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Histórias do Mar

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Ladrão rouba barco nos EUA, mas se dá mal no mar. Veja vídeo

Colunista do UOL

11/02/2023 04h00

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Na quarta-feira da semana passada, um vídeo postado na internet mostrou uma cena insólita: um homem depositava um peixe morto na porta da casa que serviu de cenário para o filme Os Goonies, de Steven Spielberg, em 1985, uma das principais atrações turísticas da cidade de Astoria, no estado americano de Oregon.

Até aí, nada demais.

Seria apenas mais uma travessura do canadense Jericho Labonte, de 35 anos, autor de outras tantas estripulias no passado — um delito que não mereceria mais do que um puxão de orelhas da Polícia local.

Algo bem mais radical

Mas o que nem ele nem a Polícia imaginavam era que aquela peraltice, postada pelo próprio Labonte nas redes sociais, serviria, mais tarde, para identificá-lo e incriminá-lo em algo bem mais sério - e que, se não fosse a pronta ação da Guarda Costeira americana, teria sido fatal para ele próprio.

Após se divertir (sabe-se lá por quê?) com o esdrúxulo depósito daquele peixe morto na porta da atração que todos visitam na cidade, Labonte decidiu fazer algo bem mais radical.

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Imagem: Facebook/Reprodução

Furtou um barco

Um par de dias depois, entrou em uma marina de Astoria, roubou uma lancha e avançou com ela pelo Rio Columbia, até o mar, onde encontrou ondas gigantescas, que ele simplesmente não sabia como enfrentar — porque nada entendia de navegação.

Além disso, Labonte descobriu, apavorado, que a lancha estava enchendo de água.

Sem outra alternativa, pegou o rádio e pediu socorro.

Cenário assustador

Acionada, a Guarda Costeira chegou rapidamente ao local, com uma lancha, um helicóptero e duas equipes de resgate.

O cenário era assustador.

Ondas de mais seis metros de altura sacudiam o barco, um pequeno iate de pouco mais de 10 metros de comprimento, batizado Sandpiper, de um lado para outro, e Labonte tentava se agarrar no que podia, para não ser lançado ao mar.

Cemitério de navios

A foz do Rio Columbia, maior rio americano a desaguar no Pacífico, na divisa dos estados de Oregon e Washington, é famosa por ser uma das áreas de navegação mais difícil da costa oeste dos Estados Unidos, e um tenebroso cemitério de navios naufragados -- clique aqui para ler sobre um destes desastres, que tornaram aquela região temida por todos os navegantes.

Mas não por aquele maluco inexperiente, a bordo de um barco roubado.

Não deu tempo

Quando a Guarda Costeira chegou ao local, o furto da lancha ainda não havia sido comunicado, e nada ligava o único ocupante daquele barco prestes a ser afundado pelo mar furioso, àquele peixe morto na atração turística da cidade, dois dias antes — até porque, ao fazer o pedido de socorro, Labonte mentira sobre seu verdadeiro nome.

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Imagem: Facebook/Reprodução

Como acontece em alguns resgastes difíceis no mar, Labonte foi instruído a se atirar na água, assim que o socorrista baixado pelo helicóptero se aproximasse da lancha, que chacoalhava sem parar nas ondas.

Não deu tempo.

Vídeo impressionante

Como pode ser visto no impressionante vídeo feito pela Guarda Costeira Americana (clique aqui para assisti-lo), no instante em que o resgatista se aproximou da lancha, nadando, uma gigantesca onda atingiu o barco, que rolou feito uma rolha.

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Imagem: Guarda Costeira dos EUA

Contudo, uma fração de segundo antes, Labonte foi cuspido do barco e caiu no mar.

Foi a sua sorte.

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Imagem: Guarda Costeira dos EUA

Se tivesse ficado no barco, que capotou e ficou girando na onda, feito um brinquedo de criança na beira da praia, o canadense certamente teria sofrido sérios ferimentos, caso não morresse afogado.

Mas não.

Resgate improvável

Mesmo sendo engolido pela colossal onda, junto com o resgatista, Labonte teve a sorte de não só voltar consciente à superfície, como — o que era ainda menos provável — ser encontrado pelo nadador em seguida, em meio a um turbilhão de espumas.

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Imagem: Guarda Costeira dos EUA

Foi o primeiro resgate do jovem socorrista Branch Walton, que havia acabado de se formar na academia da Guarda Costeira. No dia seguinte, ele recebeu seu diploma, com ainda mais méritos.

Já o pesadelo de Labonte estava apenas começando.

Levado para o hospital

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Imagem: Guarda Costeira dos EUA

Içado pelo helicóptero, o canadense, ainda mantendo o nome falso, foi levado para um hospital, onde os médicos constataram apenas uma leve hipotermia.
Medicado, ele foi liberado em seguida.

Surge a verdade

Ao mesmo tempo, a Guarda Costeira divulgava, na internet, imagens do bem sucedido resgate, e Labonte foi reconhecido por alguns internautas, como sendo a mesma pessoa que depositara o tal peixe na porta da casa usada por Spielberg — e avisaram a Polícia.

Também ao mesmo tempo, o dono da lancha comunicou o roubo do barco aos policiais, que, após ligarem os fatos e descobrirem que o canadense também era acusado de outros crimes no passado, partiram em busca de Labonte, com um mandado de prisão nas mãos.

Mas ele já havia saído do hospital.

Uma série de delitos

Labonte só foi encontrado no final daquele dia -- sexta-feira da semana passada, um dia de cão para ele, após ter sobrevivido a um incrível acidente no mar, que costuma ser fatal em quase 100% dos casos --, em um abrigo para pessoas em situação de rua, nas proximidades de Astoria -- onde ele também havia se registrado com outro nome falso.
Preso, foi levado para uma penitenciaria, onde agora aguarda julgamento por uma série de delitos: roubo de barco, colocar a vida de um oficial da Guarda Costeira em risco, assédios e estripulias no passado, e até ter colocado um peixe morto diante de uma casa da cidade -- travessura que, por fim, lhe saiu cara.

"Foram as 48 horas mais esquisitas da minha vida como policial", disse, com bom humor, ao jornal local The Oregonian, a chefe de polícia de Astoria, Stacy Kelly, já que, afinal, ninguém se machucou em nenhum dos episódios.

Nem mesmo o desmiolado Labonte, protagonista de um acidente impressionante.

Uma história parecida

O roubo de barcos é infinitamente menor que o de automóveis. Mas acontece igualmente em todo o mundo.

No Brasil, onde ocorrências desse tipo não são tão raras assim, um caso em particular, ocorrido no passado, chamou a atenção pela ousadia e imaturidade dos ladrões - na época, três jovens inexperientes, que queriam chegar à Austrália, navegando.

Em 1991, eles furtaram um veleiro em Angra dos Reis, mas não passaram da travessia do Atlântico, onde sofreram horrores pela falta de suprimentos, ventos e experiência.

Por fim, acabaram presos na África do Sul, mas não pelo roubo do barco, e sim de comida — clique aqui para conhecer esta interessante história, que, também aqui, não resultou em nenhuma punição aos ladrões.

Já, nos Estados Unidos, Jericho Labonte está preso, por uma sequência de atos improváveis

E que começaram com o bizarro deposito de um peixe morto na porta de uma casa.