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Paizão, unanimidade e até hit: Abel se despede como maior técnico do Inter

Abel Braga anunciou aposentadoria como treinador e tem nome marcado na história do Inter - Ricardo Duarte/Inter
Abel Braga anunciou aposentadoria como treinador e tem nome marcado na história do Inter Imagem: Ricardo Duarte/Inter

Marinho Saldanha e Jeremias Wernek

Do UOL, em Porto Alegre

30/06/2022 04h00

A aposentadoria de Abel Braga, anunciada pelo próprio, também encerra uma página da história do Internacional. Afinal de contas, foram sete passagens pelo estádio Beira-Rio. Os históricos títulos de 2006, da Libertadores e do Mundial de Clubes, além do chamado Gre-Nal do Século, em 1989. Recorde de jogos à frente da equipe, declarações públicas de amor e uma relação de quase 40 anos. Com direito a hit na era dos memes e unanimidade no CT.

Mesmo sem títulos, a última passagem de Abel pela equipe gaúcha pode resumir a relação com o Colorado. Teve de tudo: apelo do clube, maratona de jogos, covid-19, paródia nas redes sociais, quase o fim do jejum de 41 anos e um gostinho de 'quero mais', agora impossível.

O fim mostra tudo

Substituto de Eduardo Coudet, em 2020, Abel Braga chegou para restaurar a autoestima depois de o argentino pedir demissão em meio às boas campanhas na temporada. Quando o Inter precisou, Abel voltou. O tetra do Brasileirão foi algo possível até o fim, mas não veio.

À época, ele voltou a ativa e caiu de cabeça em uma maratona de jogos entre oitavas de final da Libertadores, Copa do Brasil e Brasileirão. Contrariou a família, topou voltar ao Inter. Chamou colegas de confiança, ouviu quem estava no clube e guiou o ambiente até o fim do Campeonato Brasileiro. Em meio a tudo isso, foi diagnosticado com covid-19, se isolou em hotel e chegou a dar susto com visita ao hospital. Houve vitória em Gre-Nal, algo raro nos últimos anos da história do clube, e disputa com o Flamengo pelo título brasileiro.

"Em pouco tempo de trabalho e convívio com o Abel foi possível perceber a capacidade de equilibrar os aspectos táticos e humanos dentro do ambiente do futebol. Um grande profissional que, sem dúvida nenhuma, reúne as melhores condições para exercer de forma plena essa nova função", elogiou o presidente do Inter, Alessandro Barcellos, que manteve Abel no comando entre o fim de 2020 e o início de 2021, até a conclusão da temporada.

O período entre 2020 e 2021 se soma a passagem de 2014, outra em 2006 e 2007, mais um rápido período em 1995, outro curto em 1991 e a campanha entre 1988 e 1989, com direito a vitória diante do Grêmio, na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1988.

Abel Braga durante partida entre Inter e Bragantino pelo Brasileiro - Ricardo Duarte/Inter - Ricardo Duarte/Inter
Imagem: Ricardo Duarte/Inter

"O treinador que mais vezes treinou o clube e conquistou o título mais importante. Então, na minha avaliação, passa a ser o maior treinador da história do Inter. Sucessivos bons trabalhos, criando ambiente o mais favorável possível. Sempre que voltou, foi aclamado. Quando saiu, deixou saudades. Montou times que cresceram com ele, não bastando os títulos. Sem dúvida, o nosso maior treinador", apontou Fernando Carvalho, ex-presidente do Internacional.

Abel Braga em 2006, no Mundial de Clubes - Junko Kimura/Getty Images - Junko Kimura/Getty Images
Imagem: Junko Kimura/Getty Images

"Abel foi um jogador e um treinador vitorioso. Vai continuar contribuindo com o futebol. Qualquer clube que tenha um profissional como ele estará fortalecido ", acrescentou o ex-presidente colorado Marcelo Medeiros, que trabalhou com Abel em 2014 e o contratou novamente em 2020.

