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Opinião

Perennial, ageless ou ageful: como você está envelhecendo na era digital?

Pouco tempo atrás, uma mulher de 40 e poucos que se vestisse e aparentasse como a filha era criticada, tachada de ridícula. Hoje, mais que nunca, esse comportamento não apenas é encarado como uma realidade normal, como também se espera isso da mulher de meia-idade: que seja bem cuidada física, emocional e intelectualmente, tanto quanto sua filha —afinal, existem recursos disponíveis para tanto.

No meio dessas expectativas extremas, a mulher perennial, considerada ageless, parece destoar, mostrando-se tranquila com a maturidade e a experiência que acumulou até então e, por isso mesmo, disposta a se reinventar com leveza e sem pressa, transmitindo uma jovialidade serena, de dentro para fora. Não à toa, sente-se pouco representada e compreendida pela sociedade, a mídia e a publicidade.

Três motivos encadeados parecem levar a isso.

Fazia parte da representação clássica da família que os pais fossem interpretados como uma função amorosa, primordial (e exclusivamente) dedicada à criação e devoção aos filhos. Isso levava à suposição, que possui raízes neuróticas evidentes, de que "os pais não transam, eles estão juntos para cuidar de mim". A mobilidade conjugal e as famílias tentaculares criaram um choque de realidade contra esta fantasia.

Ora, a "autorização" social para a existência de uma sexualidade nos adultos em idade "senhorial" parece ter forçado, inicialmente, uma retomada dos semblantes juvenis, afinal esta é a época que associamos com a descoberta e o incentivo da sexualidade. Portanto, para se "fazer sexual" seria preciso se "fazer juvenil". Isso criou o fenômeno da "adultescência", ascendente nos anos 2000: homens que saíam de um casamento ou que jamais entravam em um, e mulheres que aprenderam a buscar ativamente mais e melhores condições de realização subjetiva.

Agora parece que estamos entrando em outra fase, na qual já temos algumas narrativas de mulheres, no que antigamente chamávamos "meia-idade", e antes ainda "balzaquianas" e que criaram histórias e experiências, culturalmente sancionadas, em torno do cuidado consigo, da emancipação desejante, sem que isso tenha que se apoiar na obsessão com o "não envelhecer".

Este parece ser o giro mais importante. O comportamento pode ser o mesmo, mas muda tudo quando se está agindo por medo ou quando se está agindo em nome da curiosidade e da experimentação de si.

Uma versão da narrativa heroica demanda que, na relação com o envelhecimento, aquelas lutam e estão permanentemente em guerra com seu corpo, com seus costumes, e consagram sua vida a fugir da solidão e a buscar "alguém".

Perennials é um termo de alta ressonância narcísica, pois remete a uma vida e a uma forma de corpo perene, ou seja, em estrutura de estátua e não de filme que capta e integra a temporalidade como fato fundamental do sujeito. O semblante de mulheres que aspiram a perenidade frequentemente é abalado pela maneira como a maternidade é vivida. Não se trata apenas do "relógio biológico", mas do despertador que toca nos acordando em meio ao susto e o sentimento de atraso.

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A negação da degradação de nossos corpos nos faz envelhecer aos sustos —médicos, laborais ou familiares—, ou seja, como uma notícia que vem de fora. Há aqueles que têm uma consciência mais clara das dificuldades intrínsecas, não só extrínsecas da conjugação entre ascensão profissional e aspirações relacionais qualitativas, mas isso não significa que tais contradições tenham sido resolvidas e a fórmula possa ser usada e repetida. Isso significa apenas maior clareza e consciência sobre a dimensão do problema.

Outro aspecto é que as perennials parecem ter realmente se apropriado das conquistas e do programa feminista fora da chave denunciativa. Elas desenvolveram uma forma mais poderosa de reivindicar, que é a apropriação dos meios em relação aos quais as transformações de posição realmente dependem. Não querem ser apenas ser reconhecidas pelo que são, mas também e fundamentalmente pelo que desejam.

Não diria que o homem perennial é um "modelo" anterior. A trajetória que você descreve geralmente está marcada por uma deflação de expectativas. São experiências marcadas pelo recomeço e pelo novo início. Este não é um tópico central para as perennials, ainda porque começar de novo para estas mulheres está marcado pelo "aumento de expectativas" e não pela consolação.

A diferença de empoderamento pode ser entendida aqui pelo fato de que para as mulheres trata-se de uma questão de autoridade, enquanto para os homens tratava-se de uma questão poder. Por isso observamos este sutil deslocamento significante: não se trata para elas de falam em independência, ou seja, fuga da dependência, mas de autonomia, ou seja, conquista de espaços nos quais nossa posição diante das regras está mais clara e implicada.

