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Como morte do pai na infância moldou vida e carreira do presidente do Bahia

Presidente do Bahia tira foto com torcedores durante inauguração do CT Evaristo de Macedo - Felipe Oliveira / EC Bahia
Presidente do Bahia tira foto com torcedores durante inauguração do CT Evaristo de Macedo Imagem: Felipe Oliveira / EC Bahia

Marcello De Vico

Do UOL, em Santos (SP)

16/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Presidente do Bahia, Guilherme Bellintani conta com simpatia dos torcedores
  • Mandatário tricolor se apaixonou pelo Bahia através do tio, que era 'doente'
  • Bellintani perdeu o pai - que não gostava de futebol - muito cedo, aos 4 anos
  • "Gosto dos ambientes mais tumultuados, dos desafios", diz o presidente

É inegável que todo presidente de clube grande no Brasil sofrerá ao menos um pouco de resistência da oposição quando assumir o posto. Nem todo mundo se mostrará satisfeito com o seu trabalho, mesmo que ele seja produtivo e eficiente. Não é diferente com Guilherme Bellintani. Mas quando o assunto é a aprovação dos torcedores, dá para dizer que o mandatário do Bahia, eleito em dezembro de 2017 com 81,48% dos votos dos sócios, vem se saindo bem.

Bellintani é daqueles presidentes que não escondem o lado torcedor. Mais que isso: procura sempre entender o que passa nas cabeças dos aficionados e quais suas principais necessidades relacionadas ao Bahia. E essa, aliás, não é uma missão tão difícil para o presidente que desde 1986, quando tinha apenas 8 anos, passou a ter a Fonte Nova como sua segunda casa.

E se hoje o dirigente tem quatro filhos tricolores muito por influência sua, o mesmo não pode ser dito em relação à sua infância. O pai, que morreu em um acidente quando ele tinha apenas 4 anos, não ligava muito para futebol. Coube, então, a um dos tios - irmão da mãe - plantar no sobrinho a semente tricolor.

"O futebol, para mim, veio através do meu tio, irmão de minha mãe. Como meu pai morreu cedo e não gostava muito de futebol, eu fui um torcedor tardio no sentido infantil. Eu fui pela primeira vez na Fonte Nova em 86, tinha 8 anos, e aquilo para mim foi um encantamento. Fui com meu tio [Paulinho], que sempre foi um Bahia louco, doente, jogou no Bahia até o júnior... Meu tio sempre foi louco por futebol e foi quem me fez Bahia, me apresentou a cultura do estádio, e veio de um jeito que não saiu mais", conta o presidente em papo exclusivo com o UOL Esporte.

"Funcionava também como símbolo de libertação. A primeira vez que eu peguei um ônibus na minha vida foi para ir ao estádio, então, era um sinal de muita autonomia. A Fonte Nova sempre foi muito sagrada nos meus momentos comigo e com meus amigos, um sinal de libertação. E de entender o povo, onde todo mundo se unia, onde as pessoas mais diferentes possíveis eram iguais. Então, a Fonte Nova, principalmente a antiga, tinha muito isso, de igualar as pessoas que não eram iguais fora dali", acrescenta Bellintani.

Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, discursa durante DIa de Bahêa Especial - Felipe Oliveira / EC Bahia - Felipe Oliveira / EC Bahia
Imagem: Felipe Oliveira / EC Bahia

Início de vida 'hippie' em sítio

Os primeiros anos de vida de Guilherme Bellintani não tiveram nada a ver com as grandes cidades. O Bahia ainda estava longe. A mudança para o lado mais agitado de Salvador se deu mais pra frente, por consequência da morte do pai, uma decisão tomada pela mãe para 'facilitar as coisas' depois do trágico incidente.

"Vivi os primeiros anos da minha vida com meu pai, professor de história de escola, e minha mãe artista plástica e funcionária pública do Governo. E meu pai morreu quando eu tinha 4 anos. Até lá eu morava num sítio, uma coisa quase hippie da década de 70, bem Novos Baianos, como até postei ontem (segunda-feira, 13) em homenagem a Moraes Moreira...", cita o presidente.

"Meu pai era do Sindicato de Professores, teve um acidente dentro do sindicato, tomou uma queda do segundo andar. Ele estava ajudando a consertar o telhado, ficou 15 dias no hospital e morreu, muito jovem ainda, tinha 42 anos, a idade que eu tenho hoje. Aí, eu mudei mais para perto da cidade, para facilitar tudo, e vivia uma vida de classe média mesmo", acrescenta.

Professor Bellintani

Empresário formado em Direito, Guilherme Bellintani seguiu os exemplos familiares para fazer mestrado em Educação - além do pai, o padrasto também é professor. "Depois, minha mãe se casou novamente, com a pessoa que hoje eu tenho uma relação de paternidade, que é meu pai, e que é professor da Universidade Federal. E essa foi minha infância", afirma o presidente.

