Flavia Guerra

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Opinião

Globo de Ouro aposta em 'Oppenheimer' e prova que mudou, mas não muito

Se as mudanças necessárias e bem-vindas do Globo de Ouro na direção de abrir para a diversidade e passar a ter 300 votantes de 75 países foi um acerto que sinalizou uma maior diversidade e surpresas também entre os indicados (ou finalistas), o mesmo não se pode dizer dos premiados. A bem da verdade, houve prêmios mais ousados e surpreendentes, mas já era previsto que "Oppenheimer" seria o grande vencedor da noite.

Olhando o lado positivo da primeira edição depois que o Prêmio (ou premiação) foi vendida para a Eldridge Industries (empresa do mercado financeiro) e a produtora Dick Clark Productions, houve a ótima vitória de "Anatomia de Uma Queda" na categoria de Melhor Roteiro, Lilly Gladstone levando o Globo de Ouro de Melhor Atriz por "Assassinos da Lua das Flores" e o prêmio de animação para "O Menino e a Garça", do mestre japonês Hayao Miyazaki.

Destaque especial para a premiação de Melhor Comédia ou Musical para o genial "Pobres Criaturas" em uma categoria em que quase todos apostavam no fenômeno "Barbie". Isso sem contar a indicação da finlandesa Alma Pöysti a Melhor Atriz em Comédia por "Folhas de Outono". Olhando o lado mais óbvio de uma premiação que é, sim, parte da grande engrenagem da máquina do cinema hollywoodiano, os prêmios para "Oppenheimer" sinalizam que o mundo gira e muda, mas não muito.

Melhor Ator em filme de drama: Cillian Murphy, de "Oppenheimer"
Melhor Ator em filme de drama: Cillian Murphy, de "Oppenheimer" Imagem: Reprodução/ HBO Max

Ao todo, "Oppenheimer" levou cinco dos oito prêmios que disputava. Além de Melhor Filme Drama, também venceu em direção para Christopher Nolan, ator em drama para Cillian Murphy, certamente o prêmio mais merecido, trilha sonora original em filme para Ludwig Göransson e ator coadjuvante para Robert Downey Jr.

Sem desmerecer as inúmeras qualidades de um trabalho complexo, maduro e que traz o difícil equilíbrio de ser um filme que dialoga com o grande público, mas também tem uma assinatura forte de seu diretor, "Oppenheimer" era uma escolha segura, talvez até fácil para não se errar.

Comparar trabalhos criativos, filmes ou seja o que for, é sempre injusto em sua essência. Daí o paradoxo de premiações de cinema, mas, uma vez que estamos jogando neste campo, vale tentar entender o que a maioria dos votantes valorizou em Oppenheimer e não nos demais filmes.

Leonardo DiCaprio e Martin Scorsese na exibição de 'Killers of the Flower Moon'
Leonardo DiCaprio e Martin Scorsese na exibição de 'Killers of the Flower Moon' Imagem: Samir Hussein/Getty Images

No território dos grandes mestres, Scorsese faz um épico de gente grande com "Assassinos da Lua das Flores". O apresentador mais criticado dos últimos anos, Jo Koy, até ironizou que o longa "se apropria" da história dos indígenas Osage (algo que o próprio Scorsese também ironiza no epílogo do filme), mas ao menos Lily Gladstone levou seu merecido Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme Drama e fez história ao se tornar a primeira atriz indígena a levar o prêmio. Fez também o melhor agradecimento da noite, marcada, aliás, por discursos mornos e uma certa falta de jeito de uma festa que se reinventava depois dos escândalos que puseram sua lisura em jogo.

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Lily Gladstone vence o Globo de Ouro por 'Assassino da Lua da Flores'
Lily Gladstone vence o Globo de Ouro por 'Assassino da Lua da Flores' Imagem: Kevin Mazur/Getty Images

Lily agradeceu sua mãe, presente à cerimônia, e afirmou que "minha mãe, ainda que não seja Blackfeet, trabalhou incansavelmente para levar nosso idioma às nossas salas de aula. Enquanto eu crescia, tive uma professora de inglês e Blackfeet". A atriz, que passou a primeira infância em uma reserva Blackfeet, em Montana, vive uma indígena Osage em "Assassinos" e lembrou e agradeceu à nação de Oklahoma, que atua em várias frentes do filme, da equipe técnica ao elenco. "Este prêmio é para as crianças que se viram representadas em nossas histórias, contadas por nós mesmos com nossas próprias palavras, com tremendos aliados em quem confiar."

