Topo

Já pensou? Censo na Espanha colhe dados de localização de 80% dos celulares

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

João Paulo Carvalho

Colaboração para Tilt, em Madri

26/12/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • Até agosto de 2020, governo espanhol seguirá 43 milhões de celulares do país
  • Objetivo é entender como espanhois se locomovem pelo território nacional
  • Segundo INE, rastreio é anônimo, e os números não serão associados aos titulares
  • Mas críticos da ideia dizem que seria estratégia para inspecionar protestos públicos
  • Também não está claro como dados confidenciais estarão seguros e protegidos

O Instituto Nacional de Estatística, órgão do governo federal da Espanha, apostou em uma tecnologia bastante polêmica nas últimas semanas. Em vez de contratar entrevistadores para colher mais informações sobre a mobilidade urbana dos cidadãos, o INE optou por fazer um acordo com as três principais operadoras de celular do país para colher dados de localização.

Entre os meses de novembro de 2019 e agosto de 2020, o instituto seguirá os movimentos dos telefones móveis do país. De acordo com os dados da Comissão Nacional de Mercado de Valores, 80% de todos os celulares que existem na Espanha (aproximadamente 43 milhões de aparelhos) serão monitorados até o ano que vem, em um tipo de censo digital inédito e com pouca opção para os usuários que se recusarem a participar.

Segundo o INE, o rastreio é totalmente anônimo, e os números dos respectivos aparelhos não serão associados aos titulares das linhas. Desta forma, a privacidade dos usuários será mantida, e assim cumpriria a lei de proteção de dados europeia, a GDPR.

O principal objetivo é realizar um estudo mais detalhado sobre como os espanhóis se locomovem em todo o território nacional.

O boom dos dispositivos móveis já afetou a vida de todos os segmentos da indústria. Eles se converteram em uma importante ferramenta para realizar estudos demográficos. Em 2021, inclusive, o INE planeja realizar parte do censo espanhol com base em dados obtidos pelos celulares, ainda que informações importantes como gênero e profissão não possam ser captadas dessa maneira
Alfredo Cristóbal, diretor-geral de produtos estatísticos do INE

A primeira parte do projeto foi realizada de 18 e 21 de novembro. O intuito era observar o deslocamento das pessoas entre uma zona e outra para trabalhar ou estudar. Na última quarta-feira (25), os dados serviram para observar a movimentação durante o Natal. Já na metade do ano que vem, de julho a agosto, as informações vão detalhar onde os espanhóis passarão as férias de verão, que no Hemisfério Norte ocorrem nessa época.

O acordo do instituto com Movistar, Orange e Vodafone, as principais empresas de telefonia móvel da Espanha, é pioneiro na Europa. As três operadoras entregaram os dados de forma anônima para ajudar a realizar o projeto, que visa melhorar os serviços de transporte em diversas regiões da Espanha.

Além disso, o estudo também se encarrega de contabilizar quantas pessoas trabalham em um mesmo distrito e como elas se locomovem durante todo o dia, incluindo nos finais de semana. Tais mudanças são cruciais para avaliar o que ocorre nas zonas mais despovoadas do país.

E a privacidade?

O INE assegura que cumpre todos os pontos da GDPR, já que as informações obtidas não são associadas a nenhum usuário. Tal medida, entretanto, já foi suficiente para gerar um debate pertinente sobre privacidade em todo o país.

Em nenhum momento ficou claro como os dados confidenciais das pessoas estarão seguros e protegidos. Para o advogado Rafael Villalba Martinez, o acesso a eles só é possível quando os envolvidos são suspeitos de cometerem algum delito perante a lei.

"Eles não podem ou devem ser utilizados como fins estatísticos. A liberação desse tipo de conteúdo só pode ocorrer com determinação da justiça. Vale lembrar que, tecnologicamente falando, os dados de tráfego e localização e as informações pessoais do cliente estão em diferentes esferas", afirmou o especialista.

O que diz a lei?

A Lei de Conservação de Dados, em vigor na Espanha desde 2007, diz que todos os dados gerados pelos clientes devem ser guardados por no mínimo 12 meses. Isso inclui informações sobre tráfego e localização. Além disso, eles não devem ser vinculados a nenhum perfil pessoal. Tudo deve fazer parte de um grande pacote informacional onde todos são indistinguíveis.

Neste caso, portanto, a GDPR não pode ser aplicada, já que não se trata de informação pessoal e os usuários não precisam dar nenhuma autorização para fazer parte do estudo.

Qual foi a posição das operadoras?

  • Desde o início do projeto, Vodafone e Orange oferecem aos clientes a opção de que esses dados anônimos não sejam repassados para o INE. Quem é cliente Vodafone pode fazer isso nos ajustes do telefone móvel
  • A Orange criou um email específico para atender a demanda dos usuários. Devido ao alto número de mensagens, a empresa tem tido dificuldade para responder aos interessados, segundo relataram vários clientes ouvidos pela reportagem
  • A Movistar é a única companhia que não oferece nenhum mecanismo para quem não quer ser monitorado.

Teoria da conspiração

O novo método do INE de colher informações dos usuários para desenvolver um novo estudo gerou muita discussão na Espanha nas últimas semanas. Com a onda de protestos que tomou conta da região da Catalunha recentemente, algumas pessoas acreditam que se trata de uma estratégia do governo para inspecionar possíveis manifestações independentistas.

"Durante os dias de monitoramento, meu celular fica desligado por todo o dia. Eu só ligo o aparelho de manhã, antes de ir para o trabalho, e à noite, quando chego em casa. Acredito que seja uma medida de segurança", relata o professor Manuel Lopez, de 56 anos.

Há, no entanto, quem defenda a liberação de dados das companhias para o instituto. "Penso que isso pode trazer melhorias para todos os cidadãos. O transporte público espanhol é muito eficiente, mas pode ficar ainda melhor. Isso também vale para as estradas", opina a estudante Andrea Redondo, 25.

O Facebook te conhece melhor que você mesmo?

UOL Notícias

SIGA TILT NAS REDES SOCIAIS