve tal e tal comportamentos", sugere.

Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, concorda. "Parece ser um passo importante, mas é limitado, incompleto. A ferramenta dá alguns controles, mas não permite uma compreensão completa [sobre o que é compartilhado], afirma. "Isso não impede que dados já cedidos [antes da mudança nas configurações] continuem a ser utilizados para que a indústria extraia informações a partir deles".

O que diz o Facebook?

A rede social explicou, por meio de nota, que os dados a que tem acesso têm finalidades comerciais, como ajudar a melhorar a qualidade de anúncios mostrados aos usuários e otimizar os recursos de anunciantes.

"Ao acessar as opções, é possível entender que os dados podem ser compartilhados quando você abre um app, faz login em um aplicativo usando a conta do Facebook, visualiza algum site, pesquisa por algum item, adiciona um produto a listas de desejo ou a carrinhos de compras ou quando faz uma doação ou uma compra num parceiro [empresa]", diz a empresa.

O que diz a ANPD?

Procurada, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão que fiscaliza empresas à luz da LGPD, diz que "as mídias sociais normalmente contam com algoritmos para aprimorar os serviços prestados aos seus usuários, mediante consentimento desses ou com fundamento em outra base legal estabelecida pela LGPD".

A ANPD acrescenta que, se o(a) internauta perceber uma violação de privacidade, cabe a pessoa procurar o controlador dos dados solicitando os seus direitos (O Facebook, no caso) . Caso ele não seja atendido, a sugestão da agência é a vítima procurar os canais de atendimento disponíveis em seu portal.