Promotor vê violência aceita em organizadas e sugere corte de benefícios

Citado no pedido de soltura do torcedor do Flamengo, Leonardo Felipe Xavier Santiago — acusado de ser responsável por arremessar a garrafa de vidro que matou a torcedora do Palmeiras Gabriella Anelli Marchiano em conflito entre as torcidas no último dia 8 —, o promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, Diego Pessi, entende que a violência é aceita e até incentivada em torcidas organizadas.

Segundo ele, uma das alternativas para diminuir o problema seria cortar benefícios e responsabilizar tanto individual quanto coletivamente os envolvidos.

Pessi é autor do livro "Hooliganismo no Brasil. Violência e disputa: um estudo criminológico", publicado em 2021. O conteúdo foi citado na solicitação de liberação do torcedor acusado, que acabou atendida.

Em entrevista ao UOL, Pessi explicou como foi feito o estudo para a publicação e falou sobre a violência existente no contexto das torcidas organizadas no Brasil.

"Um levantamento realizado pelo professor Maurício Murad dá conta de que foram praticados 176 homicídios relacionados à disputa entre torcedores de futebol no Brasil entre os anos de 1999 e dezembro de 2016, um recorde mundial (média de mais de 10 por ano). Meu estudo abrangeu 77 homicídios relacionados à disputa entre torcedores de futebol, ocorridos num período de 20 anos. Visando identificar as condições em que foram praticados tais crimes e recomendar técnicas para sua prevenção. Analisei os homicídios levando em consideração idade, sexo e filiação clubística dos assassinos e das vítimas e o contexto da ocorrência (tempo, lugar, relação com o jogo, histórico do confronto e envolvimento de Torcidas Organizadas). Além disso, verifiquei o 'modus operandi' (natureza da agressão, meios empregados e modo de execução do homicídio), grau de rivalidade envolvida, ação policial e dos órgãos de persecução", disse.

Para o promotor, a violência está presente, é aceita e até incentivada no contexto das torcidas organizadas.

"As mortes ocorridas nos conflitos entre torcedores são uma contingência aceita na subcultura das organizadas, até mesmo porque a excitação decorrente da possibilidade de praticar atos de violência motiva a adesão de muitos de seus filiados. Os homicídios relacionados à disputa entre torcedores de futebol são cometidos predominantemente por jovens, integrantes de Torcidas Organizadas, do sexo masculino. As agressões são, em sua maioria, de natureza predatória, realizadas mediante emprego de armas brancas ou de fogo. O alto grau de rivalidade entre clubes e torcedores é uma constante, a exemplo da inexistência de proteção policial adequada por ocasião do fato. Na maioria dos casos analisados, a morte dos adversários parece haver sido deliberadamente desejada pelos agressores", contou.

Pessi ainda citou uma série de ações que poderiam impactar na redução dos casos. Entre elas o preparo policial, monitoramento prévio, cadastro de torcedores, aumento na probabilidade de punição, a criação de uma escala para medir o perigo representado por aquele torcedor ou grupo, entre outras coisas.

Mas principalmente, o corte de benefícios para qualquer torcida organizada que tenha torcedores envolvidos neste tipo de caso. Outro aspecto específico em relação às organizadas sugerido pelo promotor seria a responsabilização coletiva pelo caso, desde que não causasse prejuízo à responsabilização individual. Ou seja, além da pessoa que cometeu o crime responder por ele, a torcida da qual faz parte também teria responsabilidade sobre o fato.

Continua após a publicidade

Por fim, Pessi destacou que o melhor exemplo de controle de torcedores violentos foi o que houve na Inglaterra. E que as ações a partir da tragédia de Heysel Park, na final da Liga dos Campeões de 1985, mostram um caminho a ser seguido com, principalmente, o endurecimento de leis e ampliação de penas neste tipo de crime.

"Sem sombra de dúvida, isso também seria necessário", finalizou.

Sobre meninos e porcos

"Sobre meninos e porcos" é a terceira temporada do premiado podcast "UOL Esporte Histórias", que conta a história de como as torcidas organizadas saíram da festa e chegaram à violência. O relato é centrado no assassinato de Cleo Sóstenes Dantas nos anos 1980, considerado o marco da chegada das armas de fogo às brigas de torcida. Você pode conhecer essa história, que os repórteres Adriano Wilkson e Daniel Lisboa investigam há um ano, em um podcast de seis episódios.

Os podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts e em todas as plataformas de distribuição. Você pode ouvir "UOL Esporte Histórias", por exemplo, no Spotify, na Apple Podcasts e no Youtube.

Deixe seu comentário

Só para assinantes