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Atletas dizem que só fingiam participar de máfia e não sabiam que era crime

Adriano Wilkson, Bruno Doro, Diego Garcia, Eder Traskini, Ricardo Perrone e Thiago Arantes

do UOL, em São Paulo e Barcelona

15/05/2023 04h00

Os jogadores investigados na Operação Penalidade Máxima, que revelou manipulação de resultados em jogos do futebol brasileiro para favorecer apostadores, explicaram o envolvimento no escândalo com desconhecimento ou fingimento para evitar violência. É o que mostram depoimentos em vídeo aos quais o UOL teve acesso.

O zagueiro Victor Ramos, que estava na Portuguesa na época das investigações e hoje defende a Chapecoense, por exemplo, disse ao promotor que não sabia que conversar sobre apostas poderia configurar crime. O atleta é um dos réus no processo e possui várias mensagens trocadas com a quadrilha.

Veja abaixo:

"Eu não sabia que conversar sobre apostas poderia ser crime. Eu sou muito leigo para isso, sou muito desligado para essas coisas, internet, não sabia que conversar sobre apostas vinha dar o que está dando em minha vida, esse tumulto, essa turbulência. Jamais esperava que isso ia acontecer em minha vida porque estava falando de apostas", disse o jogador.

O depoimento foi dado no dia 25 de abril, em ligação de vídeo com os promotores do caso. Victor Ramos falou por cerca de 20 minutos e negou ter recebido qualquer favorecimento, apesar de admitir que conversou com os apostadores, após ter sido apresentado por um amigo de infância, Fernando Gama, que também é reu no processo.

O zagueiro argentino Kevin Lomónaco, do Bragantino, seguiu a linha de Victor Ramos ao dizer que não sabia que era crime aceitar dinheiro para manipular o andamento da partida.

"Eu estava na concentração antes do jogo, e ele insistindo, mandando mensagem, tipo: 'vamos fechar, hermano, dinheiro'. Eu fiquei falando com ele, aí na concentração, fechamos cartão amarelo. Eu fiz sem conhecimento algum que era um crime ou algo assim. Normal, não perguntei nada para ninguém".

"Eu fiz somente porque não prejudicava a equipe, era algo normal, não pensei que era algum crime. Como falei, não perguntei nada a ninguém, fiz por fazer, no momento, foi um dia, somente".

Kevin foi um dos quatro atletas que fizeram acordo para colaborar com o Ministério Público

O lateral Moraes, então no Juventude, está nesse grupo. O jogador foi alvo de busca e apreensão no dia 18 de abril e disse que, em campo, não lembrava ter recebido pagamento para receber um cartão amarelo no jogo contra o Palmeiras. O lateral recebeu R$ 5 mil antes da partida para ser punido pela arbitragem, com a promessa de mais R$ 25 mil depois do jogo. Ele não recebeu o valor.

"Nem lembrava. Na hora que entra em campo, não lembra de nada. Não estava nem lembrando que tinha que tomar cartão. Aí teve a jogada e tomei cartão. Acabou o jogo, ele veio falar comigo, eu não estava nem lembrando. Por não estar nem lembrando disso que não recebi o restante. Aí ficou só com os 10 mesmo (na verdade, R$ 5 mil, o atleta confundiu o valor), não cobrei e não falei mais nada", disse Moraes.

O atleta deu novo depoimento dez dias depois, quando fez acordo com o Ministério Público para colaborar com as investigações. Ele corrigiu a informação de que recebeu R$ 5 mil, não R$ 10 mil, no jogo diante do Palmeiras, e confessou ter recebido mais R$ 20 mil por outro cartão amarelo na partida diante do Goiás.

O volante Fernando Neto recebeu R$ 40 mil de adiantamento para ser expulso contra o Sport quando defendia o Operário, pela Série B. Ele apontou, porém, que recebeu o dinheiro sem saber o que era. Conversas interceptadas pelo Ministério Público mostram o jogador admitindo que tentou tomar um cartão vermelho em troca de R$ 500 mil.

