Em 'The New Look', Juliette Binoche é Chanel na Paris ocupada pelo nazismo
Ainda que a série "The New Look", em cartaz na Apple TV+, equilibre bem as trajetórias de Christian Dior e Coco Chanel durante o período em que Paris foi ocupada pelos nazistas em plena Segunda Guerra Mundial (de 1940 a 1944), as tantas contradições da estilista são um dos pontos altos da trama.
Enquanto Dior (Ben Mendelsohn), mais jovem que ela, já era um estilista respeitado mas ainda longe de ser o ícone que se tornou, Chanel já era um grande nome da moda internacional quando a capital francesa foi tomada pelos alemães e o icônico hotel Ritz, onde ela morava, tornou-se também a casa dos oficiais nazistas de alto escalão.
Chanel fechou as portas de sua maison em 1939 e se recusou a criar e vender para os inimigos. Dior era empregado da maison de Lucien Lelong (John Malkovich) e continuou a criar vestidos para as mulheres dos únicos que davam grandes festas durante o conflito, ou seja, os alemães. Parte do que recebia ele dava à irmã e para sua causa, Catherine Dior (Maisie Williams, de "Game of Thrones"), que lutou na Resistência Francesa, foi presa e mandada para o campo de prisioneiros de Ravensbruck.
A partir deste episódio traumático, Dior passa a concentrar todas suas forças em tentar descobrir o paradeiro da irmã e tentar salvá-la. Enquanto isso, Chanel divide-se entre o drama de salvar seu sobrinho André Palasse (que ela criou após sua irmã se suicidar quando ele ainda era criança), depois que ele foi capturado pelas forças alemãs, e defender seus interesses como estilista e empresária.
Ela acaba se envolvendo com um oficial alemão, o barão Hans Gunther von Dincklage, ou Spatz (o ator Claes Bang), recorre à Lei Ariana para retomar o controle de sua marca de perfumes, que abriu em sociedade com os irmãos e empresários judeus Paul e Pierre Wertheimer. Sua trajetória vai se complicando e se entrelaçando cada vez mais com os nazistas. Ela é acusada de colaborar com os nazistas e enfrenta a opinião pública e suas próprias convicções.
Entender e não simplificar
Juliette Binoche encarou o desafio de entender o que levou a estilista francesa a se aproximar dos oficiais nazistas que circulavam pelo hotel Ritz, que ela chamava de casa e onde morou, inclusive, durante o conflito.
"Entendo as questões morais sobre alguns dos comportamentos ou as escolhas que ela fez. Mas eu, como atriz, precisava entendê-la mais profundamente. Para dar humanidade a ela. Porque é muito importante para o público acompanhar o que está acontecendo em seu íntimo para entender 'por que você faz isso ou por que você faz aquilo?'", comentou a atriz a Splash.
Para Binoche, é preciso ter em perspectiva a infância pobre e traumática de Chanel, órfã de mãe ainda muito jovem, além dos dramas que enfrentou na juventude, como a morte de Boy Capel, seu grande amor e incentivador no início da carreira.
"Então você tem que fazer um mix de tudo isso para tentar entender e enxergar um ser humano, porque somos mais complexos do que apenas simplificar todos os aspectos. Quando a gente descobre sobre a infância que ela teve, é como um romance de Charles Dickens. É horrível", comentou Binoche.
Para Mendelsohn, não julgar os personagens é o grande trunfo de "The New Look", criada por Todd A. Kessler (de "Bloodline"). "Essa é a coisa maravilhosa da série. É que reconhece as contradições e dificuldades que temos no mundo. E isso só permite que os personagens sejam eles mesmos", comentou o ator australiano.
Chanel, uma sobrevivente
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Quero receberSegundo Binoche, é preciso entender o contexto. "Além de sua história, sendo mulher. No final do século 19, se você é pobre, você continua pobre a vida toda. Você é uma mulher. Você não tem futuro. De certa forma, você fica no lugar que pertence. E assim, o fato de que ela foi capaz de viver todo esse trauma, de enfrentar isso na medida em que ela ia encarando".
É inegável que os traumas e a vida dificílima que Chanel enfrentou ainda muito jovem foram decisivos para que ela se tornasse uma sobrevivente e que, seguindo a lógica do roteiro de "The New Look", fizesse o que fosse preciso para seguir sobrevivendo seja literalmente ou nos negócios, na sociedade e na moda.
"Esse traumas foram tão sombrios, tão duros, que havia algo nela que dizia:"Ok, eu vou fazer a minha vida. Eu sou uma sobrevivente. Vou fazer da minha vida o que eu quiser. E eu quero tudo. Quero uma família. Quero artistas, eu quero aristocratas. Eu quero dinheiro, quero fama, quero poder. As necessidades dela foram multiplicadas por esses eventos. E então o que aprendi, eu Juliette, como atriz é: 'Ok, eu entendo a força, as necessidades, mas cuidado porque pode isso realmente pode se virar contra você e te matar se você não tiver cuidado'", conclui Binoche.
De fato, este período se tornou outro ponto crítico, e traumático, na trajetória de Chanel. No entanto, sua genialidade e a revolução que ela trouxe para a moda e para o comportamento, dando à mulher a liberdade necessária e revolucionária, permanecem. Já a marca Dior se tornou também uma das maiores do mundo a partir da primeira coleção que o estilista lança em 1947, que traz o lendário Tailleur "Bar", que definiu não só a coleção como a moda do pós-guerra, que devolveu à mulher a feminilidade e a leveza depois de anos de austeridade.
Para quem ama moda e quer saber mais sobre os processos criativos dos estilistas, "The New Look" não é a série mais completa, pois seu grande ponto de partida é a dimensão humana de Chanel, Dior e Catherine, que se tornou heroína de guerra e foi a grande inspiração para a criação do perfume Miss Dior.
Vale citar que no elenco, outro grande nome tem papel fundamental em revelar ao mundo e definir o "The New Look", a editora Carmel Snow, da Harper's Bazaar, vivida por ninguém menos que Glenn Close.
Produção de época impecável, que recria com perfeição os looks e figurinos da época (figurino, aliás, assinado por Karen Muller Serreau),
"The New Look" vem ganhando tanto fãs apaixonados quanto espectadores frustrados, que queriam mais moda, menos melodrama, mais nuances ou menos nuances. Não há consenso, mas o fato é que é sempre interessante ver um tema já tão explorado (o da Segunda Guerra) sob novas lentes e perspectivas.
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