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Rebeca tinha o plano B, mas brilhou onde sempre quis: no palco da ginástica

Rebeca Andrade conquistou ouro e prata na ginástica artística em Tóquio-2020 - Laurence Griffiths/Getty Images
Rebeca Andrade conquistou ouro e prata na ginástica artística em Tóquio-2020 Imagem: Laurence Griffiths/Getty Images

Danielle Rocha

Colaboração para o UOL, no Rio

12/08/2021 11h53

O plano B existia, mas Rebeca Andrade sempre preferiu mantê-lo guardado num cantinho. Vez ou outra, quando as lesões e cirurgias teimavam em freá-la seguidamente, ele vinha à mente: se nada desse certo na ginástica, voltaria seus esforços para virar artista. De cantar, dançar e representar, completa como sempre foi no esporte.

Mas com a mesma velocidade com que aparecia, o pensamento era substituído pelo que já havia traçado e repetia para quem quisesse ouvir em 2014, quando tinha 15 anos: queria conquistar duas medalhas olímpicas (uma no salto e outra no individual geral) e colocar seu nome no código de pontuação. Em Tóquio, fez da área de competição o seu palco. Foi ouro e prata exatamente nas duas provas. Virou estrela.

E a menina que cresceu tendo como inspiração a história de vida e de sucesso de Beyoncé, passou a experimentar um pouco do que sempre admirou. Não esconde a surpresa com o sem-fim de mensagens de famosos e anônimos, de ter passado de milhares para milhões de seguidores nas redes sociais, de se ver tatuada na pele de alguém, de ter virado desenho, música, espelho para tantas meninas. Recém-saída da bolha olímpica, ela espera aprender a lidar com essa nova condição.

"Sabia que só quando chegasse ao Brasil é que ia ter o baque de tudo o que está acontecendo. Que ia sentir todo esse impacto de tudo o que fiz, sobre inspiração e tudo mais. Enquanto fiquei na Vila, estava no meu ambiente, onde as pessoas eram atletas, treinadores ou trabalhavam com o esporte, com quem eu estava acostumada a viver todos os dias. Acho que, no geral, tudo me surpreendeu. Já tinha me imaginado ganhando medalhas, mas não sabia o que ganharia além delas, né? Que foi todo esse amor e carinho das pessoas por mim, pela minha história, pela minha vivência. Isso está sendo muito, muito bom mesmo. Não tenho outra palavra que não seja gratidão por tudo o que está acontecendo", admite Rebeca, que desembarcou no Brasil na noite de quarta-feira (11).

Até porque antes da recompensa a vida sempre cobrou muito dela. As dificuldades se apresentavam em sequência. Não apenas as impostas pela origem muito humilde, mas também as decorrentes da repetição de movimentos e da mudança hormonal mais tarde.

Aos 14 anos, o corpo mudou muito, o apetite não diminuía e o ponteiro da balança andava mais rapidamente. O peso passou a ser uma preocupação, sobretudo durante o período de recuperação de lesões ou cirurgias. Em 2015, depois de operar o joelho direito, surpreendeu a todos ao voltar ao ginásio com apenas 1kg a mais. O que foi interpretado pela comissão técnica como uma mensagem clara de seu amadurecimento, de que faria o que fosse necessário para estar nas Olimpíadas do Rio.

"Eu era criança, muito jovem e realmente gostava de comer muitos doces, muita besteira e é por isso que acho que lidava daquela maneira com a questão do meu peso e da comida. Em 2018, comecei com uma nutricionista nova que mudou totalmente a minha relação com a comida. Antes eu tinha medo da comida e hoje a comida é minha amiga, minha aliada. Tudo faz parte do amadurecimento. Hoje sou uma mulher feita e consigo lidar muito melhor com essas questões. Posso comer tudo, a gente tem que saber comer com consciência. Aliás todas as pessoas, não somente atletas. Mas hoje é tudo liberado, não só doce, tudo mesmo", ri a atleta, do alto de seus 22 anos.

