'Mestres do Ar' faz pensar em por que ainda precisamos de filmes de guerra
Quando pensamos que todas as histórias da Segunda Guerra já foram contadas ou que o público está de fato saturado, surgem novas abordagens para provar que sempre há o que ser dito sobre guerras. Este é o caso do genial "Zona de Interesse"(que concorre a cinco Oscars), do ousado "The New Look", que une Coco Chanel e Christian Dior em uma história da Paris ocupada pelos nazistas, e também de "Mestres do Ar".
A nova série produzida por Steven Spielberg, Tom Hanks e Gary Goetzman, se não traz uma abordagem completamente inovadora em sua temática (afinal, é mais uma produção e uma história clássica sobre o maior conflito da História), é tecnicamente impecável e conta com honestidade a história de jovens comuns que integraram uma das mais perigosas divisões e missões da Segunda Guerra: os Bloody 100th.
Como afirmou o ator britânico Callum Turner em entrevista a esta coluna (confira no vídeo), "Essa foi a zona de guerra mais volátil de todos os tempos" e, a cada missão dos B-17 que decolavam, poucos voltavam. 77% ou morriam ou eram feridos."
Para entender melhor o quão surreal eram as missões dos Bloody 100th, é preciso entender que seus oficiais realizavam bombardeios estratégicos ultra arriscados durante o dia sobre a Alemanha nazista (os ingleses, por exemplo, bombardeavam à noite), tornando-se alvos fáceis, e enfrentavam condições hostis do frio, a falta de oxigênio e horror dos combates que ocorriam a 25 mil pés de altitude (cerca de oito quilômetros).
Os impactos físico, emocional e psicológico que estes jovens sofriam eram, obviamente, traumático e "Mestres do Ar" nos coloca praticamente no cockpit das batalhas, em sequências filmadas ora em locações na Inglaterra ora em estúdio com uma riqueza de detalhes e veracidade que fazem desta produção um caso singular.
Mas, afinal, por que ainda precisamos, gostamos e vemos filmes e séries de guerra? Austin Butler, que em "Mestres do Ar" vive o Major Gale "Buck" Cleven sai bem da pergunta e também define bem o poder de histórias que trazem seres humanos em momentos tão críticos. "Filmes de guerra, em geral, funcionam como um espelho para a natureza. É que está ensinando a humanidade sobre si mesma de alguma forma. E assim, de certa forma, a guerra, e um filme de guerra, mostram o pior e o melhor da humanidade ao mesmo tempo. Vemos esses extremos do pior e do melhor e, assim, por disso encapsula muito da Humanidade", respondeu Butler quando questionado também sobre como se sentia sobre a relação dos filmes de guerra e a criação da mentalidade americana, que valoriza histórias de heroísmo e patriotismo.
Aguardadíssima, e já bem-sucedida (foi a maior estreia da história da Apple TV+), "Mestres do Ar" encerra uma trilogia de sucesso que aborda a Segunda Guerra Mundial de diversas perspectivas e personagens em terra, mar e ar. A saga começou com "Band of Brothers" / "Irmãos de Guerra" e "The Pacific"/ "O Pacífico" (os dois na HBO) e desta vez, como já dito, "Mestres do Ar" ("Masters of the Air") acompanha o mítico 100º Grupo de Bombardeio (o "Centésimo Sangrento"/ "Bloody Hundredth").
Além de Butler, "Mestres do Ar" tem um elenco estelar com nomes como Callum Turner (que vive o grande amigo e parceiro de Butler/ Buck Gale), Anthony Boyle, Nate Mann, Rafferty Law, o também indicado ao Oscar Barry Keoghan, entre outros. Em cartaz no Apple TV+, com episódios inéditos que estreiam toda semana até 15 de março, a série é baseada no livro homônimo de Donald L. Miller e roteirizada por John Orloff.
Em conversa com a coluna, o elenco também falou sobre os maiores desafios e comentou sobre a questão de viverem personagens que se achavam heróis, mas sim homens comuns que cumpriram com o dever em um dos momentos mais críticos da humanidade contemporânea.