A habilidade de entender os contextos do clube e os anseios dos jogadores também foi importante na conquista de grupos diferentes. Abel não marcou sua passagem pelo Inter apenas com os títulos, mas foi vital na parceria com os maiores ídolos recentes do Colorado. Com Fernandão, morto em 2014 em acidente de helicóptero, foi firme na condução do elenco ao maior feito da trajetória vermelha. E anos mais tarde, a relação com D'Alessandro teve laços ainda mais fortes.

"Falar do Abel é um privilégio", começou D'Ale. "Tivemos dois trabalhos juntos, em 2014 e em 2020. Sinceramente, foi tudo muito bom. Por isso temos uma amizade fora de campo e nos falamos de vez em quando. É um cara que eu respeito muito. Eu já tinha referências quando o conheci, em 2014, da passagem pelo Inter, e quando convivi com ele foi muito melhor. Um cara simples, dedicado, profissional, justo, com caráter, com personalidade, amigo e paizão, como sempre todos falam", continuou o argentino.

Paizão, parceiro, protetor do grupo

Abel Braga comemora vitória do Inter sobre o Grêmio com jogadores - Ricardo Duarte/Inter - Ricardo Duarte/Inter
Imagem: Ricardo Duarte/Inter

Abel Braga carregava frases repetidas em praticamente todas suas manifestações. Ainda que mudasse uma palavra ou outra, a ideia era sempre a mesma: proteger o grupo. Qualquer cobrança era feita da porta do vestiário para dentro. Do lado de fora, ele era o responsável por assumir responsabilidades e aliviar a pressão aos atletas.

Dentro do espaço reservado e sagrado para profissionais da bola, Abelão assumia a figura do 'paizão', e isso não quer dizer que sempre havia elogios. Não foram poucos momentos de cobranças e discussões, mas sempre com objetivo de atingir o melhor resultado. E o mais importante: sempre procurando ser justo e falar a verdade olho no olho com os jogadores. Ou 'no papo reto', como ele dizia.

"É um cara que não deixa de trabalhar, de se preocupar, não só com as coisas que envolvem o futebol, mas com o lado externo do atleta. Ele pergunta, quer saber, e isso faz toda diferença, gera uma confiança muito grande com o atleta. Gerou comigo. Ele é muito justo, e eu respeito muito isso, uma conversa cara a cara e quando se é justo no futebol, porque se toma decisões perante um grupo de 30 jogadores e é preciso ser justo, dentro do possível", contou D'Alessandro.

"Quando o cara é gente boa como ele é, quando é direto, fala a verdade, olho no olho, não tem outra coisa que não respeitar. E sempre foi assim nosso trabalho. Fico feliz de ter trabalhado com ele, tem uma carreira muito vitoriosa, mas muito vitoriosa mesmo. E é o treinador mais importante da história do nosso clube [Inter]", completou.

Entre carinhos e exigências, ele fortalecia sua relação com o grupo de atletas. Tanto que, nos clubes pelos quais passou, não era raro outra situação referente a ele: os jogadores 'correrem pelo treinador'.

Valorização do trabalho interno

Ainda que fosse um treinador da 'velha escola', Abel nunca escondeu o apreço pelo trabalho de analistas de desempenho, scouters e demais membros da comissão técnica. Sempre antes de qualquer preparação de partida, ouvia atentamente colegas que poderiam ser seus filhos em razão da idade. Não tinha qualquer preconceito com inovações.

"O pessoal que analisa o adversário é fantástico", disse, em sua última passagem pelo Inter ao comentar uma vitória obtida com participação de todo o grupo. Tal capacidade de perceber valores em todos também pesava no ambiente positivo criado por ele, que se espalhava pelos mais diversos setores do clube.

