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O dia em que Ceni uniu São Paulo e Fortaleza e fez história no Castelão

Rogério Ceni comemora o último gol pelo São Paulo, marcado sobre o Ceará, na Copa do Brasil de 2015 - NUNO GUIMARÃES/FRAME/FRAME/ESTADÃO CONTEÚDO
Rogério Ceni comemora o último gol pelo São Paulo, marcado sobre o Ceará, na Copa do Brasil de 2015 Imagem: NUNO GUIMARÃES/FRAME/FRAME/ESTADÃO CONTEÚDO

Bruno Grossi

Do UOL, em São Paulo

08/05/2019 04h00

Rogério Ceni viveu 25 anos intensos no São Paulo, empilhando títulos e recordes. No Fortaleza, em pouco mais de uma temporada, também já conseguiu fazer história ao levar o time de volta à elite do Campeonato Brasileiro depois de 13 anos de ausência. E é para exaltar esses feitos que as torcidas dos dois clubes planejam uma ode ao Mito no próximo domingo, às 19h, no encontro válido pela quarta rodada do Campeonato Brasileiro.

Mas essa não será a primeira vez em que os tricolores estarão juntos para festejar Ceni no Castelão. Em 2015, o São Paulo visitou o Ceará no estádio para evitar um vexame na Copa do Brasil. A equipe comandada por Juan Carlos Osorio havia perdido o jogo de ida no Morumbi por 2 a 1 e precisava vencer por dois gols de diferença para conseguir a classificação às quartas de final sem sustos.

Ceni estava machucado, era dúvida para o confronto. Só que decidiu não deixar os companheiros na mão. Mesmo com um problema na coxa direita, fez sessões extras de fisioterapia e decidiu enfrentar o Ceará. O jogo começou complicado, com os donos da casa bem-sucedidos na marcação, até que um pênalti foi marcado para o São Paulo. Ceni atravessou o campo a passos lentos e converteu a cobrança com categoria, no canto esquerdo do goleiro.

Vibrou muito, foi celebrado pelos colegas de time e voltou, como sempre, solitário para a própria área. Ali, cedeu às dores e mostrou que a lesão atropelada ainda o incomodava. Mas o esforço valeria a pena com a vitória por 3 a 0 do Tricolor. Foi o último dos 131 gols da carreira do Mito, o maior goleiro-artilheiro de todos os tempos. E quem viveu essa história de perto sabe recontá-la decor e com muito orgulho.

Preparador físico de Osorio ainda se espanta com "fome de vencedor"

Não era tão grave o machucado, tanto é que conseguiu chutar. Mas era uma lesão chata na coxa direita. Eu sempre ficava no Reffis com ele, acompanhava a fisioterapia. E ele sempre foi muito profissional. Sabia que tinha propensão a lesão e ficava fortalecendo mais para evitar isso e chegar pronto aos jogos. Isso mostra o comprometimento dele com o time, com a instituição.

O cara tinha uma atitude, uma fome de vencedor e sempre queria ir para cima. Por isso foi um atleta tão ganhador. E isso contagiava muito os outros jogadores. Alguns atletas cresceram graças a essa energia, como Wilder Guisao, Alexandre Pato, o zagueiro Luiz Eduardo. Rogério sempre foi um exemplo para os jogadores. A carreira dele seguirá tendo influência sobre quem ele comandar como técnico.

Já tinha muitos títulos, muita história percorrida, jogos ganhados e gols marcados. E é muito importante também que ele já tenha conseguido conquistas como técnico. Um acesso para a Primeira Divisão, a boa temporada que está fazendo. Isso renderá coisas boas para a carreira dele. Ele terá de novo a oportunidade de comandar times maiores.

Jorge Ríos, preparador físico colombiano da comissão técnica de Juan Carlos Osorio

Carlinhos se vê na história com pênalti sofrido

Nós perdemos o jogo de ida, mas eu tinha certeza que a gente iria virar em Fortaleza. O Osorio decidiu me escalar na ponta direita - e eu terminei o jogo como volante - e foi ali que saiu a jogada do pênalti. Recebi na ponta direita e fui para dentro do marcador. Adiantei a bola, fui mais rápido para driblar e ele me derrubou. Eu sabia que ali sairia o 1 a 0, que o Rogério faria o gol.

Ele estava com dores e todo mundo pensou que ele não iria para o jogo. Mas mesmo com essas dores, sem ter a melhor condição para jogar, ele foi. Esse tipo de coisa eu levo para minha carreira. Rogério mostrou uma superação, uma vontade de jogar tão grandes! Isso passava confiança para todos nós. Pô, se o Rogério, maior ídolo do clube, faz isso para estar em campo, a gente precisa se matar!

