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A região suíça onde tudo é feito de teleférico

Teleférico suiço - BBC
Teleférico suiço Imagem: BBC

Larry Bleiberg

da BBC

20/06/2018 20h12

Depois de caminhar duas horas na montanha, avistei minha primeira parada - e questionei se a viagem teria valido a pena. O abrigo de madeira estava praticamente encoberto pela névoa. Mas quando abri a porta, todas as dúvidas se dissiparam. Deparei com um pequeno teleférico azul, que parecia estar apenas à minha espera.

Me acomodei no interior do veículo e tirei do gancho um telefone antigo que estava preso à parede. Do outro lado da linha, ouvi a voz fraca de uma mulher em alemão.

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"Oi. Eu gostaria de descer", pedi a ela, me perguntando se iria realmente funcionar.

A resposta veio 20 segundos depois, à medida que as engrenagens começaram a se mexer, e o teleférico deslizava para fora da cabana, flutuando sobre a floresta de coníferas, com pastos verde-esmeralda ao fundo. Me senti como uma pena que paira lentamente no ar em direção à Terra.

Uso cotidiano

Teleférico suiço - BBC - BBC
Imagem: BBC

Para as famílias de agricultores do Vale de Engelberg, localizado a cerca de 35 quilômetros ao sul de Lucerna, nos cantões suíços de Nidwalden e Obwalden, os teleféricos oferecem muito mais que vistas panorâmicas e acesso a estações de esqui. São o principal meio de transporte da população, usados para levar cargas e executar tarefas cotidianas.

Mas os Buiräbähnli ("teleféricos dos agricultores", em alemão) também transportam montanhistas, que pagam uma pequena taxa para embarcar - uma espécie de Uber dos Alpes.

"Nós chamamos isso aqui de Vale dos Teleféricos", diz Linda Schmitter, de 22 anos, que vai todos os dias para o trabalho, em Engelberg, de teleférico. No caso, ela usa as "gôndolas" da própria família.

A família dela administra uma fazenda de laticínios nas colinas acima do vilarejo de Wolfenschiessen, além de dois refúgios na montanha, que oferecem hospedagem e alimentação a visitantes como eu.

Conheci Schmitter após um longo dia de caminhada, que incluiu quatro passeios de teleférico em ziguezague, subindo e descendo o Vale de Engelberger.

O pai dela, Ueli Schmitter, da terceira geração de fazendeiros da família, ajuda os vizinhos a manterem suas "gôndolas" bem conservadas. Os teleféricos devem passar por uma inspeção governamental anual e, a cada cinco anos, por uma avaliação completa de segurança, com o auxílio de raios-X para identificar eventuais anomalias nos cabos.

Ele admite uma certa obsessão pelos veículos.

"Limpo todas as noites. E digo 'eu te amo'", diz Ueli Schmitter, com um sotaque fortemente carregado.

Embora os teleféricos da família tenham 38 anos, eles parecem bem novos. Pintados de azul e verde, são decorados com um adesivo divertido de uma vaca pendurada na porta de um teleférico. E não se trata de licença poética: ocasionalmente, Ueli prende uma cesta no fundo do compartimento para levar seu gado Dexter, que é pequeno, até o vale.

Alternativa à escassez

Os teleféricos dos agricultores se desenvolveram após a Primeira Guerra Mundial, como uma maneira eficiente de transportar suprimentos para os campos nos Alpes, além de ser uma alternativa mais barata à construção de estradas.

Por causa da topografia montanhosa e da dependência da agricultura, muitos foram construídos no cantão de Nidwalden, que possui uma das maiores concentrações de teleféricos do mundo. Eles se encontram, sobretudo, na região de Engelberg, que abriga um terço dos teleféricos de agricultores remanescentes no país.

O sistema se tornou quase público, sendo compartilhado por vizinhos para fretes e deslocamentos. Posteriormente, alguns foram abertos a montanhistas, mediante o pagamento de uma pequena taxa aos proprietários . Mas, como era difícil para os viajantes planejarem as caminhadas, o órgão de turismo local começou a vender, em 2016, um passe para usar ao longo de vários dias de trilha ao redor do vale.

