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Santos: Tragédias mudaram a vida de Camacho, que releva críticas da torcida

Lucas Musetti Perazolli e Gabriela Brino

para UOL, em Santos (SP)

30/09/2022 04h00

Camacho abre suas redes sociais e lê uma enxurrada diária de críticas. Para boa parte da torcida do Santos, o meio-campista de 32 anos é um dos responsáveis pela má fase recente do time. A "perseguição" machuca, mas nem se compara com a dor sofrida pelo atleta nos últimos anos.

Em 2012, o irmão de Camacho, Leonardo, perdeu os movimentos da perna ao levar um tiro de policial militar numa briga em boate de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Foi justamente para ajudar na mobilidade de Leonardo que um elevador foi instalado na casa da família, para facilitar o deslocamento pelos cômodos. Em um dia comum, em 2017, o equipamento falhou e caiu. O pai de Camacho, Anízio, não sobreviveu à queda. A mãe, Rita, e o irmão Leonardo estiveram presentes, mas saíram ilesos.

Em 2012, no susto com o irmão, Camacho estava no Flamengo e penou para retomar a sua carreira, passando por Audax e Guaratinguetá até chegar no Botafogo, em 2015. Quando finalmente retomou seu nível no Corinthians, o pai faleceu em 2017.

As tragédias tornaram Camacho um atleta calejado. Pelo seu pai, o maior entusiasta, e o irmão, o primeiro a falar quando um jogo termina, o santista se nega a cair pelas críticas sofridas pela torcida. A "corneta" também ocorreu durante as oscilações no Corinthians e no Athletico. No Peixe, ele é muito bem avaliado tanto dentro quanto fora de campo e renovou até o fim de 2023.

"É até difícil falar. Tipo, não comento muito esse assunto, acho que ainda tenho alguma coisa que não consigo me soltar. Mas foi em 2017. Batalhei a vida toda para chegar em um time grande, quando cheguei no Corinthians, meu pai, que sempre me acompanhou para tudo que é lado... Aconteceu. Eu tinha acabado de chegar, fazia uns seis ou sete meses de Corinthians. Foi em fevereiro, Campeonato Paulista, e de uma hora para outra ele caiu do elevador na minha casa. Tenho um irmão que é cadeirante, e na minha casa tinha o elevador para sair para a garagem, ele estava. Caiu todo mundo, estava ele, minha mãe, meu irmão, mas ele estava em uma ponta e bateu a cabeça. Não conseguiu sobreviver. Fiquei uns 15 dias no Rio de Janeiro, o Corinthians me deu todo o apoio necessário, tempo para eu me recuperar. Meu filho mais velho era recém-nascido e minha filha estava para nascer. Então ali, minha mãe, meus filhos e minha esposa que seguraram a barra. Foi muito difícil", contou Camacho, ao UOL Esporte.

"Demorei três, quatro meses para me recuperar. Até hoje não estou recuperado. Consegui voltar a viver meu dia a dia normal, mas foi muito difícil. Minha vida já tinha sido difícil quando meu irmão ficou paraplégico, perdi tudo em 2012. Estava no Flamengo e naquele momento minha carreira teve um declínio muito forte. Fui jogar no Audax, Guaratinguetá, série C. Mas consegui me recuperar de mais uma pancada. Hoje está superado. Agora está todo mundo feliz, meu pai, independentemente de onde ele está, sei que está orgulhoso", completou.

Camacho, jogador do Santos, ao lado de seu pai - Repodução - Repodução
Camacho, jogador do Santos, ao lado de seu pai
Imagem: Repodução

Leonardo é o maior incentivador de Camacho. As dificuldades de Léo fazem o volante do Santos sempre pensar: "Se ele está bem, por que estou mal?". Nas redes sociais, o irmão lida com a paraplegia com bom humor e incentiva a prática de esportes. A cada fim de uma partida, o primeiro a receber uma mensagem de Camacho é ele.

