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Casa de um euro vira lar dos sonhos para arquiteta brasileira na Itália

Paula Magalhães em frente a sua casa de 1 euro, em Taranto, na Itália - Arquivo pessoal
Paula Magalhães em frente a sua casa de 1 euro, em Taranto, na Itália Imagem: Arquivo pessoal

Tainara Rebelo

Colaboração para Nossa

16/02/2022 04h00

Quem nunca se deparou na internet com aquelas ofertas de casas por 1 euro em pequenas cidades da Europa e não ficou desconfiado, que atire a primeira pedra. À primeira vista, parece ser furada, mas a proposta existe e uma brasileira arrematou uma delas em uma cidade turística da Itália.

Agora, o local histórico vai receber um toque de brasilidade em um projeto da arquiteta Paula Magalhães, uma ítalo-brasileira de 35 anos que, após 3 anos no país europeu, finalmente encontrou uma casa para chamar de lar. "Todo mundo falou que eu estava sonhando alto demais e não iria conseguir, mas foi aí que o desafio se tornou minha meta", lembra Paula.

O edital era convidativo, oferecia moradia fixa pelo preço simbólico de um euro em cidades com população predominantemente mais idosa. São locais que, em sua maior parte, foram destruídos no período das Grandes Guerras e reconstruídos de novo.

Em Taranto, onde a Paula conseguiu a casa, hoje vivem cerca de 200 mil habitantes, e é destino de viajantes durante o verão, devido às belezas naturais da região, que fica no sul da Itália.

A cidade foi perdendo sua população no final dos anos 1900, devido à construção de uma ponte que liga a parte velha à nova, mais atrativa para os jovens e a população economicamente ativa da região.

Com isso, as casas acabaram ficando abandonadas e, na tentativa de repovoar a região, de tempos em tempos as prefeituras lançam os editais das casas de um euro.

O valor é simbólico, a gente paga um euro para pegar a documentação final. Mas a proposta é apresentar um projeto residencial para o imóvel, garantir a reforma dele e fixar residência no local", explica a arquiteta.

Vista aérea de Taranto, na Itália, uma das cidades a oferecer casas a um euro - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Vista aérea de Taranto, na Itália, uma das cidades a oferecer casas a um euro
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Foram dois meses de intenso trabalho para criar um projeto que preserva a fachada histórica da casa e revitaliza todo o interior, levando-a um pouquinho mais para perto do Pantanal Sul-mato-grossense — mais especificamente Campo Grande (Mato Grosso do Sul), onde a Paula nasceu e viveu por 30 anos.

Itália de oportunidade - até na pandemia

"Eu vim para a Itália meio por acaso. Estava morando em Barcelona em busca de oportunidades profissionais, mas, sendo estrangeira, existem poucas ofertas realmente boas. Um amigo estava na Itália e eu decidi vir, já que minha casa no Brasil estava alugada", relata.

Taranto, na Itália, oferece oportunidades para imigrantes que queiram "renovar" a cidade - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Taranto, na Itália, oferece oportunidades para imigrantes que queiram "renovar" a cidade
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Por ser bisneta de italianos, ela já havia pensado em emitir a cidadania italiana, e a ocasião pareceu perfeita para que ela desse entrada nessa movimentação. Com o documento em mãos, ela poderia ficar definitivamente no país e encontrar boas oportunidades de trabalho.

Para tirar a cidadania italiana, ela teria que fixar residência por pelo menos 3 meses na cidade de Isola del Liri, onde viveu sua família. "A minha irmã veio para cá e passaríamos por isso juntas, mas uma semana depois a pandemia de covid-19 começou e a Itália era o epicentro da doença no mundo", conta.

Casas em Isola del Liri, na Itália. O primeiro local na Itália em que Paula se estabeleceu - Getty Images - Getty Images
Casas em Isola del Liri, na Itália. O primeiro local na Itália em que Paula se estabeleceu
Imagem: Getty Images

O lockdown foi decretado e as pessoas só podiam sair às ruas para ir ao mercado ou farmácia, por exemplo. Trancada com a irmã em uma casa com apenas uma janela, o desespero foi grande e sem previsão para terminar.