Despedida com 'quase título' e cobrança até hoje

Abel Braga quer motivar o Inter para última rodada do Brasileirão - Ricardo Duarte/Inter - Ricardo Duarte/Inter
Imagem: Ricardo Duarte/Inter

O último ato de Abel Braga como técnico do Internacional tinha tudo para ser glorioso. Mas, por pouco, acabou sendo frustrante. O jogo derradeiro foi o empate contra o Corinthians em 0 a 0 no Beira-Rio, com pênalti anulado pelo VAR e gols invalidados também pelo recurso de vídeo. O último já nos acréscimos, de Edenilson, que daria o título do Brasileirão ao clube do Sul.

Depois da partida, Abel se despediu. Em janeiro, a cúpula eleita comunicou que ele sairia ao final do Brasileirão para chegada de Miguel Ángel Ramírez, independente do resultado do campeonato.

O 'adeus' até hoje é motivo de cobrança de muitos torcedores. O que sucedeu Abel foram frustrações. Miguel Ángel Ramírez durou pouco, Diego Aguirre terminou sua passagem com muitas derrotas, Alexander Medina significou nova decepção e só agora, com Mano Menezes, é que o leme parece em mãos firmes.

"O Abel é um patrimônio do clube, maior treinador da história do Inter. É definitivo para que o Inter mudasse de andar, de patamar no cenário mundial. O Inter ganhou outro tamanho pelo trabalho do Abel Braga, além da identificação pelo número de vezes que passou por aqui", contou o jornalista Fabiano Baldasso.

"É absolutamente emblemático o personagem Abel Braga na história do Inter. Pelo trabalho de qualidade, a identificação que aconteceu. É um momento, para nós, colorados, não digo triste, porque o Abel merece a aposentadoria, mas de algum sentimento... Uma ponta de sentimento ruim, porque consideramos que a maneira que ele deixou o clube na última passagem não era o ideal. Ele poderia ter saído depois, ele quase foi campeão brasileiro. De qualquer forma, fica o carinho, a admiração, e o desejo de que ele contemple a vida dele com descanso e felicidade", completou.

Lá vem o Abelão

Antes do fim, ele virou hit. Foi o jornalista Fabiano Baldasso o autor da obra que se tornou brincadeira no vestiário entre jogadores e embalou os últimos momentos de Abel como treinador. O famoso 'Lá vem o Abelão'.

A paródia feita em cima do hit 'Lá vem o Negão', da banda Cravo e Canela, impulsionou a briga do Colorado pelo Brasileirão da temporada 2020, e não acabou junto ao gol anulado de Edenilson. No Fluminense, os jogadores também cantavam a musiquinha para brincar com ele.

"O 'Lá vem o Abelão' foi uma reação espontânea ao momento que o Inter tinha sido traído por um treinador [Eduardo Coudet], que abandonou a barca no meio do Brasileirão para ir treinar outro clube [o Celta de Vigo, na ocasião]. O Abel pegou o trabalho no meio da competição, e teria dificuldades. A gente tem um carinho especial pelo Abel, e fiz essa manifestação, que viralizou por todos os lugares, pelo carinho que tenho por ele e por tudo que significa para o Inter", contou Baldasso.

O autor da obra por pouco não tatuou a letra da canção no braço. Mas a eternização na pele foi impedida pelo VAR.

Futuro como coordenador

Abel Braga, ex-treinador do Internacional, na Premiação do Brasileirão - Twitter CBF - Twitter CBF
Imagem: Twitter CBF

Abel não vai mais ser treinador, mas isso não quer dizer que estará afastado do futebol. Ele pretende seguir carreira como coordenador técnico, numa transição feita por Paulo Autuori, por exemplo, que hoje ocupa tal posto no clube gaúcho.

"É uma função nova e treinadores com experiencia estão se dedicando. É preciso ver na pratica, mas com certeza o Abel tem ótimo perfil de convivência de grupo e gestão de ambiente", disse o ex-presidente Fernando Carvalho.

"É um orgulho falar dele, ter vivido com ele. E, no que ele escolher vai se dar bem, pela experiência que adquiriu nos anos como atleta e treinador. Vai desempenhar muito bem o que quiser fazer", opinou D'Alessandro.

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