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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Drácula' por Coppola: 30 anos da melhor adaptação da obra de Bram Stoker

Gary Oldman e Wynona Rider em "Drácula de Bram Stoker" - Columbia
Gary Oldman e Wynona Rider em 'Drácula de Bram Stoker' Imagem: Columbia

Colunista do UOL

15/11/2022 14h43

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'Drácula' é uma história de amor. Um amor impossível, entre uma jovem da aristocracia britânica e um estranho, um forasteiro enigmático que lhe abre as portas para um mundo de sedução longe da repressão imposta pela sociedade. Um amor, indubitavelmente, trágico.

Esse pode não ser um resumo da história do senhor dos vampiros que o mundo aprendeu a temer desde a publicação do livro de Bram Stoker em 1897. Foi essa, contudo, a leitura de Winona Ryder ao colocar as mãos no roteiro de James Hart.

A atriz queria se reconectar com Francis Ford Coppola depois de abandonar, não exatamente em termos amigáveis, as filmagens de "O Poderoso Chefão Parte III". Um encontro cordial no início dos anos 1990 terminou com Winona entregando o roteiro de "Drácula" ao diretor. O resto, como dizem, é história.

"Drácula de Bram Stoker" é um filme, para dizer o mínimo, estranho. Coppola encarou o projeto com entusiasmo de estudante, e colocou sua imensa habilidade como contador de histórias para reinterpretar o texto clássico. A única regra era não ter nenhuma. Era passar um trator em cima de todos as versões do personagem e recomeçar do zero.

Não exatamente "do zero". Nas mãos de Coppola, "Drácula" traz um caminhão de referências artísticas e literárias. Tem fragmentos do trabalho de Jean Cocteau, em especial seu "A Bela e a Fera". Bebe da fonte do pintor simbolista Gustav Klimt. O que não existe, em nenhuma polegada de celuloide, é alguma referência a Bela Lugosi ou a Christopher Lee.

Como resultado, o filme tornou-se uma obra de arte única. Ao reinterpretar o livro de Bram Stoker, usando o ótimo roteiro de James Hart como guia, Coppola criou, de longe, a melhor versão de "Drácula" da história do cinema. Inovador à época, o filme segue ainda mais impressionante 30 anos depois de seu lançamento.

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Gary Oldman como o príncipe Vlad
Imagem: Columbia

"Drácula de Bram Stoker" é o resultado de anos de frustração. Francis Ford Coppola tornou-se um dos nomes mais celebrados do cinema americano ao criar obras-primas inquestionáveis como "Apocalypse Now", "A Conversação" e, obviamente, "O Poderoso Chefão". Nos anos 1980, entretanto, o público não respondia mais a seus trabalhos com tanto entusiasmo.

Não existe uma linha fora do lugar em filmes como "O Fundo do Coração", "O Selvagem da Motocicleta" e "Jardins de Pedra". "Tucker, Um Homem e Seu Sonho", produzido por George Lucas em 1988, é um assombro de perfeição. O resultado nas bilheterias, entretanto, tropeçava.

Talvez Coppola tenha enxergado em "Drácula" a oportunidade de recriar uma história que, antes mesmo de sair do papel, atraia atenção. Ainda assim, o diretor preferiu não se render a um caminho "fácil", simplesmente reproduzindo algo que o público conhecesse, apenas com uma nova embalagem. Para inovar, contudo, ele preferiu dar um salto para trás.

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Keanu Reeves é o insuspeito Jonathan Harker, preso na armadilha do conde
Imagem: Columbia

Em 1992, o cinema experimentava uma revolução tecnológica que mudaria a indústria para sempre. No ano anterior James Cameron havia ultrapassado os limites do que poderia ser colocado em cena com "O Exterminador do Futuro 2". Os efeitos digitais dariam outro salto em 1993 com "Jurassic Park". Coppola, por sua vez, deu de ombros.

Para "Drácula", ele deixou de lado não só essa nova tecnologia, como truques feitos com efeitos óticos como em "Superman" ou "Star Wars". Para contar uma história ambientada na alvorada do século 20, o diretor buscou técnicas que remetessem também ao começo do cinema.

A reação em Hollywood foi de incredulidade. Coppola foi firme, delegando a direção de efeitos visuais a seu filho, Roman. Foi um achado. Boa parte do visual de "Drácula" foi obtido com truques realizados no próprio set, composições visuais que não soariam deslocadas em "Viagem à Lua" de Méliès. Fumaça e espelhos.

