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Por que os homens portugueses evitam usar cordões de ouro e outras joias?

O açoriano Romeo Bettencourt é considerado um dos mais importantes designers de joias da nova geração em Portugal - Divulgação
O açoriano Romeo Bettencourt é considerado um dos mais importantes designers de joias da nova geração em Portugal Imagem: Divulgação

Wagner Matheus

Colaboração para Nossa, de Lisboa

15/11/2022 04h00

Profissionais de moda e designers de joias brasileiros em visita a Portugal são unânimes em destacar o fato de raramente observarem homens portugueses usando cordões, pulseiras ou anéis de ouro pelas ruas ou em eventos sociais nas principais cidades do país.

Os mais curiosos, que não hesitam em perguntar o porquê a amigos portugueses e imigrantes brasileiros, ouvem, de imediato, que a falta de interesse masculino por acessórios de ouro tem razões diversas que, apesar de surpreendentes, fazem sentido dentro do contexto sociocultural do país, edificado ao longo de quase novecentos anos de existência monárquica, imperial e republicana.

A falta de segurança é descartada, de imediato, por Portugal estar entre os dez países mais pacíficos do mundo, segundo o ranking internacional Global Peace Index.

O açoriano Romeo Bettencourt, de 35 anos, considerado um dos mais importantes designers de joias da nova geração da ourivesaria portuguesa, diz acreditar que muitos compatriotas associam o uso de acessórios em ouro à necessidade demonstrar posses materiais.

O ourives Romeo Bettencourt acredita que a aversão às joias pelo homem está relacionada ao 'medo' de ostentação - Divulgação - Divulgação
O ourives Romeo Bettencourt acredita que a aversão às joias pelo homem está relacionada ao 'medo' de ostentação
Imagem: Divulgação

"Essa resistência é comum entre muitos portugueses que nunca deixaram Portugal para viver em outro país. Aqueles que emigraram para os Estados Unidos ou o Canadá, por exemplo, quando retornam para visitar suas famílias geralmente usam cordões ou anéis de ouro chamativos", diz Romeu, e completa:

São taxados de ostentadores ou exagerados nas cidades ou aldeias que deixaram para trás em busca de melhores condições de vida no exterior" Romeo Bettencourt

A paulistana Raquel de Queiroz, 54, atua no setor há quase uma década e sempre participa de eventos do setor joalheiro em Portugal. Parte das joias produzidas em seu ateliê, na cidade de São Paulo, adornam clientes europeus, principalmente na Espanha e na Alemanha.

A joalheira Raquel de Queiroz: 'Não é fácil agradar o gosto dos homens portugueses" - Raul da Mota - Raul da Mota
A joalheira Raquel de Queiroz: 'Não é fácil agradar o gosto dos homens portugueses"
Imagem: Raul da Mota

"Apesar de eu ter, há alguns anos, representante comercial em Portugal e sempre estar no país, constato não ser fácil agradar o gosto dos homens portugueses. Eu sempre me questionei sobre falta de um maior interesse em peças de ouro, principalmente cordões. No Brasil, temos algo semelhante: os homens têm o mesmo comportamento em relação a joias com pedras preciosas por, erroneamente, associarem à feminilidade. Os clientes que aceitam as gemas, em geral, optam por cores escuras, como o ônix", revela Raquel, designer com peças expostas no Museu Nacional de Artes Decorativas, em Madri, capital espanhola.

O analista de segurança da informação Nuno Cardozo, 37, nasceu em Lisboa, capital portuguesa, trabalha em uma empresa multinacional e descarta, veemente, comprar ou usar cordões de ouro por entender que "passa a mensagem de ser visto integrante de uma organização criminosa, como a máfia italiana".

Meus amigos e parentes próximos não usam por razões distintas. Alguns acham que é coisa de homossexuais. Outros temem ser vistos como ciganos, etnia associada historicamente, aqui, com atos ilegais" Nuno Cardozo

O brasileiro Diogo Dalloz abriu um ateliê próprio na cidade do Porto - Reprodução - Reprodução
O brasileiro Diogo Dalloz abriu um ateliê próprio na cidade do Porto
Imagem: Reprodução

Há cinco anos, o niteroiense Diogo Dalloz, 39, escolheu a cidade do Porto, no norte de Portugal, para abrir ateliê próprio, onde comercializa as peças que produz e customiza joias. O convívio diário com uma seleta clientela portuguesa traz constatações concretas sobre a resistência masculina a acessórios de ouro.

"Tenho clientes que gostam de joias, demonstram interesse em comprar, mas acabam desistindo por receio em serem vistos usando objetos que, no entendimento deles, não são associados à masculinidade. Esse comportamento não fica restrito ao homem: já presenciei mulheres reprovando o desejo dos maridos em levar acessórios de ouro. Felizmente, essa visão já começa a mudar, principalmente em portugueses entre 35 e 50 anos de idade", conta o empresário.

O ator Carlo Porto em campanha da coleção de joias do brasileiro Diogo Dalloz - Reprodução - Reprodução
O ator Carlo Porto em campanha da coleção de joias do brasileiro Diogo Dalloz
Imagem: Reprodução

O relato de Diogo é confirmado pelos recém-casados Ana Martins, 23, e Miguel Almeida, 25, de Tavira, cidade litorânea do Algarve, sul de Portugal. A jovem enfatiza, aos risos, que "pede divórcio de imediato" se o marido decidir usar um cordão ou anel de ouro.

"Não é coisa de homem. Nosso anel de casamento é o máximo que eu o admito usar. Meu avô usava um anel de São Jorge de ouro. Mas eram outros tempos. Jamais vi meu pai, meu tio ou meus dois irmãos usando essas coisas. Joias, em casa, só eu uso", finaliza Ana, entre risos, olhares e gestos de aprovação do jovem marido.