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Carlos Affonso Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como o PL das Fake News, no fim das contas, pode facilitar desinformação?

28/04/2023 04h00

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A Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para votação do PL das Fake News (PL 2630/20). O projeto de lei, que nasceu para combater a desinformação, hoje trata dos mais variados temas como moderação de conteúdo nas redes sociais, elaboração de relatórios de transparência, remuneração de veículos de imprensa, além de assegurar uma polêmica imunidade parlamentar nas redes.

Existem pontos positivos e negativos no projeto. A regulação da internet no Brasil precisa mesmo ser atualizada. A pergunta não é mais se deve haver regulação, mas sim qual tipo de regulação é a mais apropriada.

Como o debate nas redes esquentou, com manifestações a favor e contra o projeto, este e os próximos textos da coluna vão explorar alguns pontos da proposta que merecem atenção. Procurei destacar questões que não andam aparecendo tanto por aí e que merecem um olhar mais cuidadoso.

Mais de 40% do PL não passou por qualquer audiência ou consulta pública

O PL 2630 é de 2020. Ele já passou pelo Senado —com a aprovação de um texto radicalmente diferente do que existe hoje—, e na Câmara foram feitas várias audiências públicas virtuais.

Acontece que, na última semana, surgiu uma proposta do Governo Federal para tratar da regulação das plataformas digitais. Parte das sugestões do governo, além de outras inovações, entrou e modificou bastante o texto que havia passado pelas audiências e consultas públicas.

Na verdade, a versão do PL 2630 que apareceu no começo da semana continha 27 artigos novos de um total de 66. É 40,9% de um texto que vai para votação na Câmara sem passar por qualquer debate minimamente aprofundado.

orlando - Vinicius Loures / Câmara dos Deputados - Vinicius Loures / Câmara dos Deputados
Deputado Orlando Silva (PCdoB), relator do PL das Fake News na Câmara.
Imagem: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

É claro que o regime de urgência confere uma velocidade que não é compatível com consultas públicas mais alongadas, mas de toda forma não custa lembrar que o CGI.br (Comitê Gestor da Internet) acabou de abrir uma consulta sobre regulação das plataformas. Sem isso, o Brasil, que tinha uma tradição incontestável no quesito de participação pública na formulação de regras para a Internet, deu um passo atrás.

Medidas de combate à desinformação favorecem a desinformação

É como nos filmes de espionagem: o bandido não se esconde em um beco escuro, mas sim no meio da multidão. Com o agigantamento do PL 2630, que nasceu para combater a desinformação, algumas das medidas propostas podem acabar tendo o efeito reverso do pretendido. Ou seja, ao invés de reduzir, vai proteger as fake news.

Como assim? Primeiro é importante entender que o PL 2630 consagra a imunidade parlamentar nas redes sociais. Essa medida tem tudo para tornar ainda mais difícil que as plataformas atuem para moderar os conteúdos postados por políticos. E infelizmente alguns políticos acabaram servindo como ponta-de-lança nas redes para espalhar campanhas de desinformação.

Somado a esse fato está a remuneração que o projeto prevê para veículos jornalísticos que tenham seus conteúdos postados em redes sociais. Não é difícil imaginar como alguns dos mais famosos sites que disseminam notícias falsas vão explorar essa nova fonte de recursos, embora usando dos mais diferentes expedientes para dar uma roupagem jornalística aos seus conteúdos.

Essas duas medidas podem favorecer campanhas de desinformação, seja protegendo contas de políticos, seja abastecendo sites que se pretendem jornalísticos com recursos pagos pelas plataformas.

Anatel pode virar a fiscal da internet brasileira

Uma premissa histórica na regulação da rede é a separação entre serviços de telecomunicação e os chamados serviços de valor adicionado (como as aplicações de internet). O PL 2630 cria uma "entidade autônoma de supervisão" que será responsável por fiscalizar as plataformas digitais. A pergunta é: quem é essa entidade?

Um projeto de lei do Legislativo não pode criar cargos no Poder Executivo. Então a resposta para essa pergunta pode vir depois da aprovação no Congresso. Acontece que criar uma entidade fiscalizadora do zero não é nada fácil. Vide o processo de criação e desenvolvimento da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), que só depois de um par de anos se estruturando e publicando guias orientativos vai começar a sancionar os agentes por violações à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

É aí que entra a Anatel. Em seminário realizado pelo CGI.br em Brasília, nesta terça-feira (25), Carlos Baigorri, presidente da agência, disse que ela está pronta para ser esse fiscal das plataformas digitais, contando com centenas de servidores e a experiência de décadas.

A agência pode começar a punir [plataformas digitais] amanhã
Carlos Baigorri, presidente da Anatel

Acontece que a Anatel não deveria cuidar de conteúdo. O poder de polícia da agência parece pouco afeito aos temas de que o PL 2630 trata, tal qual a moderação de conteúdos reputados como terroristas ou que violem o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas em tempos nos quais as pessoas cada vez menos fazem ligações telefônicas ou assinam televisão a cabo, parece que a agência está de olho na expansão das suas competências.

Caso o plano dê certo, uma série de modificações na estrutura da Anatel deverão ser cumpridas para que ela se transforme na entidade autônoma de supervisão prevista no PL 2630. Em termos históricos, seria uma verdadeira transformação na forma pela qual se estruturou a governança da internet no Brasil.

Nos próximos dias, vou explorar outros pontos de atenção sobre o PL 2630, pois mudanças na redação que vai à votação na Câmara dos Deputados aparecem a cada instante.