Guilherme Bellintani, presidente do Bahia - Felipe Oliveira / EC Bahia - Felipe Oliveira / EC Bahia
Imagem: Felipe Oliveira / EC Bahia

O lado empreendedor e participativo nas causas que considera relevantes também vem de cedo: "Sempre fui muito ativo na escola, participei de grêmio estudantil, de gincana, e sempre fui muito envolvido e interessado nas coisas que estavam fora da sala de aula. Depois, fiz faculdade de Direito e a de Jornalismo paralelamente... Não me formei em Jornalismo, me formei em Direito... Quando entrei no Mestrado, em educação, na Universidade Federal, eu tinha que trancar a graduação, e acabei não concluindo a Faculdade de Comunicação...", destaca.

"Fiz mestrado em Educação e doutorado em Desenvolvimento Urbano. Gosto muito da atividade docente, mas há 10 anos estou fora das salas de aula, justamente por causa dos compromissos profissionais", acrescenta Guilherme, que, antes de se candidatar à presidência do Bahia, comandou três secretarias (Cultura e Turismo, Educação e Desenvolvimento Urbano) na gestão de Antônio Carlos Magalhães Neto, atual prefeito de Salvador.

"Montei minha primeira empresa quando estava na faculdade ainda, um curso preparatório para concurso, e de lá pra cá desenvolvi atividade empresarial por 15 anos. Depois, fui por cinco anos secretário municipal de Cultura e Turismo, depois secretário de Educação, depois secretário de Desenvolvimento Urbano, fiquei cinco anos na atividade da gestão pública, e aí fui eleito presidente do Bahia", recorda o dirigente.

"Gosto dos desafios, das loucuras..."

Sossego e vida tranquila não é com Guilherme Bellintani. Está em seu gene, como ele mesmo fala. Extremamente família, o presidente tricolor reconhece a enorme influência da mãe em tudo que faz, desde a cabeça aberta para tudo e para todos até a forma como encara a vida.

Guilherme Bellintani, presidente do Bahia - Felipe Oliveira / EC Bahia - Felipe Oliveira / EC Bahia
Imagem: Felipe Oliveira / EC Bahia

"Minha personalidade é uma soma de diversos fatores, como todo mundo. Muito influenciada pela minha família, minha mãe é uma pessoa muito cabeça aberta, humanista, artista plástica, aberta para a vida, e teve muita influência na minha formação intelectual, na minha personalidade... Esses sustos e traumas da vida, como perder o pai muito cedo, como saber se virar de forma muito autônoma também. Minha mãe podia ir para um caminho de proteção dos filhos, mas foi pelo contrário: fez com que os filhos também soubessem encarar a vida e dar força para isso. Muito pelo exemplo que ela foi também. Uma pessoa que ficou viúva aos 30 anos, com duas crianças, foi um trauma muito grande para ela", diz o presidente.

"Mas o círculo de amizades, as relações familiares, a força dos nossos vínculos, fez com que todo mundo saísse vivo dessa história, depois da morte do meu pai", conta. "E a minha inquietude... Eu sempre fui um cara que leu muito, sempre fui muito interessado nas coisas e sou muito desassossegado... Gosto dos ambientes mais tumultuados, dos desafios, das loucuras... Quando tem muita maresia, eu fico vendo que tem alguma coisa erada", completa.

Protagonista em crise atual

A liderança adquirida ao longo dos anos - seja através da política, da atividade como professor ou do ramo empresarial - faz de Guilherme Bellintani um dos protagonistas dentro do futebol brasileiro na atual discussão sobre o futuro do esporte em virtude da crise devido ao coronavírus. O presidente tem demonstrado autoridade entre os mandatários e vem se tornando referência nos debates com os clubes e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Bellintani tem sido presença frequente nos programas esportivos. Em entrevista recente ao canal SporTV, por exemplo, deixou claro que a prioridade dos clubes é manter o formato atual do Campeonato Brasileiro. Em seu Twitter, reforçou que as agremiações não trabalham com a hipótese de alteração no formato da competição nacional.

O presidente do povo

Guilherme Bellintani, no geral, conta com a simpatia da maior parte da torcida tricolor. E muito disso se deve à proximidade do presidente com os aficionados, seja por frequentes respostas aos questionamentos nas redes sociais ou pela participação ativa nas ações promovidas pelo Bahia com a cara do torcedor - como, por exemplo, quando colocou a cerveja a R$ 1 no entorno da Fonte Nova para protestar contra o preço abusivo da 'gelada' dentro da Arena.

E tem clube mais democrático que o Bahia? As ações passam de planos especiais para sócios que recebem até R$ 1.500 a movimentos voltados para questões sociais, como racismo, direitos LGBTQ, demarcação de terras indígenas e o tratamento das torcedoras nos estádios de futebol.

O engajamento do clube nessas questões fez o Bahia até ser tema de uma reportagem especial do The Guardian, um dos principais jornais da Inglaterra, com o título de "Como o Bahia se tornou o clube de futebol mais progressista do Brasil".

Guilherme ainda passa aquela imagem de que é uma pessoa normal, assim como todos nós. Exemplo disso foi a presença dele no show de Caetano Veloso na Virada Cultural do ano passado. No sábado à noite, ele era mais um em meio ao povão no centro da capital paulista; horas depois, estava no Morumbi para acompanhar o jogo contra o São Paulo, no domingo de manhã.

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