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Shein: pode ser a ultra fast-fashion chinesa boa, bonita e... sustentável?

O que esconde de uma das maiores varejistas de moda do mundo? A Shein foi fundada em 2008 na China e recentemente acusada por trabalhos análogos à escravidão - Reprodução
O que esconde de uma das maiores varejistas de moda do mundo? A Shein foi fundada em 2008 na China e recentemente acusada por trabalhos análogos à escravidão
Imagem: Reprodução

De Nossa

26/10/2022 04h00

"Gostou? Comprei na Shein", diz alguém no círculo de amigos quando perguntado sobre o que está vestindo. No trabalho, entre a família e nas festas não é difícil encontrar um cliente fiel da rede de fast-fashion, dominante no mercado e nas redes sociais. Não faltam publicidades atreladas a ela.

A soberania é exemplificada em números: em relatório do "Wall Street Journal", em abril deste ano, constatou-se que a varejista chinesa está avaliada em US$ 100 bilhões — o que faz com que a empresa valha mais do que a H&M e a Zara juntas. Duas das maiores no ramo.

O termo que contempla a produção da Shein na verdade vai além do fast-fashion. Considera-se ultra fast-fashion. Ou seja, ainda mais veloz — o que faz com que as roupas sejam consideradas até mesmo descartáveis. Um problema no mundo sustentável o qual a moda se esforça para se encaixar nos últimos tempos.

A estimativa é de que a chinesa disponibilize 10 mil novas peças à venda por mês, que recentemente contemplaram colaborações até mesmo com a brasileira Anitta, por exemplo.

Fundada em 2008, a Shein é conhecida por vender roupas "boas, bonitas e baratas" — quase seu slogan popular — e vestir influenciadoras no Instagram e TikTok, com mais de dois mil novos produtos adicionados diariamente.

A varejista opera em um modelo de negócios sob demanda. Ou seja, as peças de vestuário são lançadas em pequenos lotes e só são produzidas em massa caso se tornem um sucesso de vendas.

Os bastidores do fenômeno

O ingrediente de sucesso ironicamente é também onde o problema aparece. A produção em velocidade ultra favorece o comprador e seu engajamento nas redes sociais, não quem está por trás da confecção.

Foi o que expôs uma nova investigação da emissora britânica Channel 4, reportada também pela revista "The Cut".

O canal enviou um funcionário disfarçado para filmar dentro de duas fábricas em Guangzhou, na China, que fornecem roupas para a gigante do fast-fashion. Aqui, vale destacar que as portas desses locais são fechadas à mídia e ao grande público. Pouco se sabe do mundo de fora.

Em uma fábrica, o Channel 4 descobriu que os trabalhadores recebem um salário-base de 4.000 yuans chineses por mês — cerca de R$ 2,9 mil — para fazer 500 peças de roupa por dia. O pagamento do primeiro mês é retido. Em outra fábrica, os trabalhadores recebiam o equivalente a um centavo por dia — considerando a produção mensal.

Segundo a "The Cut", os trabalhadores de ambas as fábricas trabalhavam até 18 horas por dia e recebiam apenas um dia de folga por mês. Em uma fábrica, a emissora encontrou mulheres lavando os cabelos durante os intervalos do almoço. Os trabalhadores ainda eram penalizados em dois terços de seu salário diário se cometessem um erro em um item de vestuário.

Em resposta ao "Business Insider", a Shein afirmou: "Qualquer não-conformidade com este código é tratada rapidamente e encerraremos as parcerias que não atendem aos nossos padrões". O que já foi dito pela etiqueta anteriormente, em outras acusações que envolviam trabalhos análogos a escravidão. Não só ela. Como também a Zara, Nike, H&M, Puma, C&A, GAP, entre outras.

Moda "perversa"

"É muito desestimulante ver a Shein crescer tanto no mercado de moda como está crescendo", opina Giovanna Nader, consultora de moda, especialista em sustentabilidade, para Nossa. "O que está acontecendo é uma maneira muito perversa de se consumir e gerar desejo".

"Não se sabe como é praticado, como é produzido. Os prédios da marca na China são todos fechados, não temos acesso a nada que acontece", complementa ela.

Giovanna reforça que a estratégia de marketing utilizada pela varejista é um dos seus principais pontos de força: "Eles brincam com essa coisa de recebidos dos influenciadores digitais".

