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No 1º mamódromo de SP, gays se ajoelham e rezam em pirocas desconhecidas

No 13º dia de janeiro em São Paulo, o sol até ensaiou um olá, mas o tempo ruim somado ao trânsito livre e às poucas prostitutas na Rego Freitas, no centro, prenunciavam que a inauguração do primeiro "mamódromo" de São Paulo talvez brochasse, mesmo com o flyer viralizado que causou furor nas redes sociais.

Após um segurança passar a mão profissionalmente em mim, entrei na Dédalos com mais dois caras de uns 30 anos num apertado corredor com luz baixa e música alta.

"Hoje tá R$ 49,99 a entrada e, pra comprar bebida ou comida, tem que carregar a sua pulseirinha antes, tá, querido?"

"É minha primeira vez aqui, como eu fico? De roupa ou pelado?"

Me senti um pouco freira no puteiro com essa pergunta inocente, mas clubes de sexo costumam ter regras relativamente rígidas.

O recepcionista, um rapaz de barba e sorriso grande, coloca a pulseirinha no meu braço e, com direito a carinho na mão, me explica que ali está o código para o armário. "É só digitar no tablet lá dentro. E fica como quiser, de roupa ou pelado."

Junto comigo chega também o DJ. Após montar sua mesinha entre a geladeira e um arcade dos anos 80 com "Street Fighter" na tela, ele tira a camisa e coloca o bate-estaca pra tocar. Mas o bar não chega a 7 clientes.

Enquanto um casal toma uma cerveja numa mesa afastada acariciando o pau um do outro por cima da bermuda, Ronaldo vem falar comigo, pois me acha um tanto perdido fora do labirinto. O historiador de 34 anos nas carnes magras do corpo mora em Itaquera e estava lá desde as 7h da manhã fazendo after. Eram 15h40.

"Prefiro vir aqui para beber e bater papo. Não é só o sexo. Comparado com a Chili, sou muito mais aqui. Lá ninguém nem olha pra você."

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Com cabelo black power, terço tatuado no peito e tribal no braço, ele me conta que fez muitos amigos ali, gente que, assim como ele, gosta de aproveitar os drinques baratos e a chance de um papo legal.

Uma dessas amizades é Fabrício. Usando boné em local sem qualquer nesga de sol, ele diz ter 29 anos e trabalhar como consultor de vendas. Fabrício vai fazer o caminho inverso do amigo: "Vou sair daqui 4h da manhã. A coisa agita a partir das 18h".

Tudo dentro de uma sauna gay é dúbio. Nomes, profissões, tipo de cartão de banco não importam pra ninguém. Relembro isso quando tento conversar com rapaz branco de cabelos bem pretos que parece estar em outra dimensão. Ao me dar boa tarde e já começar a passar a mão no meu ombro e no meu peito, me senti no direito de perguntar seu nome.

"Doesn't matter... Doesn't matter... Pode chamar de Gabs."

Quando digo que não estou ali pra sexo, ele logo pula fora e fica imóvel, voltando ao mundinho de introspecções. Decido então me embrenhar no labirinto do segundo andar e ver os preparos para inauguração do "mamódromo".

O labirinto

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Subo a escada e vou andando com cuidado por esses estreitos desconhecidos e, vez ou outra, trombo com algum vulto descamisado que já deixa a mão esperta pra pegar onde interessa.

Numa dessas vou parar numa parte ampla do cômodo. De um lado, uma placa amarela de chão molhado fecha a entrada de uma saleta em puro breu. Do outro, cabines sem tranca para as pessoas meterem com um pouco mais de privacidade.

Volto para o bar, onde dois gogo boys interativos dão goladas no que parece ser água e energético. O ruivo, somente de sunga e bodychain, tem o topete de fogo quase batendo no teto baixo do bar. Já o outro, um cowboy apenas de perneira, chapéu e sunga se anima quando "Funk Rave" da Anitta toca em versão remixada.

O cowboy tem nome espanhol e sangue paraense: Hernandes Filho é também ator pornô, acompanhante e é o único que permite ter seu nome verdadeiro revelado.

Agora sem sunga, ele molemente desfila pelo bar, onde todos ainda estão no máximo sem camisa, o pau pra fora está relativamente maior e mais grosso do que estaria graças a um anel peniano.

A inauguração

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Competindo com a música alta do DJ, os gogo boys avisam que estão subindo para a inauguração do tão divulgado "mamódromo".
Com o labirinto agora mais populado, vou em busca dessa sala dos prazeres que promete conforto e ergonomia para boquetes bem-sucedidos.

Encontro com facilidade: com iluminação forte vinda de 3 tablets presos na parede, o primeiro "mamódromo" de São Paulo foi inaugurado sem corta-faixa nem confete. Se deu apenas com a retirada da placa amarela de "cuidado, chão molhado".

