Uísque de 180 anos da rainha Vitória é mais velho do mundo (e pode ser seu)

Que a rainha Vitória, tataravó do rei Charles 3º, foi uma grande promotora da cultura escocesa (ao contrário de outros reis que a antecederam) não é segredo. No entanto, aquela que é conhecida como "a avó da Europa" —já que seus descendentes casaram e geraram herdeiros em quase todas as casas reais do continente— também teria sido fã de um "néctar" particular aos paladares ao norte da Inglaterra: o uísque.

Apesar de a predileção da monarca ter aparecido em cartas trocadas por seus funcionários anteriormente, a prova definitiva teria sido encontrada no fim de 2022 por acaso, em um aposento da adega do Blair Castle, em Perthshire, nas Terras Altas da Escócia, de acordo com informações da casa de leilões Whisky Auctioneer.

Lá, foram achadas cerca de 40 garrafas escondidas que teriam sido destiladas em 1833 e engarrafadas inicialmente em 1841. De acordo com o Livro da Casa mantido pelo castelo de 750 anos, este lote seria parte daquele servido a Vitória e seu marido, o príncipe Albert, durante sua estadia de três semanas no local, em 1844, em visita a Anne Murray, duquesa de Atholl e amiga da rainha.

Jornais da época ajudam a confirmar a tese: eles noticiaram, durante a visita da chefe de Estado, que ela teria se entusiasmado com um drinque local conhecido como Atholl Bose, uma mistura de uísque com mel.

Nem sempre o uísque "real" esteve esquecido: segundo o próprio Atholl Estate, que administra o castelo, este uísque foi reengarrafado em 1932. Agora, 24 destas garrafas potencialmente históricas poderão ser provadas pelo público a partir de 24 de novembro, quando elas irão a leilão pela Whisky Auctioneer.

O uísque mais antigo do mundo?

As garrafas encontradas são, de acordo com o Atholl Estate e a casa de leilões, o uísque mais antigo do mundo —até então o recorde mais amplamente reconhecido, embora houvesse disputas, era de um Macallan de 81 anos arrematado por mais de R$ 1 milhão.

De acordo com informações do Scotch Whisky Research Institute —entidade de pesquisa de Edimburgo estabelecida pelas principais destilarias escocesas para avaliar e estabelecer parâmetros de qualidade para a bebida— obtidas pela revista Food & Wine, a análise científica do uísque encontrado no Blair Castle aponta que ele foi destilado a partir de grãos cultivados antes de 1955, com "alta probabilidade" de ter ocorrido no início dos anos 1800. Por isso, ele foi considerado autêntico pela organização.

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Documentos encontrados no Blair Castle e nos arquivos do Atholl Estate revelaram que as garrafas eram parte da adega quando a rainha Vitória esteve por lá
Documentos encontrados no Blair Castle e nos arquivos do Atholl Estate revelaram que as garrafas eram parte da adega quando a rainha Vitória esteve por lá Imagem: Reprodução/Whisky Auctioneer

As garrafas ainda teriam 61,3% álcool por volume — acima da média de 40% a 50% dos uísques contemporâneos. A Whisky Auctioneer ainda garantiu que o lote passou por datação por Carbono 14 que também colocou sua fabricação na primeira metade do século 19.

Antes da entrega aos leiloeiros, o administrador da propriedade, Bertie Troughton, confessou que provou o uísque encontrado. "Como uma família, abrimos uma garrafa e brindamos a uma dose. Foi magnífico —forte e nos transportou para uma época diferente."

O sabor do uísque da rainha

Um inventário da adega do castelo do século 19 relata ainda a presença de 72 garrafas no local, todas envelhecidas em barris de madeira. Um especialista em uísque escocês consultado pela Whisky Auctioneer para avaliar o achado, Angus MacRaild, cofundador da destilaria escocesa Kythe, rotulou a bebida como "profundamente histórica". O motivo?