A consultora faz referência ainda aos vídeos com as sacolas cheias de "mimos" da Shein sendo abertas, que inundam as redes sociais com hashtags: "A gente vê regularmente esse unboxing, de abrir o presente. Como isso está virando algo comum. Os adolescentes todos fazem vários vídeos falando: 'tudo que comprei na Shein por 200 dólares".

"Eu vejo isso de uma maneira muito perversa", reforça ela, mais uma vez.

Eu mesma, por falar mal da Shein [nas minhas redes sociais], já recebi alguns e-mails da marca me dando 80 reais de compra em produtos. De vale compra. Para que eu recebesse meus produtos e divulgasse."
Giovanna Nader

O que atrai tantas pessoas a comprarem as peças? "A rapidez em traduzir tendências de moda com um preço acessível e para diferentes tamanhos de corpo", opina Giovanna.

"A moda sustentável ainda é nichada, no valor e no corpo. Não acha para corpos maiores tão facilmente, a Shein acaba ganhando nisso".

Os números de engajamento
E lucro no mercado de moda

A plataforma digital da Shein reúne milhões de usuários que gastam entre 7 e 10 minutos na plataforma em busca de roupas "baratas, boas e bonitas" - Getty Images - Getty Images
A plataforma digital da Shein reúne milhões de usuários que gastam entre 7 e 10 minutos na plataforma em busca de roupas "baratas, boas e bonitas"
Imagem: Getty Images

E ganha disparado. Além da receita anual bilionária, os números de acesso da plataforma digital da marca impressionam. No site brasileiro, como consultado por Nossa por meio do SimilarWeb, 10 milhões de usuários passaram por lá em agosto — último mês de 2022 a apresentar tais dados. A média geral de tempo gasto dentro da Shein.br é de 10 minutos.

No site dos Estados Unidos, há ainda mais visitas. São 172 milhões de usuários, que ficam na plataforma por cerca de 7 minutos. A Shein.com ocupa o terceiro lugar no ranking dos sites principais de moda e vestuário no país norte-americano — ficando atrás apenas da Macy's e Gap, que ocupam o primeiro e segundo lugar, respectivamente.

"Hoje, a Shein vende em mais de 150 países e é uma empresa avaliada em bilhões de dólares. Há dois anos, tornou-se o maior empreendimento de moda exclusivamente on-line do mundo", destaca o especialista em empreendimentos no setor têxtil Jesué Tomé.

O sucesso acaba afetando também lojas menores, ressalta ele: "As pessoas estão se adaptando aos poucos a comprar on-line e, conforme esse movimento vai acontecendo, lojas de moda que não têm marcas consolidadas ficam pelo caminho, por consequência do preço não ser competitivo comparado a players como a Shein".

Podemos dizer que a Shein não preencheu uma brecha no mercado brasileiro, mas ela se posicionou rapidamente nas redes sociais e acabou viralizando. Isso só se deu pelos baixíssimos preços. Com toda minha experiência, eu diria que é impossível qualquer varejista proporcionar os produtos que a Shein proporciona pelos preços que ela vende".
Jesué Tomé, especialista em empreendimentos no setor têxtil

Preço é o maior "rival" da sustentabilidade hoje em dia no mercado da moda - Getty Images - Getty Images
Preço é o maior "rival" da sustentabilidade hoje em dia no mercado da moda
Imagem: Getty Images

Jesué Tomé ainda diz: "A única forma de competir com ela é não competindo. A empresa trabalha fortemente os cinco pilares do MIAPE, que são Mercado, Identidade, Audiência, Produto e Estratégia".

Fast-fashion pode ser sustentável?

Para Giovanna Nader, o principal obstáculo também será o preço: "Marcas pequenas de moda sustentável não são acessíveis, porque é uma pequena produção. Mas algumas cadeias maiores de moda já colocam a sustentabilidade como um pilar maior. É importante dizer que ainda vivemos em um sistema capitalista, as empresas visam o lucro".

A consultora de moda sustentável cita algumas medidas tomadas por marcas voltadas a esse olhar: o compromisso na redução de carbono em 50% até 2030; etiquetas que abraçam populações invisibilizadas, como fazem a marca Ponto Firme, de Gustavo Silvestre, e o artista Ronaldo Fraga; e o uso do algodão agroecológico.

"É sobre apoiar população que planta esse algodão, sobretudo", diz Giovanna. "Acho que existem alguns bons exemplos, mas o obstáculo ainda fica sendo o valor das peças".