"O Matheus chegou em mim com uma conversa que tinha um negócio pra mim e pediu meu PIX. Aí eu falei 'meu PIX é meu celular, mano'. Depois disso tudo, ele foi me explicar qual a relação desse PIX, que já chegou um PIX de 10 mil reais na minha conta, que era para eu cometer um cartão vermelho na partida. Eu logo falei pra ele que não contava com isso, que isso não era da minha índole. E logo chegou o Bruno com as ameaças deles, falando que eu tinha que cometer a expulsão no jogo".

"Ele me pediu meu PIX, depois foi me explicar o que era. Eu perguntei pra ele: 'caiu um PIX aqui na minha conta?' E aí que ele explicou. Eu só falei 'meu Pix é meu celular, mano'. Ele falou que tinha uma parada pra mim e pediu meu PIX", acrescentou. "Depois, eles foram incisivos, mandaram mais 30 (mil), falando que eu ia ter que fazer a operação por R$ 100, 200 ou 500 mil".

Neto também apontou que fingiu ajudar os apostadores, quando, na verdade, não estava. A conversa a seguir é entre Fernando e o promotor Fernando Cesconetto, do Ministério Público de Goiás.

Promotor: Fez contato com algum jogador, a pedidos, por conta dessa situação?
Fernando: Ele me pedia, eu fingia estar procurando jogador pra ele, mas em nenhum momento eu levei nenhum contato pra ele.
Promotor: Entrou em contato com algum jogador?
Fernando: Pra ele não.
Promotor: E se eu pegar o celular do Bauermann, não vou achar nada?
Fenando: Que eu levei pra ele?
Promotor: É, perguntando para tomar cartão, se conhecia alguém, não vou achar?
Fernando: Então, eu fingia procurar jogador pra ele, só que não levava nada pra ele.
Promotor: Mas e o Bauermann? Falou com ele?
Fernando: Com o Eduardo? Eu cheguei a conversar com ele.
Promotor: Pra que?
Fernando: Pra fingir que eu tava conversando com ele.
Promotor: Pra fingir pra quem?
Fernando: Pro Bruno.
Promotor: Pra mandar print da conversa pro Bruno?
Fernando: Isso. Mas eu não cheguei a mandar print pra ele.
Promotor: E então porque mandou?
Fernando: Eu fingia estar procurando, eu só encaminhava a mensagem pra ele.
Promotor: Encaminhava qual mensagem pra quem?
Fernando: Pro Bruno, fingindo que estava conversando com jogador, entendeu?
Promotor: Entendi, entendi, certo.

Outro que diz fingir ter participado do esquema foi o jogador Denner Barbosa, que possui contatos no futebol goiano. Ele conversou com Bruno Lopez, apontado como chefe da quadrilha, na véspera da partida entre Goiás e Goiânia, que terminou com vitória para o primeiro por 2 a 0, os dois gols feitos no primeiro tempo. O lateral atuava, na época, no Operário-MT.

No depoimento ao MP, Denner diz que não participou do esquema de apostas, e sim que estava apenas fingindo participar para recuperar o dinheiro de um golpe que Bruno havia lhe aplicado, supostamente. De acordo com o atleta, anos antes ele deu 5 mil euros emprestados ao criminoso, que sumiu com o dinheiro.

O diálogo a seguir é com o promotor Marcelo Borges Amaral, também do Ministério Público de Goiás.

Promotor: Em alguma oportunidade ele ofereceu alguma vantagem para o senhor em algum movimento do campeonato do Mato Grosso?
Denner: Ele me chamou no Instagram, do nada. Fazia anos que eu não via ele, perguntando se eu tinha trocado de número. E me passou o contato novo dele. Chamei ele, me colocou questões de escanteio, mas é aquilo: quem deve sempre esquece, quem tá ferrado, não. Disse que estava numa situação pra gente levantar um dinheiro, perguntei o que seria, pensei na mesma hora em recuperar o dinheiro que ele deve. Peguei dois jogos aleatórios, Goiás x Goiânia, o Goiânia perdendo para todo mundo, e o Operário x Luverdense, os dois times precisando ganhar, e os nossos jogos tinham naturalmente bastante escanteio, pensei que ia bater naturalmente e passei pra ele. O objetivo era pegar o valor de volta de lá atras do golpe que ele me deu. E se não batesse, ia fazer com ele a mesma coisa que ele fez lá atrás: bloquear ele de tudo
Promotor: Então queria recuperar o que havia perdido?
Denner: Exatamente, ele vendia roupa para todo mundo na época. Do Corinthians e tudo. Eu passei porque era uma situação que estava acontecendo muito no nosso jogo, era óbvio, natural que tinha muito escanteio, então ia acontecer, natural. Se puxar nosso jogo, e eu ia recuperar meu dinheiro, os escanteios foram naturais pro time deles e pro nosso. Eu estava fora do jogo, machucado.