A crítica moralista deve ser pensada não apenas como um efeito regressivo e estrutural contra todas as mudanças de costumes, mas no quadro geral de uma liberalização do moralismo, do preconceito e da violência relacional. Isso afetou profundamente o modelo de criação de filhos, nos quais os millennials (homens e mulheres) se formaram, um modelo que teve por efeito a produção de uma geração de jovens inusitadamente moralista (não no sentido antigo das práticas proibidas ou permitidas, mas no sentido neonarcísico no qual ideais e a forma como os outros nos percebem e nos reconhecem adquiririam força de lei, às quais reagimos de modo conformado, passivo e intimidado. Curiosamente, a percepção deste efeito nos adultos que os criaram ajuda a que estes se reposicionem, interpretando a obsessão com a aprovação dos outros como algo infantil a ser superado.

Talvez valha a pena separar aqui os ageless, ou seja, aqueles que não se acostumam nem se submetem ao seu padrão geracional e etário, ou seja, o reconhece e transforma sua relação com o semblante, e perennials que se caracterizam pela negação da finitude e do pensamento. São trajetórias tristes de lutas para sustentar uma imagem no momento que ela cai, por adoecimento, pela impossibilidade prática ou material de mantê-la.

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E aqui há um diferencial importante de classe social: quando isso tudo cai, temos um choque de realidade, de encaminhamento tendencialmente depressivo, que estava de certa maneira previsto. Negar a morte, criar-se ilusões de vida eterna, deixar este assunto para lá, crer que a ciência ou a religião no fim vai nos salvar de tudo, são atitudes infantis que custam muito caro, mas o pior delas é que elas nos forçam a uma vida muito mais pobre do que esta poderia ser.

Não olhar para as coisas é reduzir o tamanho do seu mundo. Reduzir o tamanho do mundo causa este efeito estrutural que é aumentar o volume do ego. Com o ego grande e gordo, a vida fica mais pesada, cansativa e difícil.

O verdadeiro perennial não é o ageful, que está ciente e apropriado de sua idade, que viveu uma vida cheia de experiências, que vale a pena ser contada. Não confundir ageful, cheio de vida com age fool, aquele etariamente bobo (fool) que classifica, rotula e segrega aqueles que têm outras experiências etárias.

Infelizmente, ageful não pode ser medido pelo conceito comercial de "qualidade de vida", porque isso se traduz hoje em escalas padronizantes que nos vendem "pacotes de felicidade", como compramos pacote de férias na Disney. Trata-se de qualidade de experiência e esta só pode vir uma a uma. Trata-se do trabalho no cuidado de si, não nas técnicas de produção da imagem de si ou de administração de si. Para estas a felicidade é um efeito do trabalho consigo, não uma meta a ser alcançada. Todos os comportamentos que você descreve: alimentares, relacionais, médicos ou corporais podem ser vividos em chaves completamente distintas conforme estejamos cuidando de si ou nos disciplinando.

A palavra-chave para esta ambiguidade é "organização". Para uma a organização é mestre, para a outra ela é serva. Para uma ela é um meio, para a outra ela é um fim em si mesmo. Por isso acho tão tolo as pessoas que se dizem "todo é uma questão de se organizar para". Parece uma solução mas é muitas vezes apenas uma ilusão e um autoengano, porque tudo depende de qual lugar você se coloca em relação a "organização".

A geração millennial, tão mais a par dos processos do corpo, é especialmente sensível a marcadores temporais de sucesso e comparação. São espectadores inquietos dos perennials quando não engajados militantes do age fool. Isso leva novas gerações a um sofrimento dual entre nem cogitar a possibilidade de envelhecer (e com isso se vão as preocupações com aposentadoria, empregabilidade, planejamento familiar) e os que estão em hiperfoco com isso.

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A narrativa na qual nos "esquecemos" de envelhecer, porque estamos muito ocupados perseguindo nossos sonhos e realizando nossas aspirações, às vezes funciona como radiação ideológica para nos fazer esquecer. Esquecer do corpo, esquecer de reinventar sonhos e aspirações, esquecer de reformular as regras do jogo de nossa vida. Isso afeta muito os millennials porque eles agora estão se dando conta de como a vida digital nos foi apresentada como a radioatividade para madame Curie, que mexia com substâncias venenosas sem saber que isso iria trazer consequências trágicas.

Consequências que demoraram um pouco mais do que em outros casos para aparecer porque justamente os millennials foram a primeira geração nascida e criada com oferta digital ilimitada. Esta impossibilidade de envelhecer virou a chave pela via da conta bancária: trinta anos e nada do primeiro milhão? Vinte e cinco anos e não construí nada? Assim como me senti, e os outros me disseram massivamente que eu era um ser precoce, abençoado pelo azul de minha aura excepcionalíssima, agora eu sou também um fracassado precoce.

Como primeira geração a representar a mudança etária da pirâmide etária brasileira, tem pela frente o desafio de planejar, cuidar de si, procurar todos os tipos de suporte para ter uma nova velhice, com seu novo impacto cultural e social. O estatuto do sofrimento etário mudou, não mais algo ao que a gente se aferra de modo masoquista ou do qual exige uma distância regulamentar intransponível. Hoje há uma percepção mais clara de que há formas de sofrer que valem a pena, e outras que são apenas desperdício. As demandas são outras, há a descoberta dos aplicativos, há uma abertura para flutuações de fidelidade, de parte a parte. As separações conjugais serão menos dolorosas e o peso de ilusões menos devastador.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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