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Sorrisos por medalhas de bronze, sorvetes e sapatos de salto

Bruno Fratus com a medalha dos 50m livre nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020 - Reuters
Bruno Fratus com a medalha dos 50m livre nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020 Imagem: Reuters

Denise Mirás

Colaboração para o UOL, de São Paulo

02/08/2021 04h28

Nunca se viu tanto sorriso escancarado por medalhas de todas as cores. O que se observava era a alegria do campeão em contraste com os outros dois do pódio - tristes pela decepção com eles mesmos ou até furiosos por não concordar ou se conformar com resultados. Nesta Tóquio-2020, as Olimpíadas da pandemia revelaram um coleção de atletas celebrando terceiras colocações em vários esportes.

Demorou demais para se chegar a essa festa por qualquer medalha - de ouro, prata ou bronze - principalmente no caso dos brasileiros, pela postura de quem aparece pela órbita do atleta, de que só ouro interessa. Nem vice vale. Deve demorar um pouco mais para se ver atleta em pista, piscina, quadra, campo, comemorando vagas nas finais, no top 10. O que se viu ainda foram lamentos e pedidos de desculpas.

Desculpas para quem? Para um país que atravessa décadas sem uma politica nacional desportiva efetiva? Sem valorizar aulas de educação física nas escolas? Dependendo de pai-trocínios, de chapéus passados para patrocinadores? Instituições desportivas mal geridas? Onde somente supertalentos que surgem conseguem atravessar uma infinidade de obstáculos para subir a um pódio olímpico?

O valor do bronze

Desta vez seu viu sorriso autêntico pela consciência do quanto foi difícil conquistar um lugar abaixo no pódio, como a judoca Mayra Aguiar ou o nadador Bruno Fratus. Ou pelo prazer de se estar lá, de ter chegado e se divertido, como a skatista Rayssa Leal com sua prata.

E a de Rebeca Andrade em sua primeira disputa. No ouro, a ginasta manifestava sua alegria não apenas pelo sorriso até que tranquilo por trás da máscara, mas por ter atravessado seu corpo em ondas de eletricidade até se transformar em micropulinhos de felicidade.

O que dizer da vibração das tenistas Luisa Stefani e Laura Pigossi por seu bronze épico?

As dez medalhas até a metade dos Jogos ainda teve prata do skatista Kelvin Hoefler, a mais que emocional prata de Rebeca no individual geral da ginástica artística, o bronze do nadador Fernando Scheffer e o ouro do surfista Italo Ferreira.

Tudo junto e misturado.

A pandemia parece ter ajudado nessa festa pelas medalhas de bronze. Afinal, os últimos meses foram de sacrifícios além das dores dos treinamentos. Foram de buscar lugares onde treinar, improvisar equipamentos - e isso acompanhando a dura rotina familiar em casa, sempre distante para muitos - que agora tiveram de encarar de perto a tristeza de perdas de familiares e amigos.

Mais um pouco? Seguir treinando o máximo que se pudesse... sem saber se haveria Jogos Olímpicos. O que, para alguns, podia significar uma vida inteira sacrificada, sem ter oportunidade de medir forças com companheiros de prova de outros países, sem chance de se tornar um medalhista olímpico.

A primeira semana se encerrou ainda com a ginasta Simone Biles abrindo caminho para uma discussão imensa - sobre a humanidade dos atleta, da vaidade à humildade de admitir que não, não ia dar - seguindo na arquibancada para torcer, até pela adversária. E mostrar a capacidade (ou o alívio) de ainda, apesar ou com tudo, de seguir sorrindo. Mesmo com toda carga que jogamos todos nas costas de atletas que muitos só vão saber da existência a cada quatro anos.

Zheng Haixia, jogadora chinesa de basquete dos anos 1980 - picture alliance/picture alliance via Getty Image - picture alliance/picture alliance via Getty Image
Haixia Zheng, jogadora dos anos 1980 da seleção de basquete da China
Imagem: picture alliance/picture alliance via Getty Image

Morango e chocolate

De outras Olimpíadas, me lembro de poucos sorrisos além daqueles do mais alto lugar do pódio. E bem autênticos. No dia seguinte ao fim das Olimpíadas de Seul-1988, imagens próximas da feira de troca de uniformes que os atletas montavam como camelôs, espalhando camisas e tênis pelo chão da Vila Olímpica.

Passaram as ginastas da Romênia - da ainda chamada ginástica olímpica -, chamadas de atletas-bonsai pela insinuação de terem corpo manipulado para, pequenas, renderem mais nas piruetas e no equilíbrio. Não mais em fila e marcha militar, mas descontraídas. Cada uma trazia "buquês" de sorvetes, dois em cada dois dedos de cada mão, saindo do restaurante. Sorrisos lambuzados de chocolate e morango, pelo que se percebia.

E mais adiante ainda, chegando à Vila Olímpica sacudindo um par de sapatos brancos de salto, uma radiante Zheng Haixia, a chinesa do basquete de 2,04m. Uma altura extraordinária, à época, para uma atleta que talvez nunca tivesse conseguido calçar além de tênis em toda vida.