Roberto Sadovski

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Opinião

'Todos Nós Desconhecidos' é drama dilacerante sobre o poder do amor

A solidão é o grande paradoxo da sociedade moderna. Ao mesmo tempo em que estamos hiperconectados, com o mundo ao alcance de um toque na tela do celular, alimentamos legiões de pessoas solitárias, isoladas em seus bunkers particulares sem precisar de nenhuma interação para trabalhar, para se apaixonar, para viver.

"Todos Nós Desconhecidos" adiciona um fator dilacerante à causa da solidão: o pesar, um desconforto constante em reconstruir pontes indisponíveis para reparação. É nesse caldeirão de sentimentos sufocantes que Adam (Andrew Scott), roteirista de televisão, conta os dias em seu apartamento num edifício quase vazio em Londres. A ideia de interagir com outro ser humano lhe causa dor quase física, ancorada por um trauma irreversível.

É nesse panorama que o diretor Andrew Haigh ("Weekend", "A Rota Selvagem") desenvolve uma história que explora o amor em toda sua complexidade - amor interrompido por uma tragédia, amor descoberto na pessoa mais improvável, amor incondicional capaz de romper barreiras e construir realidades para que ele seja, de certa forma, pleno.

'Todos Nós Desconhecidos' materializa a solidão do mundo moderno
'Todos Nós Desconhecidos' materializa a solidão do mundo moderno Imagem: Disney/Searchlight

É o dilema enfrentado por Adam quando ele, de forma relutante, rejeita o flerte de seu vizinho, Harry (Paul Mescal). A atenção de um desconhecido o impele ao subúrbio londrino onde ele cresceu, até sua casa de infância, onde Adam se reconecta com seus pais. Tudo, porém, não passa de uma fantasia, já que eles foram mortos em um acidente de carro quando ele tinha 12 anos, deixando um rastro de traumas e revelações roubados pelo destino.

Esse reencontro com seus pais - interpretados por Claire Foy e Jamie Bell - promove uma catarse em que Adam pode finalmente expor sua sexualidade, exorcizar a sombra do bullying que sofria quando criança e, finalmente, verbalizar seus sentimentos sobre amor, vida e morte. Ao mesmo tempo que intensifica a visita a seus pais, ele se abre para Harry, com quem aos poucos desenvolve uma relação afetiva de carinho e intensidade genuínas.

"Todos Nós Desconhecidos" escancara um risco enorme do diretor ao nunca se desviar do componente fantástico que conduz a história. Pelo contrário: Haigh o transforma no centro emocional do filme, materializando a dor da perda como uma barreira existencial que precisamos visualizar para depois colocar para trás. Um sonho que rouba o chão embaixo de nossos pés.

Andres Scott (no centro) reencontra seus pais (Jamie Bell e Claire Foy) de forma fantástica
Andres Scott (no centro) reencontra seus pais (Jamie Bell e Claire Foy) de forma fantástica Imagem: Disney/Searchlight
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A contradição apresentada aqui é questionar se nossa experiência coletiva como sociedade é realmente necessária para nossa evolução como seres humanos. Em vez de oferecer respostas fáceis, o texto borra a linha entre real e imaginário ao apresentar uma jornada introspectiva de um homem que busca se curar da dor. A jornada de Adam é um espelho para cada pessoa que um dia levantou a voz e ninguém estava lá para ouvir.

À frente do elenco, Andrew Scott traz uma interpretação complexa e absolutamente devastadora, criando a conexão emocional necessária para que possamos acompanhar sua fantasia. Ao mesmo tempo, ele é amparado por um Paul Mescal sublime, abraçando um personagem que é amante e confidente, mas que traz seus próprios demônios para exorcizar. É uma maneira delicada de jogar luz na realidade de jovens homossexuais que enfrentam a rejeição da família, e que tentam uma sobrevida emocional com os fragmentos emotivos que lhes restam.

Andrew Haigh combina cada um destes elementos em uma história de amor delicada, levemente surreal, sem nunca perder o foco dos sentimentos que busca explorar. O amor, como Adam e Harry descobrem, é uma tapeçaria infinita que transcende rótulos, formatos, o tempo e a própria morte. É um sentimento que alimenta nossos fantasmas e, em momentos de profundo desespero, revela a beleza das emoções humanas. "Todos Nós Desconhecidos" é um filme muito bonito. E muito, muito triste.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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