Barbie

Ainda no terreno das contradições, "Barbie" foi o fenômeno do ano e mereceu de longe o prêmio "menos compreendido" da noite, o de "Melhor Realização Cinematográfica e de Bilheteria (Cinematic and Box Office Achievement). O vencedor de indicações em cinema, com nove, levou somente este e o de Melhor Canção Original em Filme para 'What was I made for?', de Billie Eilish e Finneas O'Connell.

"Barbie" levou dois prêmios merecidos, mas Margot Robbie não ter saído da festa com o troféu de Melhor Atriz em Comédia, que ficou para Emma Stone por "Pobres Criaturas", e de Ryan Gosling com o de Ator Coadjuvante (Downey Jr. pavimentando seu caminho até o Oscar) surpreenderam.

É na Comédia que realmente há o que se ver algo de inovador. "Barbie" era perfeito para levar esta categoria. "Pobre Criaturas" tem humor, tem ironia e faz rir do absurdo que é a humanidade, mas é filme que bem poderia estar na categoria de drama. A separação entre drama e comédia/musical não existe no Oscar e nem em várias outras premiações que vêm por aí, e aí, sim, o longa do grego Yorgos Lanthimos vai ter sua prova de fogo.

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Emma Stone venceu o Globo de Ouro 2024  de Melhor Atriz em Filme Comédia por 'Pobres Criaturas'
Emma Stone venceu o Globo de Ouro 2024 de Melhor Atriz em Filme Comédia por 'Pobres Criaturas' Imagem: John Salangsang/Golden Globes 2024/Golden Globes 2024 via Getty Images

Vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza 2023, "Pobres Criaturas" é esdrúxulo, sedutor em sua ousadia, assim como sua protagonista Bella (Emma Stone) em suas descobertas sobre o mundo e a vida, além de sua sexualidade, sua intelectualidade e seu poder em um mundo machista e classista, além de racista. É um filme único, raro, que, a exemplo dos que defendem fielmente "Oppenheimer", une o cinema autoral em sua melhor forma com a capacidade de trazer um cinemão de encher os olhos e entreter grandes plateias. A estreia de "Pobres Criaturas" no Brasil ocorre em 1 de fevereiro e o público poderá responder à aposta de Lanthimos.

Por ora, é esperar para ver se o Bafta, o Oscar e até o Critics Choice Awards (que será entregue no próximo fim de semana) vai manter o hype de "Oppenheimer" na corrida dos grandes filmes de 2023 ou se há (boas) surpresas por vir.

Irretocável, a última temporada de "Succession" encerrou sua trajetória com o prêmio de Melhor série de drama no Globo de Ouro 2024
Irretocável, a última temporada de "Succession" encerrou sua trajetória com o prêmio de Melhor série de drama no Globo de Ouro 2024 Imagem: Reprodução/ HBO Max

E as séries?

Para nao esquecer da séries, "Succession", "Treta" e "O Urso" levaram seus previstos e merecidos troféus para casa. Uma das melhores tramas familiares da década, a última temporada da "Dinastia" da família Roy levou Melhor Série Drama, batendo a também ótima "The Morning Show", a premiadíssima "The Crown" e a badalada "The Las of Us".

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E os personagens que mais odiamos amar e amamos odiar como os mimados Roman e Shiv garantiram os Globos de Melhor Ator e Melhor Atriz em Série de Comédia para Kieran Culkin e Sarah Snook. Já o eterno Mr. Darcy, Mathew Macfadyen, com seu detestável Tom Wambsgans, levou o Globo de Melhor Ator Coadjuvante em série de Comédia.

Ayo Edebiri recebe o prêmio de Melhor Atriz em Série de TV Musical ou Comédia por seu papel na ótima 'O Urso'
Ayo Edebiri recebe o prêmio de Melhor Atriz em Série de TV Musical ou Comédia por seu papel na ótima 'O Urso' Imagem: Gilbert Flores/Golden Globes 2024/Golden Globes 2024 via Getty Images

"Treta" também confirmou o hype e o espírito do tempo e conquistou o coração dos críticos. Em uma trama que reflete, com humor e desespero, o quanto estamos ansiosos, infelizes atrás de avatares de felicidade e vida perfeita (na vida e nas redes sociais) e correndo para pagar as contas e "vencer na vida", a treta entre Steven Yeun e Ali Wong rendeu merecidos prêmios de Melhor Ator e Melhor Atriz em Série Limitada, Série Antológica ou Filme para TV, além de Melhor Série da categoria.

Para fechar, a genial "O Urso", que é tudo menos comédia, ainda que faça rir (e chorar) do inferno que são as relações de família e de trabalho em um restaurante, deu a Ayo Edebiri o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante e a de Melhor Ator para Jeremy Allen White, além de levar o prêmio de Melhor Série de TV Comédia/Musical.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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