"Para a gente foi uma experiência que nos fez abrir os olhos sobre quão jovens eles eram e as responsabilidades que assumiram. E como eles meio que deixaram tudo para trás muito rápido. Não havia nenhum tipo de tomada de decisão real. Foi como "nós temos que fazer isso pelo bem maior e para o nosso país. E foi como trazer o elemento como das tarefas heroicas do que eles enfrentaram, mas depois também trazer o equilíbrio, equilibrar isso com o olhar humano, humanizando-os, e mostrando que eles eram esses jovens e quão corajosos eram", comentou Rafferty Law (filho de Jude Law, aliás), que vive - Sgt. Ken Lemmons, um mecânico dedicado que, apesar de nunca voar, é essencial para que cada avião cumpra sua missão.
"E por mais heroicos que fossem, eles enfrentaram muitos desafios pessoais diariamente em tantos aspectos diferentes. Todos os membros do elenco fizeram um trabalho muito bom. Esta é uma parte muito importante da série. Esta série é sobre vê-los e entender as pessoas reais que eram e entendê-los como personalidades individuais. E não apenas como esses como pilotos heroicos porque eles eram muito mais do que isso também", completou Law.
Alegoria da humanidade
De fato, como afirma Butler, "Mestres do Ar" funciona bem como uma alegoria da humanidade. Em tempos de debates acalorados sobre a Ucrânia e Gaza, é delicado traçar um paralelo, mas de fato é para se pensar sobre o melhor e o pior da humanidade quando um conflito catastrófico como a Segunda Guerra volta com a riqueza de detalhes de "Mestres do Ar".
Spielberg e Hanks são dois apaixonados pela história do grande conflito e "Mestres do Ar" entrega o que promete já em seu título: conta a história dos mestres do ar, do ponto de vista americano e vê o conflito sem muitas nuances.
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Quero receberEram os inimigos, era salvar o mundo da barbárie e, quando o major John Egan (Callum Turner) vê pela primeira vez os efeitos em terra de um bombardeio em Londres e traça um paralelo sobre o que as bombas que despejava em alvos alemães causavam em terra, ouve da polonesa Paulina (Joanna Kulig, de "Guerra Fria"), um certeiro: "Eles merecem por todas as coisas horríveis que fizeram a meu povo."
É impossível julgar ou debater as nuances dos cidadãos civis quando o inimigo é o nazifascismo. É um inimigo óbvio e a ação tem de ser urgente. Então, não espere ponderações muito mais complexas sobre o melhor e o pior dos seres humanos.
Tom Hanks: "Foi a batalha entre o bem e o mal porque foi isso que foi a Segunda Guerra Mundial"
"A razão para fazer este projeto em primeiro lugar foi fazer um exame completo deste evento específico que aconteceu e que estava bloqueado no tempo, mas não na intenção", afirmou Hanks no material de divulgação sobre a série.
O ator completou: "A intenção era bastante primitiva. Foi a batalha entre o bem e o mal porque foi isso que foi a Segunda Guerra Mundial. Mas o livro de Don incorporou o elemento humano junto com a loucura da ideia de que aviões a hélice - movidos a gasolina, em altitudes elevadas, em temperaturas abaixo de zero, bombas que continham dinamite - poderiam atingir o alvo pretendido. Mas, no que diz respeito ao ser humano, aos que estavam nos aviões, foi 100% eficaz em quase destruir todos que encararam essa missão. A pressão sobre os homens e a divisão entre "estou seguro" ou "posso ser morto num piscar de olhos" é a mais específica quanto se pode ser. O livro de Don cobre o macro e o micro de maneira muito bonita em meio a todas essas personalidades."
Realmente, em se tratando de reconstruir com fidelidade impressionante o calor das batalhas aéreas, o desespero de quem se tornou prisioneiro de guerra ou o horror diante de quem descobre o que de fato eram os campos de concentração, "Mestres do Ar" é impecável.
Apaixonados por aviação e pelas batalhas aéreas vão se deliciar em ver as reconstituições dos aviões, batalhas e desespero dos pilotos e oficiais que decolavam sem saber se voltariam, que enfrentavam um frio capaz de quebrar os dedos sem que eles nem sentissem, que não sabiam se iriam voltar, serem feridos ou serem obrigados a saltar de paraquedas em território inimigo.
Os traumas de guerra, os vividos durante o próprio conflito, a solidão, a saudade de casa, o sonho de ser um herói e a realidade de apenas cumprir seu papel e querer sobreviver. Tudo isso está em "Mestres do Ar".
Se precisamos de mais uma série, ou história, de Guerra, talvez o mundo contemporâneo (e sua eterna estupidez diante do que é considerado inimigo) possa responder.
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