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Arquiteto virou 'caçador de casas de vó' e bombou Insta com casinhas fofas

Em suas caminhadas, André Gomes procura por casinhas de vó para fotografar - André Gomes
Em suas caminhadas, André Gomes procura por casinhas de vó para fotografar Imagem: André Gomes

Carolina Unzelte

Colaboração para Nossa

29/11/2022 04h00

Quando sua esposa Natália sugeriu que fotografasse as casinhas antigas do bairro onde moram em São Paulo, a tradicional Mooca, o arquiteto André Gomes (@andredvco) torceu o nariz.

Com o trabalho voltado para icônicos edifícios da capital paulista, aquilo parecia sair do foco de seu Instagram, que tinha, à época, 25 mil seguidores.

Mas, durante a pandemia, ele caminhava apenas pelas ruas da vizinhança predominantemente residencial, para evitar as aglomerações.

"A vontade de fotografar foi maior", ponderou André, que atua como gerente operacional de um hospital e faz os registros da cidade nas horas vagas.

Casas de Vó - Instagram - André gomes - @andredvco - André Gomes - André Gomes
Imagem: André Gomes
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Imagem: André Gomes

A partir daí, ele desenvolveu um jeito especial de olhar para as casinhas, típicas construções de São Paulo entre as décadas de 1930 e 1940 — especialmente aquelas do chamado estilo missões.

Esse estilo, típico da classe média brasileira da época, não está só em São Paulo, e tem origem nas culturas hispânicas no sul dos Estados Unidos (por isso também é conhecido como estilo "mexicano").

Os portões baixos, de uma época em que a segurança era preocupação secundária, são os protagonistas. Balaústres, muros de pedra, detalhes coloridos e pórticos arqueados dão o charme às popularmente conhecidas como "casas de vó".

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Imagem: André Gomes
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Imagem: André Gomes

Mais tarde, os modernistas rechaçaram o estilo missões, chamando-o de brega e extravagante. Mas o fato é que as casinhas têm um espaço especial no coração dos brasileiros. A página de André saltou para mais de 80 mil seguidores depois da inclusão das construções em seu repertório.

"Começou essa relação de troca, com as pessoas me convidando para fotografar a rua que elas moram, ou indicar outras que conheciam", conta.

A minha relação com a fotografia é a de resgate da memória, inclusive a sentimental.

Se os registros começaram na zona leste, hoje incluem todas as regiões da cidade, com fotos de casas e edifícios na Liberdade, Santana, Ipiranga, Freguesia do Ó, Vila Madalena.

Casas de Vó - Instagram - André gomes - @andredvco - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
André Gomes transformou sua conta no Instagram em acervo de casinhas
Imagem: Instagram/Reprodução

Privilegiando a simetria e as cores, a ideia de André é capturar as fachadas de maneira isolada - isto é, sem pessoas, animais ou carros ao redor. Fugir do movimento nos registros é uma maneira de transmitir a calmaria que pode, sim, existir em São Paulo.

Por privacidade e segurança dos moradores, André não divulga os endereços que fotografa. Mas não é raro que seguidores identifiquem o local apenas por suas fotos.

Apesar do foco nas fachadas, ele também fica curioso para visitar os interiores das casas - o que já aconteceu algumas vezes. Seu catálogo de casinhas também já rendeu trabalhos com imobiliárias e até para produtos audiovisuais, com pesquisa de melhor locação para produções.

Inspiração em todo lugar

André é guiado pela espontaneidade para encontrar as charmosos locais. "Às vezes saio com destino certo, mas o mais bacana é quando não é planejado, é aí são duas sensações para mim: a da descoberta e a da fotografia em si", diz. Apesar de seus bairros preferidos serem o seu, a Mooca, e o Bixiga, na região central, ganhou afeição pelo Cambuci, ilustrado nas fotos abaixo.

Casas de Vó - Instagram - André gomes - @andredvco - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Imagem: Instagram/Reprodução
Casas de Vó - Instagram - André gomes - @andredvco - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Imagem: Instagram/Reprodução

"Outras vezes passo de carro, de transporte público, reparo em uma construção interessante e lembro de voltar", conta. "Meu lema é que a cidade é um livro. Para você ler, basta simplesmente caminhar".

Enquanto conversava com Nossa, André parou para mostrar uma composição com um fusca azul em frente a uma casa: "Olha só, está aí!".

A dica para expandir horizontes é literalmente abrir o olhar. "As pessoas não olham para cima, para baixo, para os lados em seus trajetos habituais porque elas estão preocupadas com destino, e não com percurso".

Outra maneira simples de trazer inspiração da cidade para o cotidiano, segundo o arquiteto, é andar mais vagarosamente e mudar caminhos que você faz sempre. "Ninguém sabe que novo ângulo você vai encontrar em uma nova rua", diz.

Casas de Vó - Instagram - André gomes - @andredvco - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Imagem: Instagram/Reprodução
Casas de Vó - Instagram - André gomes - @andredvco - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Imagem: Instagram/Reprodução

Até quando?

André vê seu trabalho como uma forma de catalogar algo que está com os dias contados, "para criar um acervo para pessoas consultarem e estudarem". Seus seguidores ainda se surpreendem com a existência das construções antigas na metrópole. "Tem o romantismo, mas a fotografia toca em vários pontos. Devemos mesmo derrubar essas casinhas? Será que tem limites para a especulação imobiliária?", questiona.

Em algumas vizinhanças, essas reflexões têm sido parte do dia a dia. Pinheiros, na zona oeste paulistana, por exemplo, é o bairro que concentra o maior número de alvarás de demolição nos últimos dois anos, segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento. No final de 2021, moradores lançaram um abaixo-assinado contra a verticalização inadequada, e reuniram quase 7 mil assinaturas.

Em 2021, a quantidade de prédios em São Paulo ultrapassou a de casas pela primeira vez, segundo números do Centro de Estudos da Metrópole. "A diversidade de arquiteturas é o que mais me fascina em São Paulo", diz André.

"Nada é igual, e essa diferença é o que impede a cidade de ser monótona". Um viva às casinhas de vó — e aos arranha-céus, predinhos, condomínios e mais.