São 9 horas da manhã de uma segunda-feira de julho e o verão europeu está a todo vapor — em alguns momentos o calor e a umidade chegam a ser insuportáveis. Enquanto a cidade que foi literalmente tomada pelos turistas desde junho começava a acordar, fui encontrar Monica Poli, de 57 anos, na estação do trem, o principal meio de transporte dos batedores de carteira — os tais pickpockets do meme — para chegar na ilha.

Na minha cabeça, já imaginava ela chegando aos gritos de "Attenzione pickpocket! Attenzione borseggiattrici!". O alerta aos turistas sobre batedores de carteira em Veneza viralizou nas mídias sociais na voz forte e estridente de Monica, foi parar em mix de música eletrônica, virou meme na internet e conquistou inclusive o basquete da NBA. Alguns times usaram a voz de Poli em vídeos para indicar bola roubada.

Nosso ponto de encontro era a escadaria em frente à estação e ela chegou com uma pontualidade britânica. Monica é baixinha, tem cabelos loiros curtíssimos e olhos azuis da cor do céu que ela tenta esconder atrás de um par de óculos escuros. "É o sol que me incomoda muito", diz.

A gente trocou duas palavras rapidamente e fomos para o bar que fica na parte de trás da estação. Monica escolheu a dedo a mesa em que iríamos sentar para fazer a entrevista. Fica em um ângulo meio escondido, mas de onde ela conseguia ter uma visão privilegiada de quem passa por ali.

Ela pousa os óculos sobre a mesa e, com um olhar atento, não perde um minuto sequer de atenção. Fuma, conversa com a reportagem e observa sem parar os transeuntes.

"Não tinha ideia da dimensão que isso tomaria. Em poucos dias o vídeo chegou a mais de 60 milhões de visualizações", conta Monica, que de manhã trabalha com limpeza e, nas tardes, passeia pelas vias de Veneza filmando os batedores de carteira.

Seu rosto hoje é conhecido e alguns turistas até param para cumprimentá-la, mas ela garante que continua com os pés no chão pois sabe que a fama é repentina e que amanhã tudo pode voltar ao normal.

"Todos podem ser vítimas dos criminosos", diz Monica. Ela, inclusive, já caiu na rede deles e foi vítima de violência física. "Uma vez me roubaram e me bateram."

Alguns dias depois que a encontrei em Veneza, outro ataque à "justiceira dos memes" ganhou os noticiários. No dia 17 de agosto ela teve seu celular furtado enquanto fazia uma de suas vigílias antirroubo na Piazzale Roma.

Monica me conta que o problema é muito mais comum do que se imagina e que essa rede de criminosos atua não só em Veneza, mas em toda a Itália e em outros países da Europa e que hoje, graças ao vídeo viral, outros grupos de cidadãos estão fazendo rede e divulgando entre si e nas mídias sociais o rosto desses pickpockets.

"A gente já postava os vídeos no Facebook mas em páginas seguidas somente por gente de Veneza e poucos turistas. Tive a ideia de abrir a conta no TikTok e, em pouco tempo, viralizamos. Nossa denúncia foi ouvida nos quatro cantos do mundo", diz.

Depois da conversa no café, saímos para a área mais movimentada da estação, onde o fluxo de turistas é um prato cheio para os batedores de carteira. Com os olhos azuis arregalados, Monica faz panorâmicas procurando especialmente garotas mais jovens vestidas como turistas comuns e mulheres grávidas: os principais perfis das borseggiattrici.

Essa é uma rede de exploração de garotas, quase sempre menores de idade, que são usadas para roubar. Elas passam a vida grávidas. Têm casos de garotas, ou melhor, mulheres, que tiveram mais de 10 filhos para evitar a prisão"

Ela se refere ao artigo 146 do código penal italiano que prevê o adiamento automático da prisão e a suspensão da sentença para mulheres grávidas e com filhos menores de um ano de idade. "Essas mulheres estão perpetuamente grávidas e não podem acabar na prisão", diz.

Para ter uma ideia, algumas mulheres têm sentenças acumuladas de 15, 20 e 25 anos de prisão. O recorde absoluto é de uma mulher de 33 anos que foi presa no ano passado em Milão e que tinha mais de 30 anos de prisão para cumprir. Ela estava grávida de seu nono filho.

Em nossa "caçada" naquela manhã, Monica observa atenta a saída do grande fluxo de turistas na estação. É nessa confusão de gente que as criminosas costumam atacar, geralmente em dupla ou grupo.

Porém, esse foi um dia da caça: nenhuma foi identificada por Monica. Sorte de muitas carteiras que puderam continuar nos bolsos e bolsas de seus proprietários.

Após a explosão midiática que fez até o New York Times lhe dedicar uma matéria, Monica e a associação também foram tachados de criminosos por divulgarem os vídeos das borseggiatrice em ação e fotos das mesmas nas redes sociais.

"Sinceramente não consigo entender por que certas pessoas se incomodam com o fato de publicarmos as fotos. Não usamos violência, denunciamos um fato, um crime, uma rede de exploração de menores de idade que são usadas para cometer esse crime", diz.

Onde foi parar a sensibilidade dessas pessoas? Em todos esses anos nunca perguntaram se essas garotas precisavam de ajuda. Por que ninguém nunca interveio? Por que essas meninas têm que roubar? É muita hipocrisia!"

Franco, o amigo comunista que faz parte da associação, também falou com a gente. O encontramos em um café próximo a piazza San Marco com outros dois companheiros um dia antes.

Ele foi taxativo ao afirmar que se sentia ofendido quando a imprensa, de modo geral, lhe perguntava sobre a questão da violação de direitos das borseggiatrice. "Sou um velho comunista que sempre lutou pelos direitos humanos. Como podem achar que estamos violando algo se o que fazemos é exatamente o contrário? Denunciamos uma rede criminosa que explora mulheres e meninas. Isso ninguém vê? Por que em todos esses anos nada foi feito?"

A solução para o problema dos batedores de carteira ainda parece estar distante. Mas enquanto ele existir, ouviremos a voz de Monica pelas vias de Veneza: "Attenzione pickpocket"