Por causa desse contexto, era preciso olhar mais para dentro de casa e buscar aquilo que fazia dela um lar. Foi aí que a profissão de arquiteta veio a calhar:

"A arquitetura Italiana é bem tradicional, com prédios históricos e cores sóbrias. Eu acho lindo, mas não conseguia me sentir em casa.

Então eu consertei e pintei as paredes, troquei as tubulações hidráulicas — que eram super antigas — e decorei o parapeito da janela com plantas. Logo, a casa se destacava na rua por ser mais colorida que as outras", lembra a arquiteta.

Projeto da casa de um euro arrematada por Paula Magalhães em Taranto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Projeto da casa de um euro
Imagem: Arquivo pessoal
Imóvel foi arrematado por Paula Magalhães - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imóvel foi arrematado por Paula Magalhães
Imagem: Arquivo pessoal

Um arco, um lar

Com a pandemia amenizada, as irmãs entenderam que precisavam se mudar para uma casa maior. A documentação italiana já estava concluída, mas nada de emprego fixo ainda.

Foi em outra cidadezinha, na Calábria, que elas encontraram uma casa completamente danificada, mas que aceitava moradores, caso eles reformassem o lugar.

Minha irmã e meus colegas só viam um lugar cheio de entulhos e fedido... eu via um arco lindo em cima da lareira e visualizei um local pronto para se tornar habitável. Aí entendi que eu era destemida e que conseguia transformar aquele entulho em casa. Topei na hora", afirma Magalhães.

Juntas, elas pintaram, limparam, refizeram a tubulação de água — que passava embaixo da lareira para aquecer a água —, o piso e deram uma nova vida ao local. Mas ainda faltava algo.

"O dono morava da casa ao lado e, na verdade, ele não queria que a gente morasse lá, porque ele usava a casa como depósito. Então comecei a pesquisar emprego, casas em outros locais e soluções que fizessem a gente sair dali o mais rápido possível.

Foi assim que encontrei o edital da casa de um euro e falei: não interessa como, eu vou conseguir uma dessas casas", recorda.

Um euro e muita criatividade

Projeto da casa de um euro arrematada por Paula Magalhães, área interna - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O edital trazia 9 casas na cidade de Taranto. A que ela queria era um sobrado de frente para a rua, com vista para o encontro das bacias águas do Mar Jônico, uma localização privilegiada. A vizinhança era habitável, segura, e o local um sonho. Logo, era a casa mais disputada do edital, com 27 candidaturas.

Todo mundo que eu contava sobre isso falava que era impossível eu conseguir, que era furada e, que se fosse verdade, era muito difícil. Mas a arquitetura é a minha paixão e transformação é o que eu sei fazer. Encarei com tudo", diz.

O futuro morador tinha o dever de se preocupar com toda a história do local do lado de fora da casa, mas dentro, o único requisito era ser uma moradia fixa. "Eu foquei em desenvolver todos os itens que concediam maior pontuação e adicionei uma solução de potencial de eficiência energética da mais alta classe, trazendo sustentabilidade e modernidade ao projeto", explica.

Já na decoração, o refúgio brasileiro com uma seleção de cores vivas, plantas, obras de arte de colegas pantaneiros e móveis modernos para contrastar com a fachada rústica, um oásis em meio ao cenário italiano.

"Essa casa não é só uma casa, é a possibilidade de unir o meu trabalho com um local em que eu tenha vontade de voltar depois de um dia de trabalho. É onde eu vou estar bem acomodada se outra pandemia vier, pois será o meu aconchego, meu pedacinho de Brasil na Itália, preservando as minhas origens. A verdadeira Casa Tropicale", finaliza.

Agora, o plano é pegar as chaves ainda no primeiro semestre, começar as obras e mudar para a casa pronta num período de cerca de dois anos. Enquanto isso, Paula, a irmã, Bruna, e uma amiga dividem o aluguel em uma casa a 100 metros do sonho europeu.

Depois disso, vou trazer a minha mãe para cá e pretendo ajudar outras pessoas a conquistarem o sonho da casa de um euro. Ela existe e pode ser de quem sonhar, como eu", conclui a arquiteta.