[Esta bebida] é um produto notável da destilaria escocesa improvável de ser comparada a outras em termos de origem e conservação. O fato de ter sido cuidadosamente reengarrafada e [ainda] preservada em sua força natural, mantendo o frescor e o poder dessa bebida por quase dois séculos é, francamente, surpreendente

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Angus MacRaild também provou o uísque como parte de seu processo de avaliação. "Foi um grande privilégio. É um uísque destilado guiado pelo malte, com mínima influência da madeira, e de um estilo que poderia ter sido produzido a qualquer momento na Escócia até os anos 1950", ponderou ao site da casa de leilões.

"O que acho mais fascinante é que este tipo [de uísque] já existia lá atrás, até os anos 1830. Ele possui um peso claro de textura na boca, junto a um perfil de sabor que inclui fortemente características medicinais sem qualquer defumado notável ou pronunciado". O especialista ainda o considerou um uísque "prazeroso" e "enormemente carismático" — resumindo, um exemplar mais tradicional dos maltados das Terras Altas.

O leilão das 24 garrafas históricas, que serão vendidas uma a uma, acontecerá de 24 de novembro a 4 de dezembro, no site da Whisky Auctioneer. Interessados deverão preencher um formulário de antemão para receber detalhes sobre como funcionará o processo do leilão em whiskylink.co/Blair-Castle.

Especialistas dizem que é difícil prever o valor de arremate de cada garrafa da bebida, já que não existe precedente de um produto parecido. Alguns estimam um preço próximo de 10 mil libras (cerca de R$ 62 mil) cada.

A paixão de Vitória pela Escócia --e pelos uísques

Antes da primeira visita da monarca ao país, a Casa Real já comprava uísques escoceses, de acordo com uma carta de Charles A. Murray, um funcionário da rainha, a Daniel Campbell of Islay, obtida pela revista especializada Scotch Whisky. No documento de 1841, ele encomenda um barril da região para o batizado do príncipe de Gales, filho de Vitória e futuro Edward 7º.

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No entanto, teria sido na primeira visita do casal real em 1842, quando ela tinha apenas 23 anos, que o fascínio de Vitória pela Escócia — e pelo uísque — começou. Aos poucos, ela passou a conhecer diferentes destilarias e a dar um selo real de aprovação a algumas delas a partir de 1843, prática iniciada timidamente por seu tio, William 4º, dez anos antes.

Desenho feito pela rainha Vitória da própria filha vestida em típico traje escocês com tartã. A estampa xadrez, aqui exaltada pela monarca, chegou a ser proibida pela Coroa no país durante o século 18
Desenho feito pela rainha Vitória da própria filha vestida em típico traje escocês com tartã. A estampa xadrez, aqui exaltada pela monarca, chegou a ser proibida pela Coroa no país durante o século 18 Imagem: Divulgação/Royal Collection Trust

De acordo com outros registros públicos da família real, Vitória e Albert "ficaram tão chocados com as Terras Altas que decidiram voltar". Um desenho feito pela rainha de sua filha Vitória, a Princesa Real, mostra a menina no típico tartan escocês em 1844, mesmo ano da histórica longa visita a Anne Murray, que solidificou uma decisão transformadora para a monarquia: a compra do Castelo de Balmoral, residência particular da família que, nas gerações seguintes, se tornou o destino de verão da realeza.

O casal real primeiro alugou o castelo em 1848, segundo informações públicas da propriedade, sem nem mesmo ter pisado lá antes —de tão decididos que estavam em se estabelecer de alguma forma na região. Eles finalmente comprariam Balmoral e assinariam a escritura em 1852, fazendo melhorias ao projeto original nos anos seguintes.

Castelo de Balmoral
Castelo de Balmoral Imagem: Reprodução/Balmoral Estate

A partir de 1851, ainda segundo o historiador Raymond Lamont-Brown, autor de "John Brown: Queen Victoria's Highland Servant", Vitória passou a explorar mais sabores de uísques sob a orientação de seu braço direito no país, o 'highlander' John Brown. Teria sido por sua influência que a rainha começou a adicionar a bebida aos chás durante as tardes e aos menus de celebrações no castelo.

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É difícil dizer com certeza se a tradição foi passada a outras gerações, mas Elizabeth 2ª assumidamente adorava o endereço e aproveitava seu tempo em Balmoral quando faleceu em setembro de 2022.

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