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E se você fosse jogado no espaço sem roupa de proteção? Não seria nada bom

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

02/06/2020 04h00

A julgar por iniciativas de figurões como Elon Musk e Jeff Bezos, não deverá demorar muito até que o turismo espacial se torne realidade. E enquanto a ideia de ver a Terra "de fora" e experimentar a sensação de viajar pelo espaço encanta muita gente, levantamos a dúvida: o que aconteceria caso alguém acabasse indo parar no espaço sem qualquer proteção.

A situação, claro, já foi explorada em vários filmes de ficção científica de forma fantasiosa, como pessoas quase explodindo quando expostas ao vácuo em "O Vingador do Futuro" (1990), ou outras mais próximas da realidade, com os corpos congelando aos poucos na série "The Expanse" (2015).

De maneira geral, ser arremessado sem proteção no espaço não significaria, necessariamente, uma morte certa. O problema é que o tempo de resgate para que uma pessoa saísse ilesa de uma "aventura" do tipo é bem curto.

Falta de pressão é a maior vilã

Um dos primeiros desafios que o espaço "aberto" representa para os humanos é que os nossos corpos são o resultado de anos de adaptação à atmosfera da Terra e outros fatores. Destes, é possível citar dois: a gravidade e a pressão atmosférica.

Aqui temos uma armadilha: a tendência é que uma pessoa prenda o ar em um ambiente sem oxigênio, como no fundo de uma piscina ou, digamos, no vácuo espacial.

O problema é que, ao fazer isso fora da Terra, a falta de pressão atmosférica levará o ar dentro dos pulmões a se expandir. E há boas chances de isso causar um rompimento do órgão, similar ao que ocorre quando enchemos um balão de festa além da sua capacidade.

Bom, não preciso dizer que isso por si só já seria uma sentença de morte.

Corpo "fervendo"

Vamos supor que nosso viajante seja avisado da situação. E antes de entrar em órbita, solte o ar dos pulmões. Nesse cenário, ela deve manter alguns segundos de consciência enquanto o corpo consome o resto das suas reservas de oxigênio.

Esse tempo varia por pessoa, mas uma vez que o sangue sem oxigênio começa a chegar ao cérebro, a tendência é a perda de consciência devido à hipóxia, um estado de baixo teor de oxigênio no tecido orgânico.

Antes disso, é bem provável que ela sentiria uma sensação estranha. Em um ambiente despressurizado, a tendência é que líquidos não dependam de altas temperaturas para entrarem em ebulição.

Considerando que cerca de 60% do corpo humano é composto de água, em poucos segundos os líquidos do seu corpo começarão a vaporizar e a ocupar mais espaço, o que faz você inchar - e também a expelir o conteúdo de estômago, intestinos e sistema urinário na forma de vômito, fezes e urina.

Conforme isso continua a acontecer, também há um grande risco de que se formem bolhas dentro do sistema circulatório, e uma situação chamada embolia gasosa tende a ocorrer. Nela, bolhas de gás bloqueiam a circulação de sangue, algo potencialmente fatal se ocorrer na região do coração —o que faria as células do órgão morrer gradativamente, provocando uma parada cardíaca. Ou ainda no cérebro, que sem sangue e oxigênio, teria um quadro de hipóxia.

Você não vai congelar (rapidamente)

Bem, o espaço é muito frio e nós até já falamos aqui como seria se o Sol fosse "desligado". Mas, exposto a ele e sem proteção, você não congelaria instantaneamente, como muita gente supõe. O motivo para isso é a ausência de um material —como aconteceria com o ar, na Terra— para a troca de calor com o corpo humano.

Nessa situação, o corpo humano esfria ao emitir radiação —todo e qualquer corpo, seja ele um ser vivo ou um objeto inanimado, emite radiação. No caso dos seres humanos, a maior parte dessa emissão está no infravermelho e em um ambiente onde não há matérias, a perda de calor ocorre pela emissão desses fótons.

Ainda que seja um processo mais demorado, eventualmente a pessoa acabará congelando. Mas quando isso acontecer, ela provavelmente já terá morrido há algum tempo.

E a radiação do espaço?

Da mesma forma outro perigo da exposição direta ao espaço é a radiação. Aqui na Terra, o campo magnético do planeta atua como um filtro, filtrando a maior parte da radiação do espectro eletromagnético que "circula" pelo espaço, como os raios-x e os raios gama, e permitindo a passagem de outros tipos de radiação, como a ultravioleta.

No espaço, não há esse filtro e a pessoa largada "à deriva" sofrerá a incidência dessa radiação. Apesar da possibilidade de queimaduras na pele em poucos segundos, os efeitos mais nocivos desse banho de raios dependeriam da pessoa ser exposta por um período bem mais longo, além do tempo de sobrevivência a essa situação.

É possível sobreviver?

Em tese, sim, mas tudo depende da rapidez com a qual a pessoa é resgatada e retornada a um ambiente pressurizado e também o quão abrupto foi o processo de descompressão.

Tomando como exemplo um estudo realizado em 1965 na base da Força Aérea Norte-Americana de Brooks, no Texas, cães expostos a condições próximas do vácuo total por até 90 segundos sempre sobreviveram e retornaram ao normal após ficarem de dez a 15 minutos de volta a um ambiente com pressão igual ao nível do mar.

Já aqueles que ficaram nesse "quase vácuo" por dois minutos ou mais acabaram morrendo, especialmente em casos nos quais o processo de descompressão ocorria de maneira brusca.

E depois de morto?

Considerando que tudo deu errado e a azarada pessoa jogada no espaço acabou morrendo, o destino do corpo dela não será o mesmo que o de alguém que morre em um ambiente mais, digamos, convencional.

Como ela estará em um ambiente sem oxigênio, o corpo não passará pelo processo de decomposição. Aqui, tudo depende se ela estará, ou não, próxima de uma fonte de calor. Em caso positivo, haverá um processo de mumificação do corpo. Do contrário, ele será congelado e ficará vagando indefinidamente pelo espaço.

Fontes: Roberto D. Dias da Costa, professor do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP); e Sandra Regina Mota Ortiz, doutora em fisiologia humana pela Universidade de São Paulo (USP) e professora do curso de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul