Topo

Ascensão e queda do 'restaurante mais famoso do mundo'

Felipe van Deursen

Colaboração para Nossa

25/04/2023 04h00

"Era um acúmulo de veludo, rendas, fitas, diamantes e tudo mais, que eu não poderia descrever. Despir uma dessas mulheres é como uma excursão que exige três semanas de antecedência. É como mudar de casa."

A frase, atribuída ao poeta Jean Cocteau, que sabia o que dizia porque era habitué do lugar, descreve, à sua maneira, a clientela do Maxim's no começo do século passado. Inaugurado em 1893 na Rue Royale, esse restaurante era o centro social e gastronômico da Paris da Belle Époque.

É dessa época a inspiração de Woody Allen para "Meia-Noite em Paris" (2011), em que o protagonista, vivido por Owen Wilson, viaja no tempo e encontra os pintores Henri de Toulouse-Lautrec, Paul Gauguin e Edgar Degas. Eles estavam no Maxim's.

Toulouse-Lautrec chegou a desenhar alguns de seus vizinhos em noites inspiradas nas mesas do restaurante, segundo a biografia "Toulouse-Lautrec: A Life", de Julia Frey. Mas o pintor não viveu o suficiente para ver o Maxim's alçar voos maiores: ele morreu em 1901, um ano após o restaurante ganhar sua característica decoração art nouveau e virar o ímã de veludos e diamantes descrito por Cocteau.

PARIS, FRANCE - MAY 30: The Maxim's restaurant is seen closed at Rue Royale near Place de la Concorde, on May 30, 2020 in Paris, France. The coronavirus (COVID-19) pandemic has spread to many countries across the world, claiming over 350,000 lives and infecting over 5.7 million people. (Photo by Edward Berthelot/Getty Images) - Edward Berthelot/Getty Images - Edward Berthelot/Getty Images
A fachada do icônico Maxim's de Paris
Imagem: Edward Berthelot/Getty Images

Em 1905, "A Viúva Alegre", opereta mais famosa do compositor húngaro Franz Lehár, se passa no Maxim's. A obra foi um sucesso internacional, ganhou uma penca de adaptações nas décadas seguintes e até hoje entra na programação de diferentes companhias de ópera.

Com vitrais e murais de ninfas, o Maxim's continuou atraindo uma clientela refinada e poderosa nas primeiras décadas do século passado. Inclusive durante a Segunda Guerra: durante a ocupação nazista, o restaurante era o preferido de líderes como Herman Goering, comandante da Luftwaffe e braço-direito de Hitler.

Isso não caiu bem para o restaurante quando a paz voltou e os nazis foram escorraçados. O Maxim's ficou fechado por um tempo, mas em setembro de 1946 (um mês antes de Goering, já condenado, se matar na prisão), ele voltou a abrir as portas.

Grife internacional

No pós-guerra, a família Vaudable, dona do restaurante desde 1932, tratou de recuperá-lo e expandir a marca. Chicago, Tóquio e Cidade do México ganharam franquias do Maxim's, enquanto a mítica companhia aérea Pan Am, símbolo dos anos dourados da aviação comercial, passou a servir a bordo pratos do Maxim's de Paris. Quem voava no Boeing 377 Stratocruiser da Pan Am podia comer um bife cozido no próprio forno do avião e cortado na hora, na frente do passageiro.

O luxo no ar só não era superior ao da terra. Na Rue Royale, o desfile de celebridades e de trilhardários atingiu o ápice nos anos 1950. O Duque de Windsor (o tio de Elizabeth II que renunciara ao trono britânico) ia lá com a duquesa Wallis. O supermagnata Aristóteles Onassis e a lendária soprano Maria Callas, idem. Orson Welles, Rita Hayworth, Grace Kelly também frequentavam o restaurante.

Pierre Cardin (R) and guest survey construction of Maxim's, a franchise of the famous French restaurant, in New York City on September 12, 1985. (Photo by Kyle Ericksen/WWD/Penske Media via Getty Images) - WWD/Penske Media via Getty Images - WWD/Penske Media via Getty Images
Em Nova York, Pierre Cardin inspeciona obra de restaurante
Imagem: WWD/Penske Media via Getty Images

Não que o Maxim's fosse um oba-oba, um vale-tudo para essas pessoas acostumadas a verem portas se abrindo e filas se dissolvendo quando surgiam em qualquer lugar. Havia uma etiqueta, regras a seguir. Brigitte Bardot causou escândalo ao chegar descalça. Pierre Cardin, segundo Jean Paul Gaultier em um documentário de 2020 sobre seu antigo patrão, armou um barraco porque foi barrado na entrada por estar vestindo uma simples blusa de gola rulê.

Entre as décadas de 1950 e 1970, o Maxim's era reconhecido como o restaurante mais famoso do mundo. Em 1981, o governo francês decretou seu interior como um monumento histórico.

Novos tempos (não tão gloriosos)

Naquele mesmo ano, a família Vaudable procurou um comprador francês para o restaurante. Não queria que ele caísse em mãos estrangeiras. Curiosamente, abordou um empresário e estilista nascido na Itália, não na França. E, ironicamente, era o mesmo homem que havia sido impedido de entrar no Maxim's anos antes.

Pierre Cardin comprou o restaurante, mas na verdade eles já vinham numa parceria desde o fim dos anos 1970. Mestre em transformar virtualmente qualquer coisa em grife, Cardin vendia cerca de 900 produtos com o nome Maxim's em lojas dedicadas à marca, a Maxim's Boutique.

Com o merchandising em alta, o restaurante ficou em segundo plano. Pelo menos para os parâmetros que lhe deram fama.

O "New York Times" noticiou, em 1981, que os jurados do Guia Michelin "por muitos anos, rotineiramente, davam a ele a nota máxima, três estrelas. Quando surgiu o rumor que uma das estrelas podia cair, o Maxim's pediu tratamento especial. 'Queremos um símbolo especial', disse Vaudable depois, 'porque não somos um restaurante como os outros. Quando o Michelin recusou, pedi que fôssemos removidos'."

PARIS, FRANCE - APRIL 01: Maxim's Restaurant view at 'Des gens qui s'embrassent' premiere after party at Maxim's Restaurant on April 1, 2013 in Paris, France.  (Photo by Bertrand Rindoff Petroff/Getty Images) - Bertrand Rindoff Petroff/Getty Images - Bertrand Rindoff Petroff/Getty Images
A fachada do hotel em Paris durante a noite em registro de 2013
Imagem: Bertrand Rindoff Petroff/Getty Images

O Maxim's tentou dar uma carteirada, não conseguiu e acabou fora do mais prestigiado guia de restaurantes do mundo. Mas, segundo o jornal, a retirada não fez cócegas no negócio. "Reservas ainda devem ser feitas com um dia de antecedência e ainda existe um sistema de hierarquia de mesas."

Ele podia já ter deixado de ser uma referência gastronômica (há bastante tempo, diziam), mas era um destino turístico por si só. Jantar lá era um acontecimento. Fora que a marca seguiu se expandindo. Londres, Mônaco, Pequim, Genebra, Bruxelas, Doha e Rio de Janeiro ganharam franquias (mais sobre a experiência carioca abaixo).

Tal tendência seguiu nas primeiras décadas do século 21. Mais grife, menos alta gastronomia. Mais selfies, menos comida de primeira. O que, enfim, acabou levando à queda do público.

Em 2010, o Maxim's original deixou de abrir para almoço. "Nos fins de semana, garçons engravatados recepcionam a juventude privilegiada que dança, bebe, mas não janta", descreveu uma reportagem do site "Slate France". "Alguns jantares acontecem no salão quase deserto. É tudo bem triste."

Pierre Cardin morreu em 2020, mas seu grupo ainda é dono do Maxim's. Mesmo que distante dos tempos em que ditava moda, o restaurante ainda é, oficialmente, um monumento francês e um belo ponto turístico, estrategicamente localizado pertinho da Place de la Concorde.

Maxim's carioca durou pouco

"O Rio merecia um lugar como o Maxim's", declarou, em 1983, um empolgado Pierre Cardin, presente na abertura do restaurante instalado no topo da Torre do Rio Sul, arranha-céu recém-inaugurado em Botafogo. Terceiro prédio mais alto do Brasil até a explosão vertical de Balneário Camboriú nos anos 2010, o edifício carioca concentraria em seu último andar a fina flor das socialites. Um lugar que supriria, com folga, a cota de "ver e ser visto" para preencher colunas (e não redes) sociais.

A fórmula funcionou por um tempo. Mas logo os problemas surgiram. "Além de enfrentar problemas internos o Maxim's defronta-se no momento com outros dois contratempos judiciais", informava, em 1984, o colunista Zózimo Barrozo do Amaral no "Jornal do Brasil", então um dos principais diários do país.

O primeiro contratempo, segundo o colunista, era com o bar e restaurante Maxim's, em Copacabana. "O segundo, com o motel de mesmo nome, plantado no coração da Barra da Tijuca, anunciado por todos os letreiros a que tem direito. Nem um nem outro estão interessados em abrir mão do nome."

Fred Hughes standing behind Andy Warhol, who is taking pictures with a Polaroid camera, at a party held at Maxim's restaurant celebrating the Battle of Versailles fashion show. Paloma Picasso shares Warhol's table. (Photo by Reginald Gray/WWD/Penske Media via Getty Images) - Reginald Gray/WWD/Penske Media via Getty Images - Reginald Gray/WWD/Penske Media via Getty Images
Fred Hughes e Andy Warhol em registro feito no restaurante
Imagem: Reginald Gray/WWD/Penske Media via Getty Images

Em 1985, cheia de dívidas e enfrentando dois estabelecimentos cuja concorrência estava apenas nos letreiros homônimos, e não nos públicos, a franquia do restaurante francês encerrou as atividades no Rio. Nos anos seguintes, outros empreendimentos vieram de carona no nome, mas sem ligação com a marca parisiense. Eram apenas referências mais ou menos vagas.

O motel citado por Zózimo já é memória. No mesmo endereço, um prédio residencial de alto padrão será lançado.

Quanto ao bar, ele continua em atividade, na Avenida Atlântica. Nos anos 1980, já tinha 20 anos de tradição em Copacabana e era um típico restaurante de orla, bem diferente, em tudo, da alta gastronomia servida sob vitrais art nouveau na Paris do começo do século.

Em 1981, o mesmo "Jornal do Brasil" deu bastante destaque para um assalto no local. O ladrão tentou roubar o caixa, baleou o gerente na barriga, mas foi cercado e espancado pelos clientes até ficar "deformado".