Flavia Guerra

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'Assassinos': DiCaprio e Gladstone contam como filme virou história de amor

Indicado a 10 Oscars, "Assassinos da Lua das Flores" tem em Lily Gladstone sua maior chance de levar uma estatueta neste domingo (10), quando a premiação ocorre em Los Angeles. Se Emma Stone, genial em "Pobres Criaturas", levou o Bafta, Lily levou o "Oscar dos colegas de profissão", o SAG (Screen Actors Guild), deixando a categoria de Melhor Atriz como uma das mais disputadas deste ano.

De toda forma, Emma já tem um Oscar por "La La Land", e o "momentum", como se diz em inglês, favorece com justiça o trabalho de Lily, que pode se tornar a primeira atriz de origem indígena a levar o Oscar de Melhor Atriz para casa.

No longa de Martin Scorsese, ela vive a indígena da nação Osage Mollie Burkhart, que se apaixona pelo veterano da Primeira Guerra Ernest (Leonardo DiCaprio) e que por ele é traída de várias formas. É na história de amor entre Mollie e Ernest que reside a alma e o coração, partido e traído, de "Assassinos". Muito por isso, a cena que, sem spoiler, fecha esta grande saga, antes do genial epílogo, é uma troca de olhares certeira entre os dois personagens.

Tão patético quanto nocivo, Ernest é esta figura que trai e envenena um amor genuíno a serviço de um plano de dominação moldado por seu tio, o poderoso fazendeiro Bill Hale (Robert De Niro, também indicado ao Oscar) para matar, de várias maneiras (algumas explícitas e outras disfarçadas), os indígenas que detêm uma imensa fortuna no Colorado por conta da presença de petróleo em suas terras.

Leonardo DiCaprio e Lily Gladstone em "Assassinos da Lua das Flores": história de amor e traição real e metafórica
Leonardo DiCaprio e Lily Gladstone em "Assassinos da Lua das Flores": história de amor e traição real e metafórica Imagem: Apple TV / Divulgação

Ora se casando com as mulheres indígenas e penetrando no seio das famílias e as envenenando (literal e metaforicamente), ora conquistando a confiança dos homens indígenas e também os traindo, os brancos vizinhos aos Osage, os brancos locais, na verdade, promovem um verdadeiro genocídio que por anos permaneceu sem investigação devida, e a história só muda quando os próprios indígenas decidem tomar providências drásticas.

Cego diante da influência do tio e de sua própria ganância e fraqueza de caráter, Ernest é o típico idiota útil na mão do poder colonizado e muito tarde entende que traiu não só ao povo Osage mas talvez a si mesmo.

"Essa história de amor pode servir como um microcosmo. E uma ótima analogia para o que estava acontecendo na História na época", disse Lily Gladstone em entrevista a Splash. "Quando eu, Marty e Leo conversávamos sobre o tom do filme, que seria muito mais sobre a história de amor e menos sobre o FBI, acho que citei "O Americano Tranquilo", de Graham Greene. E aquele triângulo amoroso sendo uma analogia para o que estava acontecendo na Guerra do Vietnã e os interesses coloniais na época. E eu acho que foi provavelmente quando Marty disse: "Sim! É isso!".

Ainda assim, de uma forma tão misteriosa quanto a psique humana, Ernest e Mollie, na vida real e no filme, viveram uma história em que houve amor. Scorsese contou, em entrevista da qual Splash participou, que, ao visitar o povo Osage e também conversar com a população local, entendeu nuances cruciais.

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"As pessoas envolvidas ainda estão vivas. Isso significa que as famílias ainda estão lá, seus descendentes ainda estão lá. E então, o que eu aprendi a conhecê-los, a encontrá-los, a jantar com eles. Margie Burkhart, que era parente de Ernest Burkhart, apontou e várias outras pessoas apontaram que eu tinha que entender que muitos caras brancos lá, muitos europeus-americanos, particularmente Bill Hale, eles eram bons amigos. Um cara disse: 'Henry Roan foi seu melhor amigo e ainda assim ele o matou'. E as pessoas simplesmente não acreditaram na época que Bill seria capaz de tais coisas. E então, o que há em nós humanos que nos permite ser tão compartimentados de uma certa forma?"

Lily Gladstone (Mollie) e Martin Scorsese no set de "Assassinos da Lua das Flores"
Lily Gladstone (Mollie) e Martin Scorsese no set de "Assassinos da Lua das Flores" Imagem: Divulgação / Apple Original Films

O cineasta ainda apontou que Margie afirmou que Ernest, seu ancestral, "adorava Mollie, e Mollie amava Ernest. É uma história de amor." Segundo Scorsese, "foi nesse momento que o roteiro mudou e este ponto entrou na história. E foi aí que Leo decidiu, em vez de interpretar Tom White (policial que investiga e desvenda todo o esquema de crimes, vivido por Jesse Plemons), viver Ernest."