Foi esse passeio que me levou na manhã seguinte até a pequena vila de Oberrickenbach, onde três teleféricos prometiam uma subida agradável até o topo da montanha. Dois eram operados por empresas, mas o meu estava logo adiante, onde um fazendeiro colocava uma carga de feno em uma plataforma sustentada por um dos cabos.

Quando pedi carona, ele entrou em um depósito e apertou um botão - um segundo cabo começou, então, a se mover. Pouco tempo depois, surgiu um teleférico vermelho desbotado. Mais uma vez, entrei no veículo e, em alguns minutos, cheguei ao meu destino. Ao desembarcar, encontrei Daniel Durrer, filho do fazendeiro, descarregando o feno que o pai acabara de mandar.

Durrer, que estava de folga do trabalho como chefe de cozinha, foi criado utilizando o transporte suspenso.

"Para mim, é natural. Quando saio para o trabalho, para a escola, para qualquer lugar, eu pego um teleférico", conta.

"Quando era criança, usava um todo dia."

A parada tinha sido, no entanto, apenas uma baldeação. Após o bate-papo, ele apontou para um veículo aberto, que parecia uma caminhonete antiga em versão de teleférico, com uma proteção de madeira removível na lateral. Me acomodei e, quando a "gôndola" começou a subir, Durrer se despediu.

Turismo agradável

Suiça - BBC - BBC
Imagem: BBC

No topo da colina, uma trilha sinuosa pela floresta levava até o café de uma queijaria rústica, onde a dona, Barbara Wismer, parecia ansiosa por companhia. Ela me serviu um prato de queijos cremosos, com nozes e um pão que tinha acabado de sair do forno.

Me contou também como deixou o emprego em um banco de Zurique para ir viver com o namorado na montanha. Da primavera ao outono, eles moram ali, gerando eletricidade a partir de um fogão a lenha. Todos os suprimentos chegam por teleférico.

É uma vida simples, mas que está ameaçada.

Nos últimos dez anos, o número de teleféricos no Vale de Engelberg foi reduzido à metade, passando de cerca de 100 para pouco mais de 40. Segundo Ueli Schmitter, a queda se deve à iniciativa do governo de retirar os teleféricos das comunidades servidas por estradas. As linhas que cruzavam o vale eram consideradas uma ameaça para os helicópteros e parapentes, além de onerosas para serem fiscalizadas.

Talvez seja o progresso. Mas, logo no início da viagem, eu entendi por que os moradores querem manter o meio de transporte.

Ao caminhar pelo vale, avistei uma "gôndola" azul de quatro lugares que levava para uma montanha. Não resisti e resolvi entrar. Ao desembarcar, fui recebido por um casal, os dois netos e um cachorro, que esperavam para descer. Meu plano era dar meia volta e retornar com eles, mas a família sugeriu que eu conhecesse outro teleférico, a 20 minutos dali, e me mostrou o caminho.

Finalmente, encontrei a segunda "gôndola" - e uma placa em alemão. O aviso, escrito à mão com letras vermelhas garrafais, dizia: Achtung!. Não demorou muito para eu entender seu significado. A linha estava fechada para manutenção.

Wolfenschiessen, para onde eu estava indo, ficava a quase 365 metros para baixo. E eu ia ter que andar.

A trilha atravessava um campo e, na sequência, descia um desfiladeiro profundo em ziguezague. Estava escurecendo e começando a chover. De repente, o caminho ficou cheio de pedras, íngreme e escorregadio, me obrigando a segurar em galhos de árvores para amortecer a descida.

Quando finalmente cheguei ao vale, estava cheio de lama e encharcado. O que poderia ter sido um percurso de cinco minutos levara quase uma hora. E, assim como o fazendeiro Schmitter, eu estava pronto para declarar meu amor ao teleférico.