Rebeca e seu treinador, Francisco Porath - Maja Hitij/Getty Images - Maja Hitij/Getty Images
Rebeca e seu treinador, Francisco Porath
Imagem: Maja Hitij/Getty Images

A ginasta que tinha pressa e passou a ter fome de trabalho, entendeu que precisava deixar olhos e ouvidos bem abertos para todos os profissionais que pudessem ajudá-la a realizar seu sonho. Além do que aprendia todos os dias desde a infância com o técnico Francisco Porath, o Chico, e com a então treinadora Keli Kitaura, passou a selecionar o que de melhor Alexander Alexandrov e Valeri Liukin, duas lendas da ginástica, tinham a lhe oferecer no período em que trabalharam na seleção.

"Cada um tinha um tipo de ensinar. Tecnicamente não precisei mudar muito porque a minha base já era muito boa. Num exercício ou outro eu tentava reproduzir o que eles me pediam. Às vezes funcionava, às vezes não. A gente aprendeu a crescer bastante com os dois, aprendeu a ser bem estratégico com tudo o que precisava fazer. Às vezes, você não precisa treinar um milhão de elementos, só precisa fazer o necessário para te trazer bons resultados. Não sei explicar, mas acho que a gente aprendeu a ser muito mais inteligente dentro da ginástica. Muito do que o Chico já me ensinava e falava eles também repetiam".

É grata a todos. Mas principalmente por ter tido Chico presente em toda sua trajetória. Por tê-la visto nascer como atleta, crescer como prodígio e amadurecer como campeã olímpica. Por ter acreditado em seu potencial e aberto as portas de sua própria casa quando Rebeca tinha ainda 8 anos e precisou morar longe da família.

"Todos os momentos que vivo com Chico são marcantes porque o tenho como se fosse meu pai, né? Ele é bem importante para mim. Não vou esquecer de jeito nenhum as Olimpíadas de Tóquio. Mas a Rio-2016 também foi bem marcante porque foi a realização de um sonho meu, dele e da minha ex-treinadora Keli. A gente batalhou muito e com muitas possibilidades de eu não ir, de não acontecer justamente por conta da minha lesão em 2015. Então, foi um sonho com gosto de muita vitória. E agora teve a chegada das medalhas, que ele me fez e ajudou a conquistar. Foi incrível!"

Da mesma forma que foi inesquecível ver Simone Biles torcer por ela da arquibancada. Na temporada em que completou 16 anos e passou a defender a seleção adulta, Rebeca não via a hora de poder encontrar a americana num campeonato. Não somente para tirar uma foto ao lado daquela em que se espelhava, mas para competir com ela. Queria sentir a pressão, medir forças com as grandes. Rebeca nunca negou seu espírito competitivo. É sob os olhares de todos que sempre se sentiu ainda mais forte. Mas naquela ocasião, caía na risada ao admitir o medo de uma situação: e se chegasse, puxasse um assunto e Simone não quisesse falar?

Simone Biles na torcida por Rebeca Andrade - Jamie Squire/Getty Images - Jamie Squire/Getty Images
Simone Biles na torcida por Rebeca Andrade
Imagem: Jamie Squire/Getty Images

"Não lembro exatamente quando foi meu primeiro encontro com a Simone, mas tenho certeza de que foi incrível porque é uma pessoa que admiro bastante. Em Tóquio, não pude ter muito contato com ela justamente pelas regras e os protocolos da covid, mas foi incrível. Cara, ela torceu muito por mim, né? E o atleta entende as situações que a gente passa, o estresse, as nossas vontades. Ela sabe como é difícil também. Torci muito por ela na trave também e sou muito grata por ela ter tido toda essa força. Durante a competição as meninas dos EUA torciam por mim, eu torcia por elas. As meninas da Rússia também. É assim. A união faz a força. Todo mundo quer ganhar, mas todo mundo também torce uma pela outra".

De volta ao Rio, ela não sabe quais serão seus próximos passos. Ainda vai conversar com o técnico para avaliar com calma. Outubro é mês de Mundial, marcado para a cidade de Kitakyushu, no Japão. Por ora, quer continuar aproveitando todos os momentos proporcionados depois dos pódios em Tóquio, ficar com a família e rever amigos. Mas e o sonho de ter o nome no código de pontuação?

"Bom, não sei ainda... Até então, não tenho elementos certos que tenho vontade de fazer. É uma coisa a se pensar porque estou num momento de curtir muito o que aconteceu. Realmente não sei. Mas fiquei feliz por parte desse sonho meu de 2014 (conquistar as duas medalhas) ter se realizado e está sendo muito bom!".