Foi também nesse momento que tanto o cineasta quanto DiCaprio entenderam que era preciso olhar a história de dentro para fora para que o público também entendesse que como uma história de traição do povo indígena pelo povo branco também era a traição de uma mulher pelo seu marido. "É uma história de cumplicidade, do pecado da omissão, sabe? Cumplicidade silenciosa em alguns casos. Isso nos deu a oportunidade de ampliar o olhar e contar a história de dentro para fora", completou o cineasta.

Já DiCaprio observa que foi um amor real. "Era de verdade. E o coração da história estava entre Molly e Ernest e esse tipo de sonho americano corrompido. Os Osage se tornaram as pessoas com a maior riqueza per capta do mundo. E então há esse submundo de uma espécie de vermes brancos que entraram nesta comunidade. Para tentar tirar o máximo de proveito que pudessem. No entanto, no coração disso estava essa história de amor muito distorcida", declarou o ator.

"E quando você diz história de amor, foi uma verdadeira história de amor. E isso veio de nossas conversas com todos da Nação Osage, que disseram que havia uma conexão real entre esses dois. Eles tinham amor um pelo outro. Por mais bizarro que possa parecer, essa conexão era real. E nós sabíamos que, se a gente mergulhasse nesta história, a gente iria mais fundo até o coração da verdade, do que realmente aconteceu."

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Em tempo, o livro que narra essa história e que serviu de base para as pesquisas iniciais do roteiro é "Killers of the Flower Moon: The Osage Murders and the Birth of the FBI" ("Assassinos da Rua das Flores: Petróleo, Morte e a Origem do FBI") em que o autor David Grann conta justamente o caso real de uma série de assassinatos ocorridos na região de Osage Nation, em Oklahoma, nos anos 1920.

JaNae Collins, Lily Gladstone, Cara Jade Myers e Jillian Dion, que vivem irmãs indígenas em "Assassinos da Lua das Flores"
JaNae Collins, Lily Gladstone, Cara Jade Myers e Jillian Dion, que vivem irmãs indígenas em "Assassinos da Lua das Flores" Imagem: AppleTV Plus/ Divulgação

As atrizes Cara Jade Myers (Anna), Jillian Dion (Minnie) e Janae Collins (Reta), que interpretam as três irmãs de Mollie, também conversaram com Splash e falaram da importância da presença indígena no cinema hollywoodiano, tanto na frente quanto atrás das câmeras.

"Foi importante encontrar amor não apenas entre personagens, mas também entre nós, para construir uma confiança, e depois colocar todo o nosso ser e amor nos personagens. E interpretá-las com autenticidade para as próprias mulheres. Porque eram mulheres de verdade", declarou Jillian Dion.

"Quando eu estava representando Minnie, eu estava realmente tentando sentir como teria sido, sabe, ser envenenada até a morte. Infelizmente, é uma coisa tão horrível. As pessoas só querem ser vistas e ouvidas. E acho que era isso que essas mulheres queriam. Mas, infelizmente, foram vistas e ouvidas de uma maneira muito trágica", acrescentou.

Já Jesse Plemons, que vive o agente do FBI Tom White, conversa sobre o caráter de seu personagem e seu papel na trama e sobre o quanto a relação dele com Ernest passa em encontrar humanidade em um homem tão desprezível.

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"E ele reconheceu que havia essa parte dele que, sabe, tinha amor. E de alguma forma definitivamente em relação aos filhos dele. Mas sinto que ele pensou que esse poderia ser o caminho dele", disse Plemons.

Talvez Ernest, o real, mas também o de DiCaprio, tenha entendido tarde demais. "Assassinos da Lua das Flores" infelizmente perdeu força na temporada do Oscar e não deve levar muitos prêmios, mas se Lily sair premiada e se a trilha sonora do longa, que marca compassadamente o clima pesado que dá o tom não só a esta história mas toda a História de violência e traição da formação da América Latina, já haverá alguma justiça em como este capítulo da humanidade foi escrito e narrado.

Splash no Oscar

Acompanhe a live do Oscar no canal do YouTube de Splash e na home do UOL! Ela acontece no domingo, dia 10 de março, a partir das 20h. A transmissão conta com a presença de Roberto Sadovski, Flávia Guerra, Luiza Brasil e a repórter Fernanda Talarico.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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