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Letícia Piccolotto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mais crianças estão sem tomar vacina, e doenças 'extintas' voltaram ao país

Brasil está entre os dez países no mundo com a maior quantidade de crianças com a vacinação atrasada - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brasil está entre os dez países no mundo com a maior quantidade de crianças com a vacinação atrasada Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

20/10/2022 04h00

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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), vivemos hoje o maior retrocesso contínuo nas taxas mundiais de vacinação infantil dos últimos 30 anos.

Segundo especialistas, esta é uma das tantas consequências trazidas pela pandemia de covid-19.

Para se ter ideia da gravidade do tema, somente em 2021, 25 milhões de crianças deixaram de tomar uma ou mais doses da vacina tríplice DTP, imunização adotada como um importante indicador de cobertura vacinal dentro dos países e entre eles.

A abrangência da DTP caiu cinco pontos percentuais entre 2019 e 2021, alcançando o patamar de 81%.

E ela não é a única: a cobertura da primeira dose da vacina contra o sarampo, por exemplo, caiu para 81% em 2021, o nível mais baixo desde 2008.

O Brasil está entre os dez países no mundo com a maior quantidade de crianças com a vacinação atrasada. Apenas 70,4% das crianças receberam ao menos a primeira dose da DTP, ou pentavalente. Em outras palavras, aproximadamente 700 mil crianças não receberam nenhuma dose da vacina.

O desafio da vacinação no país não para por aí.

Em apenas três anos, a cobertura da tríplice viral D1, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, caiu de 93%, em 2019, para 71,5%, em 2021.

Além disso, a cobertura da vacinação contra poliomielite caiu de cerca de 84%, em 2019, para 67,7%, em 2021. Isso significa que três em cada dez crianças no país não receberam as vacinas necessárias para protegê-las de doenças potencialmente fatais.

O Brasil costumava ser o país líder em cobertura vacinal em todas as faixas etárias.

Em 1973, foi criado o Programa Nacional de Imunização (PNI), com o intuito de oferecer imunização em massa gratuita para a população. O programa cresceu gradativamente e, em 2015, no seu auge de cobertura vacinal, oferecia 29 imunizantes para todas as idades.

Porém, desde 2016, o nosso país vê as taxas de cobertura vacinal em seu território declinando, comprometendo os esforços de imunização e acarretando no reaparecimento de algumas doenças imunopreveníveis, sendo muitas consideradas erradicadas há décadas.

Como é o caso da poliomielite. Recentemente, um caso suspeito da doença foi reportado pelo Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs) da Secretaria de Saúde do Pará. Posteriormente, o Ministério da Saúde publicou nota esclarecendo a suspeita e reforçando não se tratar de poliomielite, erradicada no país desde 1989.

O caso, ainda que isolado e, posteriormente, descartado, continua sendo um alerta.

A Campanha Nacional de Vacinação contra Poliomielite, que encerrou no dia 29 de setembro, ficou longe de atingir a meta de vacinar 95% da população infantil menor de cinco anos. Entre 8 de agosto e 28 de setembro, apenas 54% das crianças foram imunizadas, um total de 6.273.472 doses. Os dados são do Ministério da Saúde, que previa vacinar 11,5 milhões de crianças. Segundo a pasta, nenhum estado alcançou a meta de 95% da cobertura vacinal.

Outro exemplo das consequências da baixa adesão vacinal está no aumento de casos de meningite.

Especialistas avaliam que a queda na cobertura vacinal durante a pandemia de covid-19 pode ter ampliado as chances de transmissão da meningite.

Em Minas Gerais, por exemplo, o número de casos e mortes por meningites, este ano, já supera o de todo o ano passado. Em 2021, foram 459 casos e 51 óbitos no ano inteiro, enquanto este ano, de janeiro a setembro, foram 468 casos e 71 mortes.

A secretaria prevê a vacinação de adultos apenas em situações excepcionais, como a do surto que acontece nas regiões de Vila Formosa e Aricanduva, na cidade de São Paulo. Nos distritos foram registrados cinco casos de meningocócica do tipo C, no período de 16 de julho a 15 de setembro, com uma morte.

A pasta considera surto quando há ocorrência de três ou mais casos do mesmo tipo em um período de 90 dias na mesma localidade. A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo vacinou 30 mil pessoas contra a meningite meningocócica para conter um surto da doença na zona leste da cidade.

Segundo pesquisa da UFMG, os fatores que têm influenciado a queda da cobertura vacinal no Brasil são complexos e multifatoriais. Trata-se de uma consequência da pandemia, mas também da chamada hesitação vacinal da população alvo das ações de imunização.

Esse fenômeno pode ter várias causas, como a circulação de notícias falsas sobre vacinas —atrelada ao fenômeno de desinformação, como discuti aqui—, a diminuição da procura por vacinas de rotina nos municípios e a diminuição da capacidade operacional dos postos para a aplicação da vacinação de rotina.

Diversas ações têm sido criadas voltadas a aumentar a taxa de vacinação no Brasil.

Como as orientações do Ministério da Saúde para garantir a ampliação das coberturas vacinais nas unidades de saúde do país.

Ou o projeto ImunizaSUS, que faz parte de um convênio firmado entre o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e o Ministério da Saúde, sendo executado pela Faculdade São Leopoldo Mandic (SLMANDIC), que visa à educação continuada, durante 10 meses, e o consequente aperfeiçoamento de mais de 94 mil trabalhadores de saúde que atuam nas ações de imunização em todos os municípios do país.

Além do curso, o projeto prevê uma série de ações de comunicação, visando o engajamento social para conscientização da população brasileira sobre a importância da vacinação.

Embora fundamentais, as campanhas de incentivo à vacinação infantil não são suficientes para reverter o quadro de queda na cobertura dos imunizantes tradicionalmente aplicados.

Estratégias como a busca ativa de crianças não vacinadas e o envolvimento conjunto de profissionais de diversas áreas, como saúde e educação, para entender o porquê da ausência desses menores de idade nos postos de vacinação precisam, urgentemente, serem implementadas.

No último dia 12 de outubro, celebramos o Dia das Crianças. Não tenho dúvidas de que o maior presente que podemos oferecer aos meus filhos e aos milhões de outras crianças do Brasil é o direito a uma infância com saúde, dignidade e cuidado.