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Cada uma a seu modo, Netflix e Amazon transformam streaming em TV a cabo

Não é novidade: quem lê esta coluna de Splash já entendeu que, aos poucos, as plataformas de streaming se aproximam do formato da antiga "TV a cabo", enquanto as operadoras de televisão por assinatura se apropriam de elementos do vídeo sob demanda para segurar a sua base. Nas últimas semanas, tanto Netflix quanto Amazon Prime Video mostraram que querem intensificar essa convergência.

O caso mais claro é o do Prime Video. No final de abril, em um grande evento para a imprensa realizado na cidade de São Paulo, a empresa prometeu mostrar suas principais novidades e vantagens. Ainda que tenha divulgado sim algumas estreias de filmes e séries para os próximos meses, principalmente de produções latino-americanas, havia também um outro objetivo por trás: posicionar a plataforma como um grande agregador.

Na prática, a gigante do e-commerce quer que os jornalistas passem a mensagem de que o Prime Video não é apenas "mais uma Netflix". Afinal, lá é possível assinar outros canais com conteúdo sob demanda, inclusive de outras plataformas famosas - como Max, Paramount+ e MUBI -, no que eles chamam de Prime Video Channels.

Se de um lado o usuário perde a experiência singular de cada serviço, do outro ele ganha um lugar único para visitar quando quer assistir a alguma coisa, além de ter uma cobrança centralizada. Há também a opção Loja, para alugar e comprar filmes, que é especialmente útil para ver aqueles clássicos que não estão em nenhum streaming por assinatura ou para filmes realmente recentes, que acabaram de sair do cinema (ainda que com preços mais salgados).

Quem é um pouco mais velho vai se lembrar muito bem de outro tipo de serviço que prometia ser um agregador de canais, oferecendo também filmes que acabaram de sair do cinema - o que, na época, era chamado de pay-per-view. Pois é, ela mesma: a TV paga.

Louise Faleiros, gerente do Prime Video no Brasil, em apresentação para a imprensa
Louise Faleiros, gerente do Prime Video no Brasil, em apresentação para a imprensa Imagem: Divulgação/Amazon

Essa não é, necessariamente, uma crítica. Até a própria Amazon está, ainda que timidamente, usando esse comparativo em seu discurso. E está funcionando. De acordo com informações de bastidores obtidas pela coluna, há casos em que esses parceiros conseguem um volume maior de assinaturas dentro do serviço da Amazon do que nos próprios apps individuais.

Até porque a base instalada da gigante do e-commerce é de dar inveja. No mesmo evento, a empresa informou que tem uma audiência de "20 milhões de pessoas por mês no Brasil". A Amazon não deu muitos detalhes sobre a métrica usada, mas é possível acreditar que eles estão contabilizando múltiplos espectadores únicos dentro de cada conta.

Seja como for, a coluna apurou que o número fez burburinho no mercado. Por um lado, causa preocupação - ainda mais porque a Amazon pode oferecer um pacote barato para fidelizar o consumidor com o objetivo de fazê-lo gastar mais na loja online, com o Prime Video funcionando como parte da estratégia de captação e retenção do público. Ao mesmo tempo, ter tanta gente navegando em um mesmo lugar facilita a vida de quem quer vender o seu canal dentro da plataforma;

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Em um mundo pulverizado como é o vídeo sob demanda, os norte-americanos criaram um produto forte. Agora resta tornar as opções de compra dentro do serviço menos confusas e frustrantes para o público - e é isso que eles estão buscando com eventos como esse para a imprensa. Ah, sim: também é preciso torcer para que o toque moderno da tecnologia não deixe ninguém sentir o eventual cheiro de naftalina.

O curioso caso da Netflix

Em Los Gatos, na Califórnia, onde fica a sede da Netflix, o caminho escolhido é completamente diferente - ainda que também se assemelhe ao TV paga.

A pioneira do streaming sempre procurou se posicionar como uma companhia de tecnologia inovadora, que veio para revolucionar não só a forma como o conteúdo é disponibilizado, mas também como ele é consumido pelo público. Parte dessa estratégia, chamada de disrupção, passou por encantar investidores com novas métricas. De forma quase que única, a Netflix revela trimestralmente o seu número de assinantes, o que ressaltou um crescimento vertiginoso em seu começo. Hoje são quase 270 milhões de lares com o serviço - que afirma ter uma média de dois espectadores por casa, o que dá uma audiência de cerca de meio bilhão de pessoas.

"Nenhuma empresa de entretenimento jamais programou nesta escala e com essa ambição antes", gabaram-se na última carta aos investidores, divulgada em abril. Voracidade essa que iniciou uma verdadeira corrida pelo streaming, com conglomerados de mídia como Disney, Paramount e Warner se vendo praticamente na obrigação de competir.

Isso está acabando. Na mesma carta, a companhia diz que irá parar de divulgar o número de assinantes a partir de 2025, assim como o valor médio que ganha por membro. Oficialmente, diz apenas que essa medição não faz mais o mesmo sentido que tinha lá atrás, quando geravam pouca receita ou lucro. O monstro que a Netflix tanto alimentou será deixado de lado.

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"Nós evoluímos e vamos continuar evoluindo, desenvolvendo nosso modelo de receita e adicionando coisas como publicidade e nosso recurso adicional para membros, coisas que não estão diretamente ligadas ao número de assinantes. Também evoluímos nossa precificação e planos com múltiplos níveis, com diferentes pontos de preço em diferentes países. Acredito que esses preços se tornarão cada vez mais diferentes. Portanto, cada membro adicional tem um impacto comercial diferente. E tudo isso significa que a simples matemática histórica que todos nós fazíamos, número de assinaturas vezes o preço mensal, está cada vez menos precisa em capturar o estado do negócio." Greg Peters, co-CEO da Netflix, em conferência com investidores

Há o outro lado dessa equação, é claro. Neste primeiro trimestre do ano, a Netflix teve o maior crescimento desde 2020, em grande parte motivado pela restrição e cobrança no compartilhamento de senhas. Vão sair por cima, podemos dizer.

O objetivo da empresa agora é ampliar as transações de um outro produto: você. Desde que passou a oferecer um pacote mais barato, com anúncios, o espectador também foi transformado em objeto de venda, que é comercializado para os anunciantes. A Netflix diz que 40% dos novos contratos são desse plano, mas há ainda um longo caminho para garantir que o produto seja um sucesso, incluindo aí a atração de grandes verbas publicitárias. Tudo isso impacta na receita por assinatura e parar de divulgar quantos estão na plataforma é um caminho para tirar o foco disso.

Greg Peters, co-CEO da Netflix: "Nós evoluímos"
Greg Peters, co-CEO da Netflix: "Nós evoluímos" Imagem: Divulgação/Netflix

Curiosamente, o movimento tira o caráter "sexy" da Netflix, por mais que ela continue ampliando o faturamento e o lucro. O crescimento vertiginoso de assinantes sempre foi a métrica mais sedutora, tanto para o público quanto para o mercado.

O que fica? "Mais um" grupo de mídia e entretenimento. Se observar atentamente, verá uma companhia que oferece seu canal ao público e, ao mesmo tempo, comercializa essa audiência para anunciantes. Isso lembra bastante as antigas programadoras, que eram as empresas por trás dos canais pagos. A diferença é que elas não vendiam seu produto diretamente, mas sim por meio das operadoras. E quem tenta ser uma versão atualizada desse modelo é justamente a Amazon.

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E é assim que, em pleno 2024, essas duas gigantes da internet nos fazem reviver o passado. Pelo menos agora é mais fácil cancelar o streaming do que era na época da antiga TV a cabo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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