Topo

Felipe Zmoginski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como festival de compras online da China virou influencer para Black Friday

Festival de compras digital da China vende mais que todos os serviços americanos na Black Friday - Divulgação/ Alizilla
Festival de compras digital da China vende mais que todos os serviços americanos na Black Friday Imagem: Divulgação/ Alizilla

11/11/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A China viverá, nesta quinta e sexta-feira (11 e 12 de novembro), seu maior festival anual de compras, criado há 13 anos pelo grupo Alibaba. O festival é um daqueles eventos icônicos que, à moda chinesa, servem para demonstrar para o público interno e para o mundo o quão grande eles se tornaram.

Na edição do ano passado, por exemplo, a data de compras —que pode ser comparada em termos de cultura de consumo à Black Friday— movimentou US$ 74,1 bilhões.

A comparação com a Black Friday, no entanto, circunscreve-se à dimensão de "data comercial". Em temos de grandiosidade e valores envolvidos, há tempos deixa a sexta-feira preta americana para trás. Bem para trás.

Há cinco anos, por exemplo, os chineses contavam vantagem sobre o 11.11 —nome dado ao festival, que também já foi chamado de "dia dos solteiros"— ter superado as vendas da Black Friday e Cyber Monday juntas. Um feito modesto, se comparado aos números atuais.

Hoje, o festival chinês movimenta, em GMV —,termo técnico do comércio que significa "volume total de vendas"— mais de 8 vezes o que todos os serviços americanos (Amazon, eBay, BestBuy e qualquer outro nome que você se lembre) vendem na sexta-feira de promoções em todo os Estados Unidos, maior e mais rica economia do mundo.

Some-se a estes números o fato de, na China, o 11.11 ser explorado basicamente por um único player, o grupo Alibaba, que mantém sites como Taobao e T-Mall voltado para consumidores chineses, além de outros domínios destinados à venda para países terceiros.

Alibaba é uma das empresas de tecnologia mais valiosas do mundo que, em seu último ano fiscal movimentou o dobro do que a congênere americana Amazon em GMV

Outros importantes players deste mercado, na China, realizam promoções um pouco antes, em setembro ou no final de outubro, como os rivais Jing Dong ou Pinduoduo. O objetivo é um só: tentar "esfriar" o 11.11.

Mais do que ratificar o poder da megacorporação que transformou as compras digitais na China, a data revela o grau de digitalização da sociedade chinesa, onde mais de 1 bilhão de pessoas têm acesso regular à internet e a meios de pagamento digitais, como Alipay e WeChat Payments, os líderes nacionais neste segmento.

No país, o número de usuários de conexão 5G, cujo leilão no Brasil só foi realizado neste início de novembro, supera a casa dos 700 milhões.

O país é o único no mundo onde há mais compras acontecendo online do que no mundo físico. Shoppings, lojas de rua, supermercados, quiosques, enfim, qualquer coisa feita de tijolos, cimento ou madeira responde por 48% das vendas do varejo local. Os sites de compras garantem os demais 52%.

O número é o mais alto do mundo e bem à frente de nações ricas e altamente digitalizadas. Na Coreia do Sul e no Reino Unido, por exemplo, o varejo online morde 33% da pizza que divide com os parceiros do mundo físico. No Brasil, este indicador está na casa dos 11%.

Apesar da retumbante digitalização da China —ou mais justamente por causa dela— os serviços de vendas online, que recebiam caminhões de dinheiro de investidores do mundo todo, agora enfrentam o desafio de superar as marcas registradas em anos anteriores.

Afinal, o impulso de crescimento já vai se perdendo, uma vez que o país se tornou um mercado maduro e não há multidões de novos entrantes a serem incluídas, como houve durante toda a última década.

Este é o motivo central de muitas companhias chinesas de tecnologia hoje se lançarem rumo a mercados internacionais, revertendo um comportamento "caipira", de só olhar para dentro de casa, que mantiveram por anos a fio.

Na nova China, comprar online não é apenas o comportamento mais comum (em comparação a comprar offline) como o país vem transformando o jeito de se vender produtos em canais digitais.

Um dos fenômenos mais rumorosos do país, a ascensão do live commerce, transmissões ao vivo em que vendedores interagem e atendem clientes pelo canal digital, anotou vendas de US$ 154 bilhões no ano de 2020. Neste ano, o número deve dobrar, de acordo com projeções de consultorias locais, como Abacus. O live commerce deverá responder por 20% das vendas digitais no país.

Também podemos atribuir à engenhosidade chinesa a popularização do "social commerce", método em que usuários são estimulados a compartilhar ofertas com seus contatos em mídias sociais em troca de descontos.

Este "achado" é uma das principais razões do sucesso do Pinduoduo, serviço de vendas que desafia gigantes chineses estabelecidos há décadas.

Seu modelo de sucesso foi muito simples: ao invés de gastar uma fabulosa verba de marketing para crescer (o famoso "cash burn", na linguagem dos investidores) usaram-se os recursos para subsidiar as vendas para usuários que os divulgassem voluntariamente.

Em bom chinês, é a profissionalização do boca a boca.

Sinal dos tempos, a poluidora economia chinesa colocou, nesta edição, o tema sustentabilidade como um pilar principal de seu evento. O organizador do festival anunciou o uso de embalagens biodegradáveis —em substituição ao uso de plástico— e a adoção de 20 mil pontos de coleta de lixo gerado pelas compras e trocas de produtos.

Sobre a logística, bem, neste caso, não é novidade dizer que o transporte de itens ocorrerá em veículos elétricos e o "last mile" será cumprido por pequenos carros autônomos, igualmente livres de combustíveis fósseis.

Não à toa, executivos de tecnologia do mundo todo, esta semana, voltam seus olhos para a China para observar o que a economia digital mais avançada do mundo fará desta vez.

O objetivo é mais ou menos parecido com o que os chineses faziam com o Ocidente há uma década: estudar seus produtos e modelos de negócio mais inovadores para copiá-los.