Ao contrário do que mostrava o 3D divulgado pela Dédalos, o "mamódromo" da vida real privilegia os ativos, num caso sério de hierarquização machista das relações homossexuais masculinas.

São três poltronas de madeira para os ativos ficarem sentados com as rolas pra fora. A sua frente, uma meia parede vinda do teto serve para manter os tablets exibindo filmes pornôs. Do outro lado, ao pé de cada cadeira, um genuflexório acolchoado serve para os passivos se apoiarem confortavelmente enquanto ajoelham e rezam nas pirocas desconhecidas.

Aqui penso que cabe uma mudança na nomenclatura para corrigir um erro de ação: deveríamos chamar de passivos aqueles que são chupados e os ativos aqueles que estão agachados fazendo contorcionismo para chupar rolas alheias. Afinal, ativo é quem atua em algo, não é mesmo?

Se de início o "mamódromo" não chamou atenção dos clientes, bastou um dos gogo boys sentar ali pra ser chupado que a curiosidade ficou atiçada. Homens faziam filas de um lado e de outro para ver como funcionava aquele que prometia ser uma das maravilhas do mundo gay paulistano.

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Imagem
Imagem: Adams Carvalho/UOL

Um outro sacava o pau pra fora numa tentativa de se excitar, quase todos olhando meio torto tentando entender aquela logística nada intuitiva de cadeirinhas, tablets e sofazinhos de joelho.

Com muito voyeurismo e boquetes em um gogo boy, estava aberto o "mamódromo".

Quando olho pro lado, topo com Ronaldo, cara confusa.

"Isso não muda nada na minha vida, vou continuar tendo que trabalhar na segunda-feira."

"Não gostou?"

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"Muita burocracia pra chupar um pau."

Com "mamódromo" vazio e o calor crescendo, volto ao bar.

A tal da suruba beneficente —o dinheiro arrecadado neste evento seria doado para a ONG Bichos do Gueto— estava marcada para 16h e não foi suficiente para tirar o veadeiro da hibernação na tarde chuvosa.

Visita no sigilo

Perto das 19h o Dédalos já está mais animado. Se por uma porta entram duplas e trios, pela outra saem pessoas de mala e cuia. O rapaz do armário acima do meu trouxe de tudo, de perfume a KY.

Conforme mais gente vai chegando, o labirinto fica muito quente. O bafo de suor se mistura ao cheiro predominante de desinfetante.

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Observando o movimento de sobe e desce está Dionísio. Vindo das terras brasileiras que ainda têm frio para assistir aos ensaios de Carnaval na cidade, ele deixou o marido em casa. Está na Dédalos com um amigo.

"Não fiz nada de mais lá em cima, coisa boba. Meu marido não pode sonhar que tô aqui."

Contorcionismo pra chupar

Às 19h, o calor no labirinto estava insuportável.

Alardeado com pompa e circunstância, o "mamódromo" ainda não era um grande sucesso. Os homens suados preferiam se esgueirar por cantos escuros abarrotados de outros homens suados.

O público diverso demorou a se empolgar com o novo espaço. Mas, enfim, rolou. Foi lá que reencontrei Fabrício e conheci Edson. Agachados do lado de quem iam chupar, os dois já seguravam paus alheios enquanto tentavam encontrar a melhor posição.

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Cansado de tentar se ajoelhar, Edson se sentou com a perna aberta, as coxas abraçando o genuflexório. Mostrando que a coluna alcança o que a mente acredita, começou a chupar o pau que estava a sua frente. Enquanto isso, Fabrício, mais alto que o amigo, tentava dar seu jeitinho. Vendo que tinham uma plateia, começaram a emitir sua análise:

"Muito contorcionismo pra chupar."

"Se pra gente tá ruim, imagina pra esses ativos tudo torto nesses bancos de madeira."

"A gente pelo menos tem uma almofadinha pra sentar."

O médico Paulino, de 48 anos, também não deu nota dez para a novidade. Com cabelo levemente tingido, corpo extremamente malhado e muito botox no rosto, ele conta que teve "zero tesão" de ficar ali.

"Na cabine você pode segurar a boneca e meter a rola toda até a garganta. Ali não, fica só na cabeça do pau."

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Frequentador assíduo de cruising bar e saunas, o médico escolheu ir ao Dédalos porque ali consegue ficar menos tempo.

"Se vou na Chili, eu viro a noite e amanhã volto pro interior, vou visitar meus pais."

Descamisado, para mostrar o corpo malhado, chamava a atenção, além do peito delineado, o potinho de lubrificante adornado por um chinelo Havaiana de plástico verde-água.

Passa das 20h30 quando decido que o Dédalos já deu o que tinha que dar.

Sem faixas cortadas, discursos e com pouco uso, o "mamódromo" foi inaugurado, mas sem convencer os gays da noite paulistana de sua real utilidade.

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