Queda na CBF tem digital de cartolas banidos e jogo de xadrez na Justiça

Ednaldo Rodrigues se tornou ontem mais um presidente da CBF a não ter exercido seu mandato na íntegra, em um jogo de xadrez que teve a Justiça como o tabuleiro mais recente — mas não inédito. Antes de Ednaldo, Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero e Rogério Caboclo não chegaram até o fim dos mandatos para os quais foram eleitos inicialmente.

O que aconteceu

A tacada da oposição foi crescer a voz contra Ednaldo, aproveitando instabilidade da seleção.

Ao mesmo tempo, ela ressuscitou uma discussão jurídica que estava parada desde que o dirigente foi eleito, em março de 2022.

Na letra fria da lei, a eleição de Ednaldo foi invalidada porque um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado junto ao Ministério Público, foi considerado ilegal. Os desembargadores da 21ª Câmara de Direito Privado foram unânimes.

A tese jurídica germinou em um processo do qual fazem parte ex-vices da CBF que, assim como Ednaldo, eram parte da chapa de Rogério Caboclo, cuja eleição já tinha sido anulada.

Sem o TAC como alicerce, todos os ritos eleitorais recentes da CBF foram desfeitos. É como se o quadro voltasse a 2017. Com as regras da época, inclusive.

Quem é quem

A saída de Ednaldo da presidência vem em um momento no qual ele coleciona insatisfeitos entre figurões (alguns banidos) que rondam o futebol. E aí entram nomes como os ex-presidentes Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero, afastados sob acusações de corrupção.

Apesar de manter um certo controle junto às federações e clubes, Ednaldo adotou uma postura considerada centralizadora que o deixou vulnerável a ataques externos e enfraquecido nas alianças.

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Há muita reclamação entre dirigentes de que ele não retorna ligações. Só quando precisa de apoio. Além disso, apontam que Ednaldo se fechou em um grupo restrito de confiança, do qual faz parte, por exemplo, o concunhado dele, Ricardo Lima, presidente da Federação Bahiana.

Desconfiado assumido e minucioso nos contratos, o presidente da CBF passou a romper laços anteriores na entidade, principalmente os financeiros. Houve uma onda de insatisfação entre o que tiveram interesses contrariados, como a dupla Del Nero e Teixeira. Ao mesmo tempo, Ednaldo é criticado por figuras do universo da bola por não cumprir acordos políticos.

Ele ainda perdeu o suporte de gente com trânsito no universo jurídico, como Flavio Zveiter. Ex-presidente do STJD e com DNA conhecido no Judiciário, ele chegou a ser vice-presidente de Desenvolvimento e Projetos da CBF nesta gestão, mas saiu da entidade.

A CBF será comandada interinamente pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), José Perdiz. Ele já atuou com Zveiter como advogado da Globo em processos em Brasília, e terá um mandato tampão por 30 dias.

Banidos, Del Nero e Teixeira verbalizaram suas críticas a Ednaldo. Agora, a oposição precisa avaliar como irá participar da eleição na eleição que se aproxima. Cabe a Perdiz marcar o pleito.

Flavio Zveiter, ex-vice-presidente de Desenvolvimento e Projetos da CBF, ao lado de Emilio Garcia, diretor jurídico da Fifa
Flavio Zveiter, ex-vice-presidente de Desenvolvimento e Projetos da CBF, ao lado de Emilio Garcia, diretor jurídico da Fifa Imagem: Lucas Figueiredo/CBF
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Movimentos decisivos

De última hora, a CBF apostou no peso de outro sobrenome para salvar Ednaldo: contratou Rafael Barroso Fontelles, sobrinho do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, para atuar na causa em questão. Mas isso não foi suficiente no TJ-RJ.

A defesa tentou alegar ainda na sessão de que a assembleia eleitoral que teve Ednaldo como vencedor aconteceu independentemente do TAC.

A sala de audiência na 21ª Câmara de Direito Privado estava lotada ontem. Mais de dez pessoas em pé, inclusive o diretor jurídico da CBF, Hélio Santos Menezes Junior, nitidamente frustrado com a decisão dos desembargadores.

Como Ednaldo tentou se defender

Nas últimas semanas, a crise na seleção foi a justificativa para tirar da caverna a insatisfação acumulada com Ednaldo. Houve vazamento de documentos e vídeos disseminados no WhatsApp como parte da campanha que tentava minar o dirigente.

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Assim que a campanha da oposição tomou corpo, Ednaldo aproveitou-se de uma reunião na CBF para discutir um projeto de infraestrutura para buscar apoio. Conseguiu assinaturas da maioria das 27 federações estaduais - pelo menos 25 delas - contra um possível golpe e em favor de sua permanência. Na sequência, repetiu o mesmo movimento com os clubes da Série B, que assinaram um documento de apoio ao cartola.

Na Série A, há pelo menos um cartola claramente insatisfeito: John Textor, dono da SAF Botafogo, que acusou a CBF de corrupção por conta de arbitragem e está em disputa judicial com a entidade. Entre os outros clubes, Ednaldo sofre críticas, mas também mantém uma relação próxima.

E agora?

Mas desde a decisão judicial de ontem (7), as federações têm ficado reticentes, até em silêncio, esperando para ver como o processo eleitoral vai se desenrolar.

Um dos vices de Ednaldo, Hélio Cury, que foi presidente da Federação Paranaense até este ano e fez do filho o seu sucessor, é dos poucos que toparam falar abertamente sobre o apoio ao presidente agora deposto.

"Acho que vai para eleição e tem nosso apoio. O trabalho que foi feito nesse período foi um bom trabalho. Ele conseguiu desmistificar o problema moral que o Brasil tinha, até com atuação forte na Fifa e na Conmebol. Problema de campo é uma outra conversa. Ele reestabeleceu a credibilidade do futebol brasileiro. Não falei com ele sobre isso ainda, mas acho que, no processo eleitoral, o Ednaldo vai sair mais fortalecido", disse o dirigente, que também ficou sem mandato.

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