Então, ele foi bater o pênalti. Saiu lá de trás. E na passada já dava para ver que estava mancando um pouco. Mesmo assim foi, pegou a bola e fez o gol. O Ceará estava fechadinho, mas o gol obrigou o time deles a sair, abrindo espaço para nós. Ganhamos de 3 a 0. E agradeço por fazer parte da história do Rogério.

Carlinhos, ex-lateral-esquerdo do São Paulo e atualmente no CSA

Narrador se considera abençoado pelo "Papai do céu"

Eu já tinha narrado o primeiro jogo. O Ceará venceu e os jogadores entraram em campo para fazer selfies, como quem dizia "putz, estamos no Morumbi". Eles eram os lanternas da Série B e eu, cá com meus botões, pensei que o São Paulo de Pato, Michel Bastos e Professor Osorio iria detonar, resolver no jogo de ida. Acabou sendo um bafafá danado e o São Paulo foi para Fortaleza com uma interrogação na cabeça.

Fui para o Castelão e o ex-jogador Silas ficou na cabine comigo para comentar. O estádio não estava lotado, mas tinha um bom público. E por mais que o Rogério estivesse se preparando para pendurar as luvas, ninguém poderia imaginar que seria o último gol da carreira dele. E do jeito que foi. Um mata-mata de Copa do Brasil, depois de perder o jogo de ida, com o Rogério no sacrifício por uma lesão, fazendo, como narrei, o gol de número 131 da carreira...

No fim, Papai do céu me abençoou, porque isso fica na história. Foi uma mistura de privilégio e sorte. Já tinha feito outros jogos do São Paulo, em rádio e na TV, mas nunca com gol do Ceni. Esse foi o único. Que momento! Agora fico tentando lembrar de tudo daquele dia. É um presente para qualquer narrador narrar o último gol do cara que entrou para o livro dos recordes com marcas tão incríveis.

A gente leva a vida no automático, encara as coisas como um curso natural do futebol. Só depois é que você vai descobrindo feitos como esse. É muito bacana resgatar esse tipo de história. A gente vai fazendo tantos jogos, passa por tantas coisas, mas a vida não pode ser automática. O tempo vai entrando no rio do passado, as histórias vão florescendo. É muito interessante quando você consegue tirar os fatos do armário. Em suma, é um privilégio.

Rogerio Vaughan, narrador dos canais ESPN

Rogerio Vaughan, Silas e Mauro Cezar Pereira na transmissão da ESPN de Ceará 0x3 São Paulo, na Copa do Brasil de 2015 - Reprodução - Reprodução
Rogerio Vaughan, Silas e Mauro Cezar Pereira na transmissão da ESPN de Ceará 0x3 São Paulo, na Copa do Brasil de 2015
Imagem: Reprodução

Torcedora fez de tudo para estar perto do "Papa"

Eu sabia que o Rogério estava prestes a se aposentar e aquela poderia ser a última vez que eu veria ele em Fortaleza. Por isso, tentei aproveitar ao máximo. Fui para o hotel em que o time se hospedou para esperar a chegada dos jogadores, mas foi impossível chegar perto dele. Era muito concorrido, muita gente em volta querendo tirar foto. Mas foi o dia que eu consegui ficar mais perto dele até então (risos). Foi um momento legal!

No jogo foi muito especial, porque a gente aqui de Fortaleza tem poucas chances de ver o São Paulo. Eu estava muito feliz por ver ele jogar mais uma vez e desejei muito um gol. Tanto porque o São Paulo precisava para se classificar, como porque eu nunca tinha visto um gol dele ao vivo. Nem acreditei quando a bola entrou. Não sabia nem como comemorar. Me arrepiei de felicidade, o olho brilhava.

Só não imaginava que aquele seria o último gol dele. Só me dei conta disso depois que ele se aposentou. Nem passava pela minha cabeça que aquilo tinha sido um momento histórico. E depois do jogo, ele foi ovacionado mais uma vez. Fui para o estacionamento do Castelão esperar o time entrar no ônibus e mais uma vez estava lá a torcida gritando por ele. Impossível chegar perto, o homem parecia o Papa (risos). No domingo agora, é mais fácil o Rogério não ir do que eu não estar no estádio.

Maíra Nogueira Paula, bacharel em direito, é torcedora do São Paulo e vive em Fortaleza

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferente do informado anteriormente nesta notícia, o jogo Fortaleza x São Paulo será às 19h (de Brasília), e não às 21h. O erro foi corrigido.

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