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Lendo os mais vendidos: o sofrível 'É Assim que Acaba', de Collen Hoover

Collen Hoover, autora de É Assim que Acaba. - Divulgação
Collen Hoover, autora de É Assim que Acaba. Imagem: Divulgação

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

12/09/2022 04h00

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No final de "É Assim que Acaba", Collen Hoover conta que a sua lembrança mais antiga é de quando tinha dois anos e meio de idade. Depois de escutar gritos, viu o pai arremessar na mãe a televisão da casa. "Dizia sempre que escrevia só para entreter. Não escrevo para educar, persuadir ou informar. Mas este livro é diferente. Para mim, não foi entretenimento", prossegue na longa nota que se conecta com a dedicatória do romance: "Para meu pai, por fazer o que pôde para não mostrar o pior de si. E para minha mãe, por garantir que nunca víssemos o pior dele".

Publicado em 2016 e lançado no Brasil em 2018 pela Galera Record, com tradução de Priscila Catão, "É Assim que Acaba" é o maior sucesso de uma autora que se mantém há anos como fenômeno editorial. Por aqui o livro já está na 34ª edição e se aproxima dos 500 mil exemplares vendidos, a maior parte deles neste ano. O título é figura recorrente na lista de mais comercializados do Publishnews, site nacional especializado na cobertura do mercado editorial. Não por acaso, hoje, a cada vez que a gráfica é acionada, impressionantes 50 mil novos exemplares são impressos. Nos Estados Unidos, terra natal da escritora, Hoover emplaca até seis trabalhos de uma só vez entre os dez mais vendidos de importantes veículos.

É por meio da ótica de Lily que a ficção desenrola. Após se manter em silêncio na homenagem que deveria prestar no enterro do pai, a garota observa a vida de cima do terraço de um prédio em Boston. A introspecção é quebrada ao encontrar o neurocirurgião Ryle, um cara "lindo", que "cheira a dinheiro", e dinheiro, muito dinheiro, a vontade de transar com "meu marido podre de rico", aparece como obsessão na trama. Ryle é o tipo avesso a romances por quem a jovem se apaixonará. Em todo momento a autora jogará com oposições grosseiras.

Conforme a história caminha com cenas melosas, diálogos pouco convincentes e imagens de gosto duvidoso, temos acesso ao passado da moça por meio da releitura do diário que Lily escreveu na juventude. Imaginava um ídolo como interlocutor para poder compartilhar as suas experiências e angústias. É assim que temos minúcias de seu primeiro amor e ficamos sabendo de como o finado pai era um monstro dentro de casa. De fato, "É Assim Que Acaba" mergulha em temas como violência doméstica e abuso psicológico, conforme alardeado por aí.

É Assim que Acaba, romance de Collen Hoover - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Sutileza é uma palavra que fica longe deste trabalho de Hoover, onde tudo tende ao superlativo. O rico é riquíssimo, o pobre é mendigo, novos empreendimentos viram grandes sucessos... Personagens se apaixonam arrebatadoramente ou estabelecem amizades fortíssimas poucos minutos após conhecerem alguém. Boston, cidade com quase 700 mil habitantes, soa reduzida a um vilarejo onde meia dúzia de pessoas vivem se cruzando. Não há brecha para que o leitor sonde os sentimentos de Lily, pois tudo o que é mostrado também precisa ser dito e confirmado por meio de pensamentos sempre domesticados. Cada detalhe é explicado, esmiuçado, retomado e sublinhado para o leitor.

São muitas as passagens em que Hoover acerta na inverossimilhança ao mirar na construção de personagens totalmente sinceros. Isso se acentua nos instantes em que evoca certo bordão pensado, imagino, para virar uma brincadeira juvenil entre fãs - a autora é um fenômeno nas redes sociais, vale dizer. Em "É Assim Que Acaba" tudo soa plástico demais, tudo é esquemático demais. O leitor mais ligeiro já saca como a trama irá se desdobrar 50 páginas antes do óbvio se apresentar no texto.

"Não existe isso de 'pessoas ruins'. Todos nós somos humanos e, às vezes, fazemos coisas ruins". Pitadas de autoajuda das mais baratas fazem parte do pacote que Hoover nos entrega. Em "É Assim Que Acaba" também esbarramos com subtramas cheias de pressões pelo sucesso e pitadas de empreendedorismo. A chance de um olhar complexo à tara dos estadunidenses por armas de fogo é desperdiçada. Se o assunto central da obra é notável (a violência doméstica, recordo), também é importante observar como soluções apoiadas em pensamentos bem conservadores surgem como drama a mais e, ao mesmo tempo, suposta salvação para os conflitos de Lily.

Muita gente atribui o sucesso de Collen Hoover à maneira como a escritora constrói histórias que prendem a atenção e fazem com que o leitor avance avidamente até chegar ao final do livro. Há leitores e leitores, claro. Por aqui, apenas razões profissionais fizeram com que fosse adiante nas páginas de "É Assim que Acaba".

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