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Figurino e direção de arte impecáveis dão o tom em 'Drácula de Bram Stoker'
Imagem: Columbia

O impacto visual, causado tanto pelos efeitos especiais quanto por outros aspectos da produção, elevou "Drácula de Bram Stoker" acima de mero produto de estúdio. A direção de arte impecável, assinada por Thomas Sanders e Andrew Precht, era palco perfeito para o figurino absolutamente perfeito de Eiko Ishioka. Ambos entrelaçados com a trilha assombrosa de Wojciech Kilar.

A conexão humana, contudo, veio com o elenco pincelado por Coppola. Winona Ryder, por óbvio, foi a escolha para viver Mina Harker. Seu noivo, Jonathan, terminou com um jovem Keanu Reeves ("Queria alguém que estivesse em posteres no quarto de adolescentes", disse Coppola). O caçador de vampiros Van Helsing ficou com Anthony Hopkins, renascido após "O Silêncio dos Inocentes".

O elemento mais surpreendente, no entanto, foi Gary Oldman. Respeitado entre seus pares por sua intensidade e total entrega aos papéis, o ator fez de "Drácula" seu primeiro grande filme para um estúdio hollywoodiano. Misterioso e sedutor, ele ressignificou a imagem do Senhor dos Vampiros como uma figura trágica. Um homem amaldiçoado por um amor perdido, dolorosamente recontado pelo prólogo criado por James Hart.

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Drácula apresenta-se mais velho que o tempo
Imagem: Columbia

Existe espaço para diversas leituras para a obra de Bram Stoker. Narrado por meio de cartas escritas por Jonathan Harker, "Drácula" pode ser visto como um filme de monstros, certamente a visão que conduziu o clássico encabeçado por Bela Lugosi em 1931, e também a emblemática interpretação de Christopher Lee para o filme da Hammer de 1958.

Por outro lado, a história de Stoker também serve como uma metáfora para os anseios que surgiam com a virada do século. "Drácula" seria uma metáfora para a dificuldade em abrir mão de tradições seculares, muitas vezes danosas, a abraçar o futuro.

O filme de Coppola segue o caminho inusitado do romance gótico. O diretor não por acaso recheou seu filme com rostos jovens e belos, ampliando o impacto da repressão sexual quando perde as amarras. Certamente é assim o relacionamento de Mina com sua melhor amiga, Lucy (Sadie Frost), esta cortejada por um trio de representantes do ideal masculino (Cary Elwes, Bill Campbell e Richard E. Grant).

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Anthony Hopkins é Van Helsing na visão de Coppola
Imagem: Columbia

Mesmo com as entrelinhas sexuais, Coppola não abriu mão do fato de seu filme ser "Drácula", e carrega no impacto nas cenas de terror. Elas incluem bestialismo (Lucy é possuída por Drácula em sua forma de lobo monstruoso), religião (a imagens das cruzes em chamas representa o escárnio do conde contra uma figura divina que o abandonou), sangue e violência. Muita violência.

Foi uma combinação irresistível. "Drácula de Bram Stoker" contrariou as expectativas mais pessimistas e tornou-se um sucesso nas bilheterias. Na verdade, o segundo maior da carreira de Coppola, estacionando alguns milhões atrás dos números de "O Poderoso Chefão".

O cinema de terror, que ainda vivia a ressaca dos slasher movies da década anterior, recuperaram seu lugar na mesa dos adultos, com os estúdios encomendando projetos mais sérios do gênero. O próprio Coppola tentou recapturar o gênio na garrafa ao produzir "Frankenstein de Mary Shelley" para o diretor Kenneth Branagh.

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Francis Ford Coppola dirige sua criatura no set de 'Drácula'
Imagem: Columbia

Poucos filmes de terror nas últimas três décadas foram tão influentes quanto "Drácula de Bram Stoker". A própria imagem do personagem, então presa ao estereótipo da capa negra e trajes de gala desde os anos 1930, ganhou outra direção com Gary Oldman, da poderosa armadura escarlate do guerreiro Vlad ao dândi nas ruas de Londres, passando pela figura decrépita que habita seu castelo amaldiçoado.

A obra de Coppola também contribuiu para a popularização da estética steampunk e apontou um caminho para o trabalho de cineastas como Guillermo Del Toro, que também equilibra requinte e cuidado em sua produção, sem nunca abrir mão do elemento humano com elenco de atores no auge de seu talento.

Curiosamente, Gary Oldman não tinha o menor interesse em interpretar Drácula. Atravessando um momento pessoal complicado no começo dos anos 1990, ele buscava trabalhar com os melhores parceiros: o nome de Francis Ford Coppola já bastou para ele entrar no projeto.

O diretor e uma frase no roteiro, que ficou cauterizada em sua mente desde a primeira leitura do texto, e que Oldman não teria paz até eternizar em filme: "Atravessei oceanos de tempo para te encontrar".