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Uma das inventoras do Crispr teme seu uso e quer controle governamental

A bioquímica Jennifer Doudna - Divulgação
A bioquímica Jennifer Doudna Imagem: Divulgação

Adriano Ferreira

Colaboração para Tilt

22/11/2019 12h52Atualizada em 22/11/2019 16h55

Jennifer Doudna, bioquímica americana e uma das principais mentes que contribuíram para a criação da avançada técnica edição de genes conhecida como Crispr, defende que as agências de regulação do mundo todo precisam dar mais atenção ao controle deste recurso.

Em um texto publicado na revista "Science" na sexta-feira passada (15), ela alerta para o abuso de bebês editados geneticamente, usando como (mau) exemplo o geneticista chinês He Jiankui.

Em novembro de 2018, Jiankui chocou o mundo ao anunciar que trabalhou na criação de bebês humanos —duas meninas gêmeas— geneticamente editados. O texto de Jennifer é intitulado "O aniversário indesejado do Crispr" por conta desse fato.

O Crispr permite que cientistas modifiquem permanentemente genes em células e organismos vivos, "recortando" com precisão o DNA. Isso possibilitaria correções de mutações no genoma humano para tratar causas genéticas de doenças.

Para ela, Jiankui havia "quebrado o mantra médico básico de 'não faça mal' usando o CRISPR-Cas9 para editar os genomas" das meninas.

Seu trabalho arriscado e clinicamente desnecessário surpreendeu o mundo e desafiou as chamadas anteriores de meus colegas e de mim, e das Academias Nacionais de Ciências e Medicina dos EUA, por uma moratória eficaz na edição de linha germinativa humana
Jennifer Doudna

A moratória citada por ela teria a intenção de impedir temporariamente o uso mundial do recurso novamente para embriões, espermas e óvulos. O motivo para isso é impedir que qualquer edição realizada neles provoque alterações que serão passadas às futuras gerações.

Apesar da crítica, Jennifer acha que parar a edição genética não resolve o problema por si. "Acredito que as moratórias não são contramedidas fortes o suficiente e, em vez disso, as partes interessadas devem se engajar na elaboração cuidadosa de regulações da tecnologia sem sufocá-la", diz.

A bioquímica também reivindica que uma pausa seja feita especificamente na Rússia, onde o cientista Denis Rebrikov está propondo o uso da tecnologia em embriões de mães que tenham o vírus HIV. Os planos de modificação genética do cientista também incluem cinco casais com um tipo recessivo de surdez que desejam testar o uso do recurso para não transmitir a deficiência. Mas, para que o procedimento seja feito, será preciso a aprovação do governo.

Em julho, a Organização Mundial de Saúde (OMS) solicitou que agências regulatórias em todos os países interrompessem qualquer experimento de edição da linha germinal —referente à linhagem da espécie— em humanos. Em agosto, a OMS anunciou os primeiros passos para a construção de um registro para futuros estudos.

Como a regulamentação pode levar um tempo para ser estabelecida, o desafio a ser vencido é determinar como a sociedade usará a técnica. Nos EUA, vai passar a valer na Califórnia, a partir de janeiro de 2020, a primeira lei para regulamentar o Crispr, mirando os biohackers.