O que dizem as defesas

A advogada de Moraes, Cláudia Mendonça Noventa, disse que o jogador fez acordo com o MP e está arrependido. Ela ainda acrescentou que ele não é mais réu e não deve ser utilizado como bode expiatório, pois já prestou todos os esclarecimentos e vai aguardar a situação dele no STJD.

"Ele foi procurado pelo senhor Victor Yamazaki quando estava em um momento que precisava. Foram dois jogos que ele realmente aceitou, recebeu um sinal de R$ 5 mil contra o Palmeiras e R$ 20 mil contra o Goiás, mas nos lances dos jogos, se você assistir, vê que ele tomaria o cartão mesmo que não aceitasse o dinheiro", disse a advogada.

"O Moraes não fez parte dos grupos de WhatsApp dos atletas que ficavam comentando que tomariam os cartões. Ele foi contatado apenas pelo Victor Yamazaki e a conversa foi com ele. Fez errado, ele mesmo sabe que errou, hoje está cooperando com a Justiça, é um colaborador do processo", acrescentou Claudia. "No jogo contra o Ceará, em nenhum momento ele aceitou o valor. As pessoas queriam que ele fizesse, ele diz que não ia fazer mais, que tinha se arrependido e não queria o dinheiro. Ele não devolve porque não tomou o cartão, ele toma o cartão, mas devolve porque não aceitou fazer o esquema."

A reportagem tentou contato com a defesa de Kelvin, mas não conseguiu resposta. Já a defesa de Fernando Neto enviou uma nota: "A defesa de Fernando Neto mais uma vez, reitera sua inocência, como feito perante o Ministério Público. O atleta foi procurado e aliciado pelos acusados. O PIX mencionado foi transferido para a sua conta corrente e após devolvido. Restituindo os valores na sua integralidade", afirmaram.

"Uma vez que não executou o que fora determinado, passou a receber inúmeras chantagens e ameaças por parte de determinados acusados, simulando anuir às propostas ilícitas. Por não aceitar, em outros jogos ou oportunidades não foi mais procurado por tais agentes", acrescentou Auro Jayme, advogado do atleta.

A defesa de Denner afirmou que ele fingiu que participaria do esquema para receber divida antiga de Bruno Lopez e ressaltou que o atleta "vai provar que nunca participou de qualquer esquema de manipulação de resultado".

A defesa de Victor Ramos, por meio do advogado Ivan Jezler, enviou uma nota dizendo que a " acusação não imputa a Victor a condição de integrante de organização criminosa, bem como não afirma ter o atleta praticado qualquer ato de execução com a finalidade de manipular a idoneidade e integridade do jogo. Objetivamente, o zagueiro jamais foi advertido com cartões, e não cometeu qualquer penalidade máxima em jogos que constituem o objeto da investigação".

Acrescentou que "a denúncia foi oferecida com base, apenas, em prints (capturas de tela) parciais de conversas travadas no Whatsapp. Ainda assim, as mensagens demonstram um contexto diverso, revelando reiteradas recusas do atleta em participar de qualquer manipulação desportiva, juntadas pelo próprio MP. Essa prova eletrônica ainda terá sua validade verificada judicialmente".

E finalizou apontando que "não houve aceitação ou recebimento de vantagem com a finalidade de manipular resultados ou provocar infrações. A defesa escrita do jogador será apresentada buscando sua absolvição sumária. Deve-se preservar a presunção de inocência de Victor Ramos e observar a sua história no futebol profissional, evitando as consequências irreversíveis de publicações que buscam condenações apressadas e antecipadas".