"Em momentos difíceis eu penso nisso sempre [de que o pior já passou]. Se eu estou pra baixo, meu irmão me coloca pra cima. E pô, se ele está feliz e me botando pra cima, como eu não vou ficar? Então, é coisa que sei que vai passar. E como disse, lido bem. Tem momentos que são muito difíceis, como no Paulista, brigando pra não cair. Cara, é muito difícil, ainda mais jogando no Santos. Mas o clube abraça a gente também, o pessoal da cozinha, o estafe, são todos muito acolhedores. Ficamos numa bolha, então conseguimos nos concentrar no que tem que ser feito", afirmou Camacho.

Três minutos

Em melhor momento, Camacho fez dois bons jogos pelo Santos com o técnico interino Orlando Ribeiro. Foi destaque mesmo na derrota do clássico contra o Palmeiras e chamou a atenção na vitória sobre o Athletico. Antes disso, porém, o time viveu instabilidade com Lisca e chegou a três derrotas consecutivas. O clima era ruim e desesperançoso. O que Camacho não esperava era, em meio à loucura de demissão de treinador e mal momento no Campeonato Brasileiro, receber uma proposta de renovação.

Ele não esperava renovar, muito menos nesse momento de busca por técnico e diretor. Mas o presidente Andres Rueda chamou o volante do Santos para uma conversa e, em três minutos, o acordo foi assinado: extensão do vínculo até dezembro de 2023.

"No meio do ano eu achava que não iria renovar. Pô, eu nunca escondi de ninguém que minha vontade era de ficar. E daí quando tive uma sequência de jogos, quando o Lisca chegou, consegui jogar mais. E o presidente, após essa confusão de dois três jogos perdendo, ele me chamou na sala dele e perguntou minha opinião, se eu gostaria de ficar. Falei na hora que sim, foi uma conversa muito rápida, durou três minutos", disse.

"Quando cheguei não fui tão bem aceito assim, quando fui anunciado [pelo Santos] também foi bem difícil para mim. Pô, choveu crítica, um monte de coisa. Eu consegui colocar a cabeça no lugar, comecei bem ano passado. Tive uma sequência boa e tranquila apesar do time estar mal. Fiz um bom ano. Esse ano eu não comecei tão bem, eu sei disso, eu me cobro bastante. Acho que eu poderia ter começado melhor", conclui.

A maldição de quem joga simples

Camacho não é o tipo de jogador que chama a atenção pelos carrinhos ou interceptações duras, ou assistências difíceis, dribles e finalizações de longa distância, mas sim pela regularidade e um "arroz com feijão" bem feito. Para ele, é bom quando julgam sua atuação como discreta, pois significa que o time não foi tão atacado. Mas não é bem assim que o torcedor santista o vê. E ele já está acostumado com a 'maldição' de quem joga simples.

Camacho, jogador do Santos, ao lado de sua mãe e irmão - Reprodução - Reprodução
Camacho, jogador do Santos, ao lado de sua mãe e irmão
Imagem: Reprodução

"Acho que minha carreira sempre foi assim. Sou um jogador mais assim... nesse jogo agora [Athletico-PR] eu acho que joguei bem, mas fui discreto. Eu pego a bola e tento ligar rápido o time, avançar o mais rápido possível. Isso pode ter algumas críticas, ainda mais em momento ruim, em que estamos perdendo. Sabemos que vai sobrar ali para trás, toma gol e sobra pra rapaziada de trás que faz um jogo mais simples. Mas acho que isso é normal, estou no futebol há muito tempo", desabafa.

De contrato renovado e com o apoio de sua família, Camacho está pronto para enfrentar o Internacional, amanhã (1), às 15h, no Beira-Rio. Fato é que, quando rolar o apito final, seu irmão Léo mandará uma mensagem. Com o apoio do seu melhor amigo e fã número 1, o santista tentará mostrar que a renovação foi um acerto do clube e, quem sabe